Na análise do golpe do Chile, Folha repete “ditabranda”

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Nota sobre a imprensa liberal e golpes contra a democracia

por Caio N. de Toledo*

A relação liberalismo e democracia, relevante e polêmica problemática teórica do pensamento político e social moderno, pode ser bem ilustrada por um episódio editorial recente no Brasil.

Para “não passar em branco” os 40 anos do golpe militar contra o governo democrático-popular de Salvador Allende, a Folha de S. Paulo – com alguns dias de atraso – publicou um artigo sobre este traumático episódio na história política e social da América Latina.

Na mesma direção que os ideólogos civis e militares do golpe de 1964 – que construíram a ficção segundo a qual o “totalitarismo comunista” estaria prestes a irromper no Brasil –, o articulista da FSP imaginou um tenebroso cenário social e político para a sociedade chilena, caso o golpe militar de 1973 não fosse vitorioso; ditadura implacável, fome, campos de concentração, terror etc. estariam reservados aos chilenos na hipótese do “governo comunista de Salvador Allende” estar no poder nestes últimos 40 anos!

Tal como um roteiro de filme trash, a “guerra fria”, pois, ainda não teria terminado! Mas, como observou um colega, o afresco dantesco que o texto engendrou “foi precisamente o que ocorreu no Chile com a ditadura de Pinochet”.

Para o autor do panfleto, os chilenos, hoje na vigência do capitalismo neoliberal, podem dormir sossegados; afinal, a ameaça do “terror vermelho” foi derrotada.

Moral da estória com final feliz: viva o golpe contra o governo democrático-popular de Allende!

Salve a ditadura redentora do General Augusto Pinochet que concretizou no ocidente os ideais da doutrina neoliberal!

Ao publicar o texto, a FSP – que afirma ser um jornal democrático e pluralista – teria rompido ou se afastado de sua linha editorial? Algumas observações preliminares talvez ajudem a responder a questão.

A fim de examinar os 40 anos do golpe de 1973 no Chile, na seção dedicada a temas da conjuntura (econômica, política e cultural), o jornal não promoveu um confronto de ideias e posições divergentes; convidou, sim, um único autor para examinar o controvertido assunto.

Deixando de lado, conhecidos pesquisadores da história da América Latina, foi privilegiado um colaborador sobejamente conhecido por seu reacionarismo político.

Além disso, vale sublinhar que – após ter recebido o artigo encomendado – o jornal o editou não obstante o texto transgredir normas e valores do pensamento democrático.

Ora, todos sabem que publicações que aspirem ter alguma credibilidade no debate das ideias não se obrigam editar toda e qualquer colaboração recebida ou encomendada.

Por sua vez, mesmo conhecendo a indignação que o editorial de 17/2/2009 havia provocado entre seus leitores – quando denominou de “ditabranda” o regime militar brasileiro de 1964 –, a FSP não hesitou publicar, um texto que falsifica a história na medida em que omite o verdadeiro terror instaurado pela ditadura militar de 1973 (nunca pela vitória de Allende!): prisões em massa, execuções, tortura, desaparecimentos, campos de concentração e de extermínio, censura etc.

Tudo indica, pois, que para a intelectualidade que orienta a FSP, o anti-democratismo do texto não deixaria de ser uma “tendência do pensamento contemporâneo” (um dos critérios que a seção Tendências e Debates afirma exigir a fim de justificar sua publicação no jornal).

Mas sem isentar o jornal neste episódio que ofende o pensamento democrático, devemos lembrar que a Folha de S. Paulo é, a rigor, um aparelho ideológico-cultural de orientação liberal. Como estudos críticos sobre o pensamento político moderno têm mostrado – entre eles, os trabalhos dos italianos Norberto Bobbio, Giovanni Sartori e Domenico Losurdo – inexiste um vínculo conceitual entre liberalismo e democracia.

Para estes autores, democracia e liberalismo não são categorias e realidades políticas complementares ou que se implicam mutuamente. Ou seja, autores e entidades liberais, ao longo de sua história, nem sempre defendem posições estritamente democráticas.

Se aceitarmos esta formulação, nada haveria, pois, de surpreendente no recente episódio editorial. Como comprova a história das ideias e das práticas políticas, órgãos da imprensa liberal (no Brasil e no mundo) – dependendo das circunstâncias sociais e da luta ideológica de classes – poderão divulgar textos antidemocráticos como também apoiar golpes contra governos que foram eleitos pelo voto popular.

