Pedro Carvalhaes: A indiferença bolsonarista à tragédia Yanomami
Tempo de leitura: 2 minReflexos da desumanização colonial
Por Pedro Carvalhaes*, especial para o Viomundo
“Nos deram espelhos e vimos um mundo doente/
Tentei chorar e não consegui”
Renato Russo
É chocante a falta de indignação de bolsonaristas diante do genocídio Yanomami perpetrado pelo governo Jair Bolsonaro.
Porém, não espanta, mesmo tendo essa base social considerável componente religioso.
A teoria da “Banalidade do Mal”, de Hannah Arendt, fundamental para explicar a indiferença nazista que levou à “Solução Final”, ajuda a clarificar a frieza de bolsonaristas ao genocídio Yanomami.
Mas não é só isso.
Tal indiferença está presente no inconsciente coletivo não só de bolsonaristas, mas de boa parte dos brasileiros.
E remonta a uma chaga colonial: a visão dos indígenas como agrupamentos não humanos, naturalizando suas agruras e desmobilizando os esforços para combatê-las.
Sendo os indígenas, na visão colonial que até hoje perdura, seres desumanizados, não importa que suas terras sejam invadidas por garimpos ilícitos, nem que seus modi vivendi seculares sejam descaracterizados.
A suposta não humanidade indígena tudo permite — inclusive a morte desses povos por doenças e desnutrição.
Não há revolta, pois não está sedimentada no nosso inconsciente coletivo a ideia de que o Homo sapiens da floresta é igual ao da cidade — especialmente se este é branco e pertence à classe média ou à elite.
É lógica semelhante à desnudada por García Lorca na peça “A Casa de Bernarda Alba”, na qual fala: “Os pobres são como os animais; parecem ter sido feitos de outras substâncias”.
A esse raciocínio indigente, soma-se o (des)evangelho do “deus mercado”, no altar de sacrifícios do capitalismo ultraliberal: como o indígena não é consumidor nem produtor, ele não possui valor algum para a sociedade. Compõe, assim, com a natureza da qual depende, um restolho a ser destruído em nome de um suposto “desenvolvimento”.
Nos primórdios da colonização, os indígenas eram aliciados pelos colonizadores por meio de espelhos e outras bugigangas.
Que os reflexos desses espelhos que outrora refletiram os antepassados dos povos originários sejam vistos por todos nós. E que, neles, vejamos o nosso próprio reflexo.
Enquanto os povos indígenas brasileiros não forem tratados como seres humanos plenos, seremos nós, e não eles, os seres verdadeiramente desumanizados.
*Pedro Carvalhaes, graduado em Direito pela UFMG, é roteirista.
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Comentários
Zé Maria
“Enquanto o mundo se escandaliza com a crise humanitária dos Yanomamis, que chegaram a peregrinar por 20 dias em busca de comida, o governador de RR minimiza a situação e figuras como Regina Duarte debocham.
É inacreditável!”
FERNANDA MELCHIONNA
Deputada Federal (PSOL/RS)
https://twitter.com/FernandaPSoL/status/1620176195852849153
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