Nassif: Como a Lava Jato foi pensada como uma operação de guerra

Tempo de leitura: 6 min

Moro 1a-001

Como a Lava Jato foi pensada como uma operação de guerra

Luis Nassif, no GGN,

O vazamento torrencial de depoimentos, a marcação cerrada sobre Lula, o pacto incondicional com os grupos de mídia, a prisão de suspeitos até que aceitem a delação premiada, essas e demais práticas adotadas pela Operação Lava Jato estavam previstas em artigo de 2004 do juiz Sérgio Moro, analisando o sucesso da Operação Mãos Limpas (ou mani pulite) na Itália.

paper “Considerações sobre a operação Mani Pulite“, de autoria de Moro é o melhor preâmbulo até agora escrito para a Operação Lava Jato. E serviu de base para a estratégia montada.

Em sete páginas, Moro analisa a operação Mãos Limpas na Itália e, a partir dai, escreve um verdadeiro manual de como montar operação similar no Brasil, valendo-se da experiência acumulada pelos juízes italianos.

As metas perseguidas

Na abertura, entusiasma-se com os números grandiosos da Mãos Limpas: “Dois anos após, 2.993 mandados de prisão haviam sido expedidos; 6.059 pessoas estavam sob investigação, incluindo 872 empresários, 1.978 administradores locais e 438 parlamentares, dos quais quatro haviam sido primeiros-ministros”.

Admite os efeitos colaterais, dez suicídios de suspeitos, vários assassinatos de reputação cometidos na pressa em divulgar as informações e, principalmente, a ascensão de Silvio Berlusconi ao poder.

Mas mostra as vantagens, no súbito barateamento das obras públicas italianas depois da Operação.  Principalmente, chama sua atenção as possibilidades e limites da ação judiciária frente à corrupção nas democracias contemporâneas.

A lógica política da Mãos Limpas

A lição extraída por Moro é que existe um sistema de poder a ser combatido, que é a política tradicional, com todos seus vícios e influências sobre o sistema judicial, especialmente sobre os tribunais superiores.

O sistema impede a punição dos políticos e dos agentes públicos corruptos, devido aos obstáculos políticos e “à carga de prova exigida para alcançar a condenação em processo criminal”.

O caminho então é o que ele chama de democracia – que ele entende como uma espécie de linha direta com a “opinião pública esclarecida”, ou seja, a opinião difundida pelos grandes veículos de imprensa, dando um by-pass nos sistemas formais.

“É a opinião pública esclarecida que pode, pelos meios institucionais próprios, atacar as causas estruturais da corrupção. Ademais, a punição judicial de agentes públicos corruptos é sempre difícil (…). Nessa perspectiva, a opinião pública pode constituir um salutar substitutivo, tendo condições melhores de impor alguma espécie de punição a agentes públicos corruptos, condenando-os ao ostracismo”.

O jogo consiste, então, em trazer a disputa judicial para o campo da mídia.

Análise de situação

Em sua opinião, os fatores que tornaram possível a Operação, alguns deles presentes no Brasil.

  1. Uma conjuntura econômica difícil, aliada aos custos crescentes com a corrupção.
  2. A abertura da economia italiana, com a integração europeia, que abriu o mercado a empresas estrangeiras.
  3. A perda de legitimidade da classe política com o início das prisões e a divulgação dos casos de corrupção. Antes disso, a queda do “socialismo real”, “que levou à deslegitimação de um sistema político corrupto, fundado na oposição entre regimes democráticos e comunistas”.
  4. A maior legitimação da magistratura graças a um tipo diferente de juiz que entrou nas décadas de 70 e 80, os “juízes de ataque”, nascido dos ciclos de protesto.

Moro 2O uso da mídia

Um dos pontos centrais da estratégia, segundo Moro, consiste em tirar a legitimidade e a autoridade dos chefes políticos – no caso da “Mãos Limpas”, Arnaldo Forlani e Bettino Craxi, líderes do DC e do PSI – e dos centros de poder, “cortando sua capacidade de punir aqueles que quebravam o pacto do silêncio”. Segundo Moro, o processo de deslegitimação foi essencial para a própria continuidade da operação mani pulite

A arma para tal é o uso da mídia, através da ampla publicidade das ações. Segundo Moro, na Itália teve “o efeito salutar de alertar os investigados em potencial sobre o aumento da massa de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações. Mais importante: garantiu o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o trabalho dos magistrados”.