Como se viu, a editoria da Folha de S. Paulo não hesitou publicar um texto caricatural, desinformativo e ofensivo aos valores e ideais democráticos; porém, mais significativo não foi o apoio ao golpe civil-militar de 1964 bem como o fato da FSP, durante alguns anos de governos discricionários, ter se comportado com um aparelho ideológico-cultural da ditadura militar?

Mas justiça seja feita; como recente editorial de O Globo (31/8/2013) reconhece, nesses episódios a FSP também teve a companhia de outros órgãos liberais da imprensa brasileira – entre eles, O Globo, O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil e o Correio da Manhã.

Decorridos quase 50 anos, o silêncio da Editoria do jornal sobre estes relevantes episódios da história da política no Brasil não deixa, pois, de reforçar a tese segundo a qual as entidades liberais nem sempre atuam no sentido de fortalecer a democracia política.

PS: Após as reações de alguns seus leitores, a FSP poderá publicar um artigo favorável ao governo democrático de Salvador Allende. Ou seja, o pluralismo de jornais liberais comporta matérias de orientação democrática como também textos ofensivos aos valores e ideais democráticos.

*Professor aposentado da Unicamp; do comitê editorial de marxismo21

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Comentários

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Fabiano Araújo

Em seu texto o prof. Caio parece esquecer que, os liberais (na atualidade, favoráveis aos interesses das classes mais ricas) defendem a chamada democracia, do tipo ocidental, enquanto os privilégios das classes altas não sofrem ameaças e, portanto, é possível fazer concessões às camadas mais pobres. Entretanto, em momentos de crise, quando aqueles privilégios são ameaçados, assumem posições antidemocráticas. Em 1922, na Itália, os liberais se coligaram com os fascistas para darem maioria a Mussolini; em 1933, na Alemanha, o partido do Centro, que tinha posições liberais, apoiou, em algumas situações, Hitler; em 1973, os democratas-cristãos, no Chile, liderados por Eduardo Frei apoiaram o golpe. De modo que, a posição da “Folha de S. Paulo não surpreende.
Por fim, gostaria de lembrar a alguns que foi o “Correio da Manhã” que deu a senha final para o golpe, em 1964, com os editoriais “Fora” e “Basta”, no final de março de 1964. É certo que, depois o “Correio” se arrependeria, mas, então, era tarde e acabou, tal como Lacerda, sendo vítima do golpe que defenderam e buscaram.

Jose Mario HRP

Ao inves do vermew Pinochet, UM VIVA! ao General GIAP!
Falecido ao 101 anos o homem que derrotou os EUA!

Augusto

Sabe, o engraçado é que essas contradições só apontam para o Governo militar no Brasil, Chile, Uruguai e Argentina…Não consigo achar nestes comentários nada que fale sobre o Governo de Fidel, Mao e outros…porque será?

    Jose Mario HRP

    Fidel era um guerreiro do povo!
    E vai passar dessa vida como um LIBERTADOR!
    Nunca foi general!

Urbano

Porque não foi la madrecita dos que creem na ditabranda que estiveram escanchadas no pau de arara.

Roberto Locatelli

    Julio Silveira

    O que tem de irônico nisso é que ambas as afirmações estão corretas.

    Roberto Locatelli

    Sei, sei…

    Jorge Moraes

    Com todo o respeito, Júlio, tenho a impressão que se equivoca.

    A “simetria” apresentada é forçadíssima. Além da conta.

    Compõe, é sabido, o anedotário mitológico das direitas e cai – reconheço – como uma luva – no típico ideário do espectro político à direita: o apelo ao “senso comum”, raso o suficiente para impressionar os incautos com suas platitudes plantadas há tanto e por tanto tempo.

    O governo Allende resultou de uma densa – e tensa – aliança. Alcançou o poder de forma considerada democrática pelos chamados liberais: pela via eleitoral. Tentou conciliar interesses conflitantes, como é normal em política. Teve oposição à esquerda, também, é claro. Que aliás, cresceu na medida em que a direita – dos liberais de fachada aos óbvios fascistas de plantão – boicotaram, com uma virulência extrema, toda e qualquer iniciativa tendente a pôr em prática a plataforma da UP.

