Patrick Cockburn: Gaddafi* perdeu. Mas, quem ganhou?

Tempo de leitura: 3 min

Patrick Cockburn: Ninguém duvida que Gaddafi perdeu. A pergunta é: quem ganhou?

Precedentes no Afeganistão e no Iraque não são encorajadores e servem como alerta

do jornal britânico Independent, em 23.08.2011

A guerra civil na Líbia durou mais que o esperado, mas a queda de Trípoli veio antes que o previsto. Como em Cabul em 2001 e Bagdá em 2003, não houve a “reação final” do regime derrotado, cujos apoiadores parecem ter dissolvido quando a derrota parecia inevitável.

Embora esteja claro que o coronel Muammar Gaddafi perdeu o poder, não é certo quem ganhou. As milícias anti-regime que estão agora entrando na capital estavam unidas diante de um inimigo comum, mas não muito mais que isso. O Conselho de Transição Nacional (TNC) em Benghazi, já reconhecido por vários estados estrangeiros como o governo legítimo da Líbia, é de legitimidade e autoridade duvidosas.

Existe outro problema para terminar a guerra. Ela nunca foi um teste de força entre os dois grupos líbios por causa do papel decisivo dos ataques aéreos da OTAN. Os insurgentes admitem que sem a guerra aérea promovida em nome deles — com 7.459 ataques em alvos pró-Gaddafi — eles estariam mortos ou em fuga. A questão, portanto, permanece aberta, sobre como os rebeldes pretendem converter pacificamente a vitória obtida com apoio estrangeiro no campo de batalha em paz aceitável para todos os grupos da Líbia.

Precedentes no Afeganistão e no Iraque não são encorajadores e servem como alerta. As forças anti-talibã no Afeganistão conquistaram sucessos militares graças, como na Líbia, a apoio aéreo estrangeiro. Então usaram o predomínio temporário de forma arrogante e desastrosa para estabelecer um regime fortemente inclinado contra a comunidade Pashtun.

No Iraque, os americanos — super confidentes depois da fácil derrota de Saddam Hussein — dissolveram o exército iraquiano e excluiram os membros do partido Baath [partido de apoio a Saddam Hussein] dos empregos públicos e do poder, dando a eles poucas opções além de lutar. A maioria dos iraquianos gostou de ver o fim de Saddam Hussein, mas a luta para substituí-lo quase destruiu o país.

Vai acontecer o mesmo na Líbia? Em Trípoli, como em quase todos os estados baseados na exploração do petróleo, o governo dá empregos e muitos líbios se deram bem sob o antigo regime. Como eles vão pagar agora por terem ficado do lado derrotado?

O ar estava carregado ontem com os chamados do TNC para que seus soldados evitassem atos de retaliação. Mas foi apenas no mês passado que o comandante-em-chefe do TNC foi assassinado em um ato obscuro e ainda inexplicado de vingança. O ministério rebelde foi dissolvido e ainda não foi reconstituído, por causa do fracasso na investigação do assassinato. O TNC produziu regras para o país seguir depois do regime de Gaddafi, para garantir que a lei e a ordem sejam mantidas, para que as pessoas sejam alimentadas e os serviços públicos continuem.

É muito cedo para saber se isso é mero wishful thinking inspirado no estrangeiro ou se terá efeito benéfico nos acontecimentos. O governo líbio era uma organização improvisada no melhor dos tempos; assim, qualquer dificuldade futura pode nem ser notada inicialmente. Mas muitos dos que celebram nas ruas de Trípoli e incentivam o avanço das colunas de rebeldes esperam que suas vidas melhorem e ficarão decepcionados se isso não acontecer.

As forças estrangeiras vão provavelmente incentivar que sejam dados passos para formar algum tipo de assembleia constituinte que dê ao novo governo legitimidade. Este governo vai precisar criar as instituições para substituir as que o coronel Gaddafi aboliu ou substituiu com os supostamente democráticos comitês que, de fato, representavam o governo de um homem só. Isso não será fácil de fazer. Antigos oponentes do regime vão achar difícil dividir a vitória com aqueles que viraram casaca no último minuto.

Alguns grupos ganharam poder pela atuação que tiveram na guerra em si, como os berberes das montanhas do sudoeste de Tripoli, há muito marginalizados, que organizaram a milícia mais eficaz militarmente. Eles vão querer que sua contribuição seja reconhecida em qualquer nova distribuição de poder.

A Líbia tem várias vantagens sobre o Afeganistão e o Iraque. Não é um país que tem uma grande parte da população destituída e vivendo à margem da desnutrição. Não tem a mesma história recente banhada de sangue do Afeganistão e do Iraque. Apesar de toda a demonização do coronel Gaddafi nos últimos seis meses, o governo dele nunca rivalizou com o de Saddam Hussein na selvageria.

No Afeganistão e no Iraque, os poderes estrangeiros reagiram a seu sucesso militar indo longe demais. Trataram os oponentes de forma vingativa e acreditaram que os derrotados nunca mais se revoltariam. Eles se convenceram de que os aliados locais eram mais representativos e eficazes do que na verdade eram. É justamente nos momentos de glória que surgem os ingredientes que produzem futuros desastres.

http://www.independent.co.uk/opinion/commentators/patrick-cockburn-no-one-doubts-that-gaddafi-has-lost-the-question-is-who-has-won-2342150.html

* Respeitamos a grafia dada pelo jornal ao nome do ditador líbio.


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Comentários

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Fabiano Araujo

Os acontecimentos na Libia obrigam os brasileiros a uma dura reflexão. Nosso país é o ÚNICO entre os BRICS que, comprovadamente, não possui arma nuclear, o que nos leva a pensar se no futuro não estaremos sujeitos à chantagens de determinadas potências internacionais pela razão de possuirmos o pré-sal e as maiores reservas de água doce do planeta, além de uma biodiversidade muito grande. Será que não se deveria pensar em dotar o país de armamento atômico? Não se trata de assumir uma postura agressiva, pois, a arma nuclear, no momento atual, tem caráter dissuasório, porém não se deve ficar atado a um pacifismo ingênuo. Em mundo de lobos se comportar como ovelha pode ter consequências trágicas. Observemos que, nenhum dos Estados possuidores de armamento atômico é chantageado, particularmente se possuir foguetes de longo alcance. O caso mais recente é a Coréia do Norte.

Antonio Luiz Costa: Na Líbia, OTAN faz 1 a 0 nos BRICs | Viomundo – O que você não vê na mídia

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fernandoeudonatelo

Como o texto colocou, a necessidade de uma Constituinte que dê origem ao parlamento e outras instituições de Estado, é urgente com a queda de Kadaffi, já que a legitimidade do TNC pode passar a ser questionada.

Na verdade, acredito q os países ocidentais alinhados na OTAN devem sugerir, não é uma força de monitoramento e pacificação terrestre, mas a estabilização política do principal grupo rebelde com os clãs tribais do território líbio. Ou seja, devem pedir uma governo de maior representatividade étnica e reconhecido pelos Idris.

Se isso ocorrer, aí sim, o ocidente consegue caminho livre para fortalecer os contratos de exploração de recursos, tendo como único problema a possibilidade do novo regime se tornar igualmente repressivo ou autoritário, o que criaria rachas na "base aliada" e mesmo na população. O fato de ser entreguista ou não, não parece de início, ser motivo para os conflitos.

    Bonifa

    Mas há aspectos geopolíticos importantes em jogo. Um fortalecimento da influência ocidental, talvez até com bases militares, ao longo da Cirenaica, viria a cercar pelos dois lados o Egito com forças pró-israelenses. Afinal, ainda não há razões para o Ocidente sentir-se novamente seguro em relação aos caminhos que o poderoso Egito deverá tomar.

Marat

Khadafi ainda não perdeu, mas vejo muitos derrotados nesta estória (moralmente, é claro)
– TPI: algum imbecil do TPI (tribunalzinho de quinta categoria que julga apenas aqueles a quem os EEUU ordenam – julgar Bush pelos crimes de guerra? Jamais);
– ONU: Entidadezinha quinta coluna, que vive da esmola dos EEUU e de seus animaizinhos de estimação europeus. Esse torpe organismo está pouco se lixando com as vítimas civis no mundo árabe, achacado e monstruosamente atacado pelo sofisticado ocidente;
– OTAN: Mais uma vez a Organização Terrorista do Atlântico Norte mostra sua incompetência: Há seis meses eu os ouço dizer que faltam poucos dias, para o regime líbio cair… enquanto isso, promovem carnificinas no povo líbio;
– Por fim, nossa popular imprensa: Triste profissão que apenas repete, tal qual papagaio de circo, aquilo que seus patrões mandam! A verdade? Ora, para que falar a verdade, se a mentira rende mais, não é mesmo?
E viva o capitalismo moneyteísta!!!

    gilberto

    e isso aih marat, quem perde sempre e o povao.
    nunca em nenhum paizeto deste mundo,povo algum teve uma vitoria,quem sempre ganha, e a classe dominante que sempre fomenta rebeliao .os desafortunados, comem as migalhas, por vezes bem indigestas.
    obs, a O N U ta pouco se lixando para o que se passa na africa, nao da ibope, petroleo??? sera que existe?.

    Marat

    É bom que os países se armam até os dentes, pois os "libertadores" da Organização Terrorista do Atlântico Norte vão dizimar todos os que se opuserem aos seus roubos e desmandos!!!

    Bonifa

    "Os insurgentes admitem que sem a guerra aérea promovida em nome deles — com 7.459 ataques em alvos pró-Gaddafi — eles estariam mortos ou em fuga." Se a própria imprensa da Europa veicula esta informação, está confirmado clara e abertamente que quem na verdade fez e venceu esta guerra contra o governo Líbio foram as potências européias e não os rebelados internos.

Jason_Kay

Que tal essa pauta para o blog: "CADÊ A UNE?"

"Após marchas das Vadias e Maconha, alunos farão 'Marcha pela Educação"

Depois de ler nos jornais sobre as marchas das Vadias, Maconha e Liberdade, o estudante de Jornalismo da USP Yuri Vinicius Kawakami Gonzaga, de 21 anos, decidiu chamar alguns amigos de faculdade para organizar a Marcha da Educação. O evento, marcado para sábado, às 13h, no Vão Livre do Masp, foi divulgado no Facebook, mas também foram espalhados cartazes pelas Avenidas Paulista e Consolação e por unidades da USP.

“A galera está fazendo várias manifestações, enquanto isso a educação está uma b…”, afirmou Yuri, ao tentar justificar a realização do evento. No 4º ano da faculdade, ele diz que não conta com nenhum apoio institucional, embora tenha batido na porta de entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE).
“O presidente (da UNE, Daniel Iliescu) simplesmente não respondeu. Como a entidade está meio alinhada com o governo, não sei se eles serão a favor.”
http://blogs.estadao.com.br/ponto-edu/estudantes-

    Bonifa

    Um novo troll ou a versão coquette do Carmem?

A “queda” de Kadafi e a disputa pelos recursos da África | Viomundo – O que você não vê na mídia

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