Moro admite que a divulgação indiscriminada de fatos traz o risco de “lesão indevida à honra do investigado ou acusado”. Mas é apenas um dano colateral menor.

Recomenda cuidado na divulgação dos fatos, mas “não a proibição abstrata de divulgação, pois a publicidade tem objetivos legítimos e que não podem ser alcançados por outros meios”.

Segundo Moro, “para o desgosto dos líderes do PSI, que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a investigação da “mani pulite” vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados no “L’Expresso”, no “La Republica” e outros jornais e revistas simpatizantes”.

Para ele, apesar da Mãos Limpas não sugerir aos procuradores que deliberadamente alimentassem a imprensa, “os vazamentos serviram a um propósito útil. O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva. Craxi, especialmente, não estava acostumado a ficar na posição humilhante de ter constantemente de responder às acusações e de ter sua agenda política definida por outros”.

A delação premiada

Segundo Moro, a estratégia consiste em manter o suspeito na prisão, espalhar a suspeita de que outros já confessaram e “levantar a perspectiva de permanência na prisão pelo menos pelo período da custódia preventiva no caso da manutenção do silêncio ou, vice-versa, de soltura imediata no caso de uma confissão (uma situação análoga do arquétipo do famoso “dilema do prisioneiro”)”.

Ou seja, a prisão – e a perspectiva de liberdade – é peça central para induzir os prisioneiros à delação. Mas há que se revestir a estratégia de todos os requisitos legais, para “tentar-se obter do investigado ou do acusado uma confissão ou delação premiada, evidentemente sem a utilização de qualquer método interrogatório repudiado pelo Direito. O próprio isolamento do investigado faz-se apenas na medida em que permitido pela lei”.

Moro deixa claro que o isolamento na prisão “era necessário para prevenir que suspeitos soubessem da confissão de outros: dessa forma, acordos da espécie “eu não vou falar se você também não”, não eram mais uma possibilidade.

O caso Lava Jato

moro 3Assim como nas Mãos Limpas, a Lava Jato procura definir a montagem de um novo centro de poder.

Em sua opinião, o inimigo a ser combatido é o sistema político tradicional, composto por partidos que estão no poder, o esquema empresarial que os suporta e o sistema jurídico convencional, suscetível de pressões.

O novo poder será decorrente da parceria entre jovens juízes, procuradores, delegados – ou seja, eles próprios – com o que Moro define como “opinião pública esclarecida” – que vem a ser os grupos tradicionais de mídia.

Nesse jogo, assim como no xadrez, a figura a ser tombada é a do Rei adversário. Enquanto o Rei estiver de pé será difícil romper a coesão do seu grupo, os laços de lealdade, ampliando as delações premiadas.

Fica claro, para o Grupo de Trabalho da Lava Jato, que o Bettino Craxi a se mirar, o Rei a ser derrubado, é o ex-presidente Lula. O vazamento sistemático de informações, sem nenhum filtro, é peça central dessa estratégia.

Para a operação de guerra da Lava Jato funcionar, sem nenhum deslize legal – que possa servir de pretexto para sua anulação – há a necessidade da adesão total do grupo de trabalho e dos aliados da mídia às teses de Moro.

A homogeneidade do GT só foi possível graças à atuação do Procurador Geral da República Rodrigo Janot, que selecionou um a um os procuradores da força tarefa; e da liberdade conferida à Polícia Federal do Paraná para constituir seu grupo. O fato de procuradores paranaenses e delegados já orbitarem em torno do ex-senador Flávio Arns certamente favoreceu a homogeneização. E, obviamente, a ausência de José Eduardo Cardozo no Ministério da Justiça.

Para ganhar a adesão dos grupos de mídia, o pacto tácito incluiu a blindagem dos políticos aliados. Explica-se por aí a decisão de Janot de isentar Aécio Neves das denúncias do doleiro Alberto Yousseff, sem que houvesse reclamações do Grupo de Trabalho.

A falta de cuidados com o desmonte da cadeia do petróleo também se explica por aí. Na opinião de Moro e da Lava Jato a corrupção nas obras públicas decorre de uma economia fechada, preocupada em privilegiar as empresas nacionais. É o que está por trás  das constantes tentativas de avançar sobre o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) – o similar italiano do BNDES foi um dos alvos preferenciais da Mãos Limpas.

No fundo, o arcabouço institucional brasileiro está sendo redesenhado por um autêntico Tratado de Yalta, em torno do novo poder que se Moro 4 berlusconi_1984apresenta: juízes, procuradores da República e delegados federais associados aos grupos de mídia.

A grande contribuição à força Lava Jato foi certamente a enorme extensão da corrupção desvendada. sem paralelo na história recente do país e sem a sutileza dos movimentos de privatização e dos mercados de juros e câmbio.

A única coisa que Moro não entendeu – ou talvez tenha entendido – é que a ascensão de Silvio Berlusconi não foi um acidente de percurso. Foi o rei posto – a mídia nada virtuosa – sobre os escombros do rei morto – um sistema político corrupto.

A ideia de que a mídia é um território neutro, onde se disputam espaços e ideias é pensamento muito ingênuo para estrategistas tão refinados.

Arquivo

artigo de Moro.pdf 

Leia também:

Dilma denuncia golpismo escancarado 


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Urbano

Com certeza uma guerra, principalmente no tocante à contra informação…

Romanelli

bem bem bem ..por enquanto estamos nos 1os estágios ..qual seja, por enquanto uma operação que desvendou-nos esquemas BILIONÁRIOS, verdadeiros e tangíveis, críveis, que envolveu TODOS os partidos e um número gigantesco de colaboradores corruptos, de homens públicos com interesses inconfessáveis.
.
claro claro ..falta ainda vermos as obras públicas baratearem e a administração do Estado se reinventar, se blindar, isso pra que estes pecados ao menos não se repitam no CP ..aqui eu ainda tô duvidando
.
quanto aos danos colaterais, por enquanto, penso, ainda há serenidade pra remediarmos muitos deles..
.
no mais, “paralelar” como com o surgimento dum Berlusconi, ainda é cedo pra se profetizar isso ..embora reconheça, acho que o BRASIL vai muito mal de partidos e de líderes ..e talvez diversos Berluscones já estavam operando, e se sucedendo na nossa cara, e nós nem nos demos conta

Morvan

Boa noite.

Publiquei, no meu blogue, em Janeiro recente, sobre a Operação Lava-Jato e o Desmonte do Brasil.
Naquela ocasião, denunciei o que parecia se avizinhar, ou seja, a desaceleração em toda a cadeia produtiva, não tão-somente no setor petrolífero e seus correlatos, mas no clima de quanto pior melhor, tão caro a uma direita sem qualquer projeto de Nação, idem parcimônia, o que, convenhamos, está em pleno vigor.
Mas o que realmente me causa espécie é como este energúmeno, um juizeco de primeira instância, obscuro, arrogante, emotivo, farsesco, da envergadura de um quasímodo, monta todo um aparato de desmonte do país, junto com seus zumbis aecistas, e ninguém intervém. Sabe-se que o reajudiciário foi e é o coonestador da política de subserviência da Casa Grande, e, malgrado esta dolorosa constatação, ainda causa intrigantes solilóquios. Ainda há juristas, de fato e de Direito, no Brasil?
Outra pergunta que não cala é: até quando aturaremos estes sacripantas? Nunca teremos leis nos protegendo dos nossos “protetores”, os “esclarecidos”? Data venia, devo admitir que a única coisa que aprecio, em tais sub-reptícios “esclarecidos” parece ser uma distância bem segura…

Saudações “Gushiken vive; os viperinos Procuradores pereceram seu corpo. As ideias, jamais. Todos à luta contra o golpe“,
Morvan, Usuário GNU-Linux #433640. Seja Legal; seja Livre. Use GNU-Linux.

    titus

    Morvan,

    o pacote completo ele trouxe do norte remember!

    e pura geopolitica! materia prima You know!

banks

Aqui no sul já temos contrariedades com os rumos que a operação está tomando – (Liminar do Teori) O grupo RBS (zelotes pode ser escrito com S ????) escalou um colonista social , que só consegue audiência quando escreve sobre os podres da sociedade Florianopolitana, para verbalizar sua posição. Parece que a coisa tá amarelando…..

Luís CPPrudente

Esse moro deveria pedir emprego é na Arábia Saudita, lá a democracia é um estorvo e os monarquistas gostam de agir a la moro.

Luís CPPrudente

Esse moro deveria pedir emprego na Arábia Saudita, já que ele considera a democracia um estorvo.

Euler

O Jornalista Nassif apresenta elementos consistentes na sua análise. Mas, parte de uma premissa equivocada, de que o juiz Moro e sua turma estariam agindo com um certo espírito de justiça ou de justiceiros. Para mim não passam de agentes da CIA com objetivos muito definidos, contando com o claro respaldo da mídia igualmente serviçal dos piores interesses contra o povo brasileiro e dos caciques tucanos, que são, da mesma forma, agentes do imperialismo.

A Lava Jato teve e tem os seguintes objetivos: 1) impedir a reeleição da presidenta Dilma (em 2014), no que quase conseguiu; 2) quebrar a Petrobras e a indústria naval e da construção civil, que representam 20% do PIB brasileiro. Com isso a Petrobras seria vendida na bacia das almas e o pré-sal apropriado por grupos estrangeiros. Quase conseguiram; 3) destruir a imagem de Lula e do PT, para enterrar a possibilidade de uma possível volta do ex-presidente e facilitar a vitória do PSDB em aliança com o PMDB em 2018; 4) como não conseguiram impedir a vitória de Dilma, a etapa seguinte era desgastar ao máximo o governo, criar um clima infernal no congresso e desestabilizar a economia do país, com queda de arrecadação, possibilitando o clima para o Impeachment ou pelo menos sangrando o governo infinitamente. Este objetivo foi alcançado em grande parte.

O principal mesmo, que em tese era o combate à corrupção, no fundo não passa de pretexto para os objetivos políticos da operação Lava Jato. Tanto que eles desprezaram TODAS as denúncias envolvendo os tucanos, como a delação contra Aécio de Furnas, e o saco de dinheiro que Anastasia teria recebido, além da oportunidade que deixaram escapar de estender a operação às obras regionais em SP e Minas feitas pelas mesmas empresas da Lava Jato. Quando interessou, o complô do Paraná avançou muito além da Petrobras, e teve que ser barrado pelo ministro Teori – um dos melhores do STF – que enxergou longe e percebeu que a operação queria se transformar numa espécie de estado paralelo, policialesco e golpista, além de seletivo, já que nunca atinge nenhum cacique tucano.

Portanto, teremos que esperar algumas décadas para que o Pentágono, ou a CIA, ou o FBI liberem os documentos revelando as ligações perigosas desse grupo, no todo ou em parte, com interesses escusos e alheios aos do povo brasileiro. A menos que bem antes disso o WikiLeaks consiga novas revelações sobre o caso.

Mas, valeu o esforço do Nassif para tentar entender pelo menos teoricamente os fundamentos aparentes – aparentes, repito – da operação Lava Jato.

Sidnei Brito

1 – As obras no Brasil são caras demais para a sociedade. Depois da Lava Jato, vão ficar baratinhas, baratinhas. Talvez exceto em São Paulo e em outros locais governados por tucanos, onde está tudo liberado!

2 – Com toda essa turma de Moro em ação, quem ainda se preocupa com militares?

3 – Opinião pública “esclarecida” é aquela que votou no Aécio, a exemplo daqueles delegados do Facebook mostrados pela Juliana Dualibi no Estadão.

4 – O PSDB e algumas de suas principais lideranças marcam bobeira ao pensar que poderão ser beneficiados dos estragos da Lava Jato. Tal erro é o mesmo cometido pela UDN e alguns de seus principais líderes, como Carlos Lacerda, ao patrocinar o golpe de 1964.

5 – Ninguém faz “tabelinha” com a mídia impunemente. Não é possível que um juiz de tamanha envergadura acredite na isenção e desinteresse dos meios de comunicação.

6- Ainda que, digamos, filosoficamente, Moro considere mesmo importante a associação com os meios de comunicação, deveria levar em conta a nossa realidade, ou seja, a gritante oligopolização do setor no Brasil: se a economia fechada é ruim para a coisa pública, uma vez qua ajudaria a promover a corrupção, por que acreditar que a economia fechada no mundo das comunicações possa ser boa para a democracia?

7 – Maldade achar que a Lava Jato mira Lula. O fato de se recusar a investigar fatos anteriores a 2003, mesmo com delações que apontem propinas desde pelo menos 1997, é mera coincidência. Quanta conspiração!

8 – E, finalmente, com tantas Varas Federais em Curitiba, foi muita sorte essa ação ter caído justamente no colo do juiz Moro, que tanto sonhava com uma “Mãos Limpas” no Brasil. Conforme diria o procurador Dellagnol, Deus deve ter dado uma mãozinha para o sistema de Distribuição do Fórum Federal da capital paranaense!

Deixe seu comentário

Leia também