    A disposição golpista era evidente muito antes do 11 de setembro. O de 1973, que, é bom que não se esqueça, foi fomentado – com muito dinheiro inclusive – e supervisionado pelo imperialismo dos EUA.

    Que anos depois, em um outro 11 de setembro, dele se serviu para pôr em marcha (à ré) suas próprias instituições e tradições.

    Julio Silveira

    Prezado Locatelli, suas palavras me pareceram um muxoxo, de sutil discordância, me leva a lhe perguntar se minha impressão foi correta, se foi peço que me indique onde neste planeta houve um sistema comunista implantado e gerido democraticamente? Se foi engano meu, essa impressão, me desculpe e ignore.
    Mas se não, eu peço com humildade que me ensine onde fica, ou ficou, esse paraíso.

    Julio Silveira

    Prezado Jorge, baseado em realidade, no mundo qualquer Ditadura se equivale, de Direita ou Esquerda, ambas servem aos propósitos de alguma elite, na direita a elite econômica, na esquerda a elite intelectual, que também se acha acima dos reles mortais. Nos dois mundos a maioria da cidadania, o resto fica de fora, na porta, sendo utilizados apenas como instrumentos para consolidação dos interesses. Veja, não tenho a pretensão de mexer com sonhos, nem devaneios de ninguém, sou um cidadão do meu tempo, que apesar de querer sonhar sou obrigado a fincar os pés no chão, no realismo, baseado nos processos políticos que conheci até hoje, deste mundo que vivemos. Para mim ainda a forma mais revolucionaria de gerir a cidadania é a via democrática. E essa desagrada tanto aos pensadores de direita como os de esquerda, por que a luta e por status que o poder dá. Olha para nós, olha para o mundo, é só isso que se vê, pode ser que eu seja míope e não consiga ver essa realidade que você parece conhecer. Mas sou aberto ao novo, me apresente.

    Roberto Locatelli

    Pois é, Jorge, na época Henry Kissinger declarou: “nós não vamos ficar sentados vendo governos comunistas serem eleitos”. E não ficaram mesmo: coordenaram o sangrento golpe militar chileno, mataram milhares, torturaram.

    A meta do Tio Sam, como sempre, era fazer do Chile um quintal dos EUA. E conseguiram, enquanto durou a ditadura. Agora, não mais.

    Sobre o conceito de “ditadura”: os hipócritas diziam que Chávez era um “ditador” porque vencia eleições uma atrás da outra. Mas a Merkel já está no 3º mandato e ninguém a chamou de “ditadora”. No twitter, alguém respondeu: “ah, mas aí é diferente, pois a Merkel é do bem, e Chávez era do mal”. Então, tá explicado: quando o governante é “do bem”, como FHC, vale até comprar reeleição a R$ 300 mil por cabeça.

    Julio Silveira

    Suas considerações são excelentes para um esquerdista democrata. E, isso para mim basta para continuar a consideração e o respeito a você.
    Para mim o povo deve ter o direito de escolher democraticamente o pior governo que quiser. Por que sei que terá a chance de se arrepender e mudar, mesmo o engano sendo duradouro. Sou daqueles que acreditam que ao tirar o direito do povo ao erro também se retira do aprendizado.
    A elites de direita e esquerda em determinados momentos no mundo foram bem parecidas. Nos vemos os States por que pertencemos a sua área de influencias, mas alguns países do leste europeu também ficaram reféns da politica esquerdista tirana de extinta URSS. E não deixo você esquecer que na China a praça da paz celestial vive, nos corações dos democratas.

ricardo

Caio Navarro já cita a nata do social-liberalismo (Bobbio) e do liberalismo (Sartori) italiano. Admite também que “autores e entidades liberais, ao longo de sua história, NEM SEMPRE defendem posições estritamente democráticas”. Quem concede o “nem sempre” está flertando com o “quase sempre”, uma vez que a expressão “nem sempre” nos remete a ideia de exceção. O fato é que, no curso da história moderna, a democracia só tem aceitado associação duradoura com o liberalismo, com todas as limitações democráticas que se possa apontar nas chamadas democracias liberais. Cabe aos antagonistas do liberalismo, como o professor Navarro de Toledo, o ônus de provar o contrário. Ajudaria muito se indicassem um único experimento antiliberal (ou mesmo, apenas, não liberal) que tenha resultado em um regime democrático duradouro, não espasmódico.

Henrique

Colocar barata viva na vagina de mulher para torturá-la, é ditabranda!

Gersier

Dia desses assisti num canal de tv por assinatura,um programa que mostrou as atrocidades praticadas pelo ditador pinochet.No mesmo programa que foi produzido por empresa norte americana,criticas severas aos militares do Brasil, Uruguai e Argentina que “assassinaram seus concidadãos para atender os interesses de Washington”. Mostrou que na Argentina e no Chile,os militares envolvidos nos golpes militares,foram punidos e criticou a não punição dos militares brasileiros. Como se vê,até a mídia norte americana sabe muito bem o que ocorreu em alguns paises da América do Sul,mas esses panacas do PIG continuam acreditando que “comunistas” comem criançinhas. Infelizes nojentos.

Julio Silveira

Não acredito em acaso. Penso que liberar esse libelo de apoio a ditadura chilena fora do tempo foi estratégico, para não chamar tanto a atenção, mas mesmo assim deixar claro que a Ditadura para eles é uma opção valida desde que seja de direita, e no pau de arara estejam outros cidadãos que não eles, o sangue dos outros, não o deles sangues nobres nacionais. Esses que se acham no direito de fazer a leitura das necessidades populares, mas são os primeiros a se negarem entrar na fila.
Essa turma ridícula dá o tom cultural da hipocrisia, da ética torta, quando apoiam qualquer meio para chegar aos fins, mas os fins que eles vaticinam como apropriado para a massa ignara. São completamente sem princípios, mas posam de bastiões. E tem gente que ainda consideram essas opiniões, Talvez não seja por acaso que nossa cultura seja tão deprimente.

von Narr

Chama-se ditabranda ao regime no qual as empresas graciosamente cedem seus veículos para o transporte de agentes da repressão.

    Roberto Locatelli

    Essa acertou bem no calo deles.

ZePovinho

E o Amaury Kruel(comandante do Segundo Exército em 1964),hein Azenha??????????Cheio de “idealismo”,comprou 2 fazendas na Bahia com 1 milhão de dólares que ganhou do governo dos EUA para apoiar o golpe de 1964:
http://www.institutojoaogoulart.org.br/noticia.php?id=9492&back=1

“Algum tempo depois contei esta história que estou contando agora ao General Carlos Luis Guedes, meu amigo desde quando servimos em unidades militares em São João del Rey. Fiz um relatório por escrito e com firma reconhecida. O General Guedes tirou xerox e levou o relato para a mesa do Kruel. Em menos de 24 horas o Kruel pediu para ira para a Reserva. Fiquei sabendo que com o milhão de dólares que recebeu do governo dos Estados Unidos comprou duas fazendas na Bahia”.

Fez como Pinochet,que tinha milhões de dólares em bancos na Inglaterra.Eita milicaiada ladrona!!!!!!!!!!!!!!

    ZePovinho

    http://www.diretodaredacao.com/noticia/quando-dolares-falam-mais-alto

    Em 03/10/2013, Eliseu Leão escreveu:
    O Kruel era coronel mas já tinha talento — A Escola Superior de Guerra (criada em 1949 por inspiração e com a ajuda dos EUA) foi dirida pelo grupo de entreguistas da ”cruzada democrática”, que obedecendo ordens expressas do governo estadunidense, retirou o General Estilac Leal do Ministério da Guerra (um nome que honra o Brasil e os brasileiros). Com a queda do Estilac Leal a curriola do Eduardo Gomes teve ”mão livre” pra desencadear a repressão dentro das Forças Armadas sob a orientação direta de oficiais estadunidenses. Transformaram quartéis em locais de tortura de dezenas de oficiais, sargentos, soldados e marinheiros ligados à luta anti-imperialista; oficiais estadunidenses participavam das escoltas que prendiam militares brasileiros!! —— Alguém pode imaginar uma escolta integrada por militares brasileiros prendendo militares estadunidenses no solo dos EUA?? Basta esse fato pra dar a dimensão da falta de honra, patriotismo e vergonha dos entreguistas que executaram o golpe contra Jango —— O capitão estadunidense Edgard Bundy, obedecendo ordens do presidente Truman, orientou diligências no Brasil ”dando assistencia” ao cel. Amaury Kruel na Auditoria incumbida de julgar oficiais ”comunistas” da FAB (comunistas eram aqueles que defendiam os interesses do Brasil e se opunham aos interesses dos EUA). Fonte: Moniz Bandeira.

Mardones

A FSP prossegue deseducando e alimentando suas vítimas diariamente com mentiras deslavadas. Mas, como foi dito no artigo, não é surpresa esse comportamento de defensor do arbítrio se a própria FSP foi beneficiada e apoiadora deste no Brasil. Isso tem a ver com o dna da organização jornalística. O que serve para FSP, Veja, Globo, Estadão e cia ltda.

Edgard

Azenha,

Publique algo sobre a greve dos professores estaduais, municipais e FAETEC do Rio de Janeiro. Sou professor da rede estadual em greve há 60 dias. Estamos sendo massacrados pelo governo Cabral e Paes e pela velha mídia com suas mentiras sobre o movimento. Agora o governo do PMDB nos ameaça com cortes de salário e demissões. A educação do Rio pede socorro. Não é possível que as imagens do massacre da PM na Cinelândia não tenham chegado até você.

Atenciosamente,

Prof Edgard Fonseca

ricardo silveira

Em suma, o liberal é um conservador, ele quer conservar o livre mercado, desde que ele tenha controle sobre esse mercado, pois, se ele estiver perdendo, vale tudo, qualquer coisa, até ditadura, com o que ele ajuda, mas esconde que ajuda porque precisa parecer que é democrático. Em outros termos, o liberal é um mau caráter.

Mário SF Alves

Tortura, estupro, assassinato e traição com o dos outros é só refresco. Ah, PiG, uma vez PiG sempre PiG.
_________________________
Que tempos. Pós-moderníssimos tempos onde nem a História se respeita mais.
Fukuyamicos tempos!

    caio toledo

    Caro Mário,
    se o pressuposto teórico que defendo é correto – liberalismo e democracia não são correlatos -, a noção de PIG é inadequada. Para mim, a imprensa liberal no Brasil, na oposição a iniciativas progressistas, não é, por natureza, golpista.Ou seja, nem tudo que edita é antidemocrático ou tem no horizonte o golpe de Estado.

    Mário SF Alves

    Pois é, prezado Caio, e só pra modo de reflexão, tendo em conta que essa violência toda foi considerada branda pelo PiG, seria de vital interesse saber o que seria uma ditadura aos olhos desse mesmo PiG.
    ________________________________

    Complicado. El paredón pra todo mundo? Não, nem isso. Isso seria por demais suave para caracterizar uma “ditadura de direita” nos moldes do PiG. Agora, fosse uma ditadura de esquerda, por mais suave que fosse, qualquer espirro seria considerado o fim do mundo.

Jorge Moraes

Os assinalados episódios de ruptura da ordem democrática foram precedidos por uma conhecida pantomina.

Os veículos de comunicação emprestaram suporte essencial à consumação golpista. O descasamento de liberalismo e democracia evidencia-se com clareza.

As censuras oficiais supervenientes terminam de fazer o serviço “restaurador”, que permite a sobrevivência do mito liberal da “liberdade de expressão”: as Folhas e Globos e Estados aos poucos passam a participar da tragédia na qualidade de perseguidos, censurados.

A onda de relativizações das ditaduras e pedidos de desculpas compõem de alguma forma o cenário para novas exibições.

Preocupante, pois que os ditos cujos órgãos de comunicação não costumam “batem prego sem estopa”.

Maria Ribeiro do Valle

Gostaria de cumprimentar o professor Caio Navarro Toledo pelo artigo. No entanto gostaria de fazer uma ressalva com relação ao jornal Correio da Manhã também citado no editorial de O Globo na lista dos periódicos que tiveram igual posicionamento polí¬tico frente ao golpe militar em 1964. Em 1968, ao contrário dos jornais O Globo, o Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, o Correio da Manhã se opôs com veemência ao tratamento dispensado pelo regime ao movimento estudantil ao longo de todo o ano. Enquanto os jornais em questão, principalmente no segundo semestre, diante do aumento ostensivo da repressