Paloma Amado, em sua Crônica de Domingo: O sofrimento de dona Zélia por ter sido impedida de conviver com Luiz Carlos, o 1º filho

Tempo de leitura: 8 min
À esquerda, Zélia Gattai em meio aos filhos Paloma, Luiz Carlos e João Jorge. À direita, Paloma e o amado irmão João Jorge, que ela chama carinhosamente de Juca. Fotos: Facebook da autora

Da Redação

Paloma Amado é a segunda filha dos escritores Zélia Gattai e Jorge Amado.

Nasceu em 1951 na cidade de Praga, capital da República Tcheca, onde seus pais estavam exilados.

Dez meses depois, a família retornou ao Brasil, indo viver no Rio de Janeiro, onde morou por 11 anos.

“Não aprendi a falar tcheco, ao contrário do meu irmão, João, que viveu lá por três anos e falava tcheco que era uma beleza”, contou em entrevista ao jornal A Tarde, no ano passado.

Em seu perfil no Facebook, apresenta-se como artesã, ilustradora e redatora.

Formada em Psicologia Clínica, ela tem vários livros publicados.

Brasileira nata, segundo leis brasileiras, não tinha um Estado para chamar de seu, até que teve a alegria de ser feita cidadã soteropolitana pela Câmara Municipal de Salvador.

“Tenho orgulho de ser baiana!”, festeja Paloma Amado.

Abaixo, a sua crônica desse domingo, 5 de março de 2023.

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Crônica de Domingo, 5 de março de 2023: Encontrando temas

 Paloma Amado, em seu perfil de rede social, dica de Tânia Mandarino

Duas semanas sem escrever crônica, francamente começo a ouvir a voz de meu pai, em tom queixoso, como usava quando não estava contente com a gente:

— Não seja leviana, minha filha. Se você decidiu escrever todos os domingos e criou um público leitor, agora tem um compromisso com eles. Levante a bunda dessa poltrona e vá escrever imediatamente.

É verdade, papai achava que meu grande problema com a escrita era ser preguiçosa.

Na última conversa que tivemos, no dia 1º de janeiro de 2000, ele me pediu que escrevesse todos os dias, que escrevesse ficção, me disse para não ter medo do que iam dizer, da crítica, das comparações, que ele acreditava que eu tinha talento. O meu problema maior era… a preguiça.

Paloma Amado: ”Com meu paizinho, quando fomos à Feira de artesanato do Estoril”. Foto: Facebook da autora

Em parte ele tinha razão, talvez este torpor em que me encontro tenha em sua amálgama um forte componente preguiçoso.

O fato é que me sinto mesmo mal quando não escrevo a crônica, por isso, na sexta-feira passada, quando parei para pensar no que escrever, vi que as coisas estavam mal encaminhadas e pedi socorro a vocês, tanto pelo Instagram, quanto pelo Facebook.

Me impressionaram a rapidez e o grande número de respostas. Anotei tudo, nomes e sugestões, e estou aqui para agradecer e falar rapidamente sobre algumas delas, que nas próximas semanas desenvolverei.

Sônia Raquel, Marilena, Maria Lima, Maby Garcia, Iranildes e Yolanda Mimura me aconselharam a não escrever, esperar a inspiração vir e pronto.

Agradeço a generosidade do conselho, mas realmente precisava de um tema inspirador, que me desse prazer, pois se viver não é preciso, escrever é preciso!!!

Muita gente pediu que escrevesse sobre o caso nefasto do vereador de Caxias do Sul, um verme ignorante, que tentou, em plenário, nos massacrar. Não conseguiu, que baiano é muito mais que um ser cheio de melindres.

Temos orixás fortes, que escutam nossos tambores, e Xangô está aí mesmo para tomar a frente. Kaô Kabessilê. Não queria falar sobre isso, me corta o coração que continuem as teses xenófobas, fascistas a nos apurrinhar. Ora me deixe.

Já sofri vendo e ouvindo o energúmeno, fiquei com esperanças de que seja definitivamente defenestrado da política e caia no esquecimento. As coisas ruins não se esquece tão fácil. Quando pensamos que podemos dormir em paz com o ex-presidente fora do país, chega a notícia que traficava jóias. Esse era o incorruptível…

Chega, vamos acompanhar o que está acontecende no novo Governo, e vejo muita coisa boa, muita coisa voltando para os eixos. Linda a posse de Maria Marighella na Funarte! Viva a nossa Cultura!

Muitos temas sugeridos já foram exaustivamente usados por mim. Sobre minha avó Lalu, sobre minha mãe e o quão maravilhosa ela era, sobre nossos amigos queridos já escrevi tanto que tenho medo de ficar me repetindo.

Achei engraçado quando Daniel Braga me pediu que escrevesse sobre a amizade de ”Jorge Amado com personalidades”.

Papai nunca foi amigo de ninguém por ser uma personalidade. Aliás, uma das mais sábias lições que nos deu foi que: Ninguém é realmente importante se não for simples.

Dizia que tivéssemos sempre um pé atrás com as pessoas emproadas, cheias de prepotência, hoje se diria: pessoas que se acham.

É difícil para mim sair contando das amizades com os que viraram ícones da cultura do século XX, sem parecer que estou me achando…

Ao ver uma personalidade daqui da terrinha se mostrar importantíssima sentada no Café de Flore, atual reduto de turistas em Paris, estampando com sua imagem “chique” as mídias, me lembro de quando almocei com Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir na Brasserie Lipe (em frente ao Café de Flore), em tarde agradável, onde nós, João Jorge e eu, reencontramos os velhos amigos de nossos pais, com quem convivemos por um mês no Brasil, na infância, sendo que agora, adolescentes, pudemos conversar com mais intimidade.

Estou contando agora, mas não fico por aí me gabando, inclusive porque é uma coisa de amizade e não “ai”, eu jantei e almocei com o casal Sartre, etecetera e tal…”

Penso em escrever sobre o Gabo, como pede meu amigo Guto, uma amizade sobre a qual ainda não escrevi.

Sobre a Bahia, também já escrevi muito, mas reservei os temas: “Uma sexta-feira em Salvador”; “Minha infância/adolescência na Bahia”, “Federação”; “Minha rua”(tema proposto por minha prima Beth Ramos, vizinha da mesma rua); “Uma volta pela cidade de madrugada”; “Os candomblés e as mães de santo”. Tenho aqui pelo menos cinco crônicas!!!”

Dois pedidos que atenderei aqueceram meu coração. Vieram de Rose e de Nilzete, que trabalharam com mamãe.

Rose pede que conte de mamãe através das músicas que ouvia, Nilzete tem curiosidade sobre as comidas exóticas que encontrei pelo mundo. Será um prazer atendê-las! Mais duas crônicas!!

Me pedem que escreva sobre os sentimentos que me incomodam atualmente, e eu os reservo para mim, não me aprofundo neles. A verdade é que a menina cuja mãe chamava de bicho do mato, com a pandemia se bichodomateou de uma vez por todas.

Moro só com os meus gatos, e depois de dois anos trancada em casa sem sair, aprendi a curtir muito o lado ótimo que a solidão tem. O lado ruim é que fiquei pouco sociável ao vivo e a cores.

Escrevo, mando mensagens, faço vídeo, mas não me peça para sair de casa, ir a festas e encontros, fico com febre alta na mesma hora. Acho que estou virando uma velha insuportável para os outros, mas ótima para mim!

Neste sábado que vos escrevo, comemoram o aniversário de Hian, meu neto postiço, que amo de paixão. Vai ter festinha e eu não vou. Comadre Gal, a avó de sangue, vai ficar sentida comigo, mas eu resolvi não abrir mão do que me faz sentir bem.

Me aconselharam também escrever sobre a Mulher, já que o dia da mulher se aproxima. Cezinha pediu que escrevesse sobre minha filha Cecília, cineasta que ele admira. Farei isso.

Pinky deseja saber o que penso de como criar filhos atualmente, um tema difícil para mim, já que as minhas filhas (uma de 46 e outra de 50 anos) já criaram os seus próprios filhos.

Penso atender a Natália Amado escrevendo sobre meu Sergipe querido e a linda cidade de São Cristóvão em particular.

Vansuely, do Insta, me pede para escrever sobre outros membros da família Amado: Fernanda (minha prima adorada, que é neta do Graciliano Ramos, e que já tema de uma crônica), minha sobrinha Maria João (já escrevi uma crônica inteira sobre ela, minha querida) e Luiz Carlos, meu irmão.

Preciso dizer a Vansuely que Luiz Carlos não era da família Amado. Meu irmão é filho do primeiro casamento de minha mãe, seu sobrenome é Veiga. Digo isso porque ele não queria de maneira nenhuma que pensassem que era Amado.

Mamãe e Luiz Carlos, antes que o tirassem dela. Foto: Arquivo pessoal

Vou contar rapidinho. O pai dele nunca se conformou com mamãe ter casado com papai. O problema não foi a separação, isso era coisa certa e conversada para resolver um casamento falido, incluindo aí a certeza de mamãe da guarda de seu filho, já que o marido não queria que tivesse nascido. O senhor Veiga deixou de falar com mamãe e a expulsou de seu quarto quando ela bateu pé que não abortaria.

Daí foi uma surpresa quando ele ganhou a guarda de Luiz (naqueles anos 40, uma mulher desquitada era tida como puta…), e conseguiu proibi-la de ver o filho. Este senhor fez com meu irmão o que se chama de alienação parental. Muitas vezes mamãe ia a São Paulo para ver de longe Luiz entrar na escola, voltava para o Rio aos prantos.

Nosso irmão João Jorge nunca se conformou de ser proibido de vê-lo e passou a procurá-lo, quando de nossas férias paulistanas, em casa de tia Vera. Eles se encontravam, Luiz era cordial. Um dia foi vê-lo em sua casa, ele não estava, João ficou esperando, fazendo palavras cruzadas com seu pai. Deu-se o seguinte diálogo:

— Você é amiguinho de Luiz Carlos da onde, que você é muito mais novo que ele…

— Sou irmão dele…

— Sai já daqui e não volte a por os pés nesta casa…

João contou para nós, muito zangado, homem mais estúpido.

Quando Luiz já estava homem feito e ficou noivo, sua noiva, Conceição, interferiu e conseguiu que ele voltasse a falar com mamãe. Ele tinha exigências: não queria saber a versão dela da história, não queria que tocassem no nome de papai, nem vê-lo, é claro.

Depois que o senhor Veiga morreu, tudo ficou diferente. Luiz chegou a vir a Bahia com as três filhas e Conceição, tratou papai civilizadamente, mesmo que sem intimidade.

Luiz teve um câncer muito grave. Mamãe já estava em cadeira de rodas e usando oxigênio todo o tempo, assim que eu fui sozinha a São Paulo para estar com Luiz no hospital.

Foi quando ele me disse que não queria nunca que dissessem ou pensassem que era filho do papai, me fez prometer que nunca faria nada para que suas meninas fossem ligadas a Jorge Amado. Eu prometi.

Seguia um conselho que papai me deu, quando eu quis contar a Luiz tudo de ruim que seu pai tinha feito com nossa mãe.

— Para quê, minha filha? Não encoste seu irmão na parede para que escolha entre pai e mãe. Hoje está muito melhor do que já esteve, veja como sua mãe está feliz.

Eu nunca me conformei dele morrer pensando mal de mamãe, que não suportou sua morte e se foi três meses depois. Aí está a história de meu irmão Luiz Carlos Veiga, uma história bem triste, que até hoje dilacera meu coração. Agradeço todos os dias à Conceição, uma pessoa que amo profundamente, o bem que fez a mamãe, ao marido, às filhas e a nós todos.

Voltando aos temas enviados, muita gente falou que gosta do meu bom humor. Eu também gosto de ser bem humorada e de rir de minhas próprias desgraças (nunca consegui, no entanto, rir com a história de meu irmão).

Quando José Spínola me recomenda criar um ser imaginário que dialogue borgeanamente comigo (já li Borges, viu Spínola!), conto que criei vários personagens para a “Rádio Itinerante” para que dialogássemos com humor. Não fez o menor sucesso.

Recentemente republiquei um resumo da “Rádio”, uma leitora achou chatíssimo, me disse não ter conseguido passar dos primeiros parágrafos. Dialogo muito comigo mesma, às vezes conto estes diálogos às filhas, ao mano, aos netos, mas escrevê-los, não. Melhor reservar para a terapia.

Preciso dizer a Ana de Nazareth, que publiquei, logo antes da pandemia, um longo texto sobre Capitães da Areia; a Telma Rodrigues, que publiquei aqui o artigo que escrevi sobre “São Jorge dos Ilhéus” para o jornal português “O Publico”, faz pouco tempo.

Finalmente, muitos pedidos para contar viagens. Breve terei relatos fresquinhos, pois vou passar a Páscoa com meu neto Nicolau, estudante em Coimbra, de quem morro de saudades. Vamos passear um pouco, visitar o tio João e a tia Dôra em Paris.

Mais uma vez agradeço a todos, e em particular mando um carinho para Maria Alexandra, que definiu muito bem quem eu sou: uma senhora séria, com cara de triste e muito bem humorada.

Bom domingo a todos.


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Comentários

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Lia Helena Giannechini

Seu jeito de escrever parece do seu pai, mas tem um dedinho de prosa ao sabor do vento….o que vem na telha e no momento. Muito interessante a história do irmão. As famílias nem sempre se juntam, as vezes sim, mas a maior parte, não. E está tudo bem…

Zé Maria

A Alienação Parental causa Traumas Psico-Emocionais tanto na Criança quanto nos Familiares,
principalmente nos casos em que um dos Genitores faz uma Campanha de Desconstrução da Honra, da Imagem e da Memória do Outro.

Sônia Regina Ferreira Bonfim Morais

A vida, injustamente, muitas vezes faz essas malvadeza hediondas com as mães, pessoas que menos as merecem… mas, com certeza, a grandiosa Zélia, superou o sofrimento, pois conseguiu ter uma vida linda ao lado da sua família.
Amo tuas crônicas, Poliana. Nunca deixes a preguiça te sabotar.

Arnon Góes

Nenhuma relação humana dura sem respeito. Não vai pra frente.
Tem muita gente que é folgada. Não quer respeitar os outros. Só se for gente importante$ aí o … respeita.
O segredo é o respeito.
Quem errou não foram os trabalhadores baianos ou a bahia ou o governo federal, mas sim a fênix sulista que merecia virar cinzas.
RESPEITO.
O mundo é repleto de gente importante e estudada que se acha no direito de ofender gente humilde e simples.

Lucia Irene Reali Lemos

A história de dor e julgamentos de Zélia Gattai mexe comigo. Essa sensação de injustiça e de “ponta solta” é ruim. Muito me identifiquei com a crônica de Paloma. E sim, posso afirmar que me tornei uma ermitã nesses últimos 3 anos. Entrei na terceira idade (sou de 1962) nessa pandemia e me encontrei comigo mesma. Hoje não quero,não sinto desejo e nem me sinto à vontade pra sair de dentro do meu AP e muito menos de dentro de mim. Acho que também me tornei uma pessoa chata ou talvez quem sabe, mais exigente nas relações públicas.

Antônio Cláudio Brito dos Santos

Eu gostei de ter lido esse relato da filha do melhor escritor ( Jorge amado ), tomara que ela venha com textos falando sobre a vida de seus familiares para nós nos deliciar-se.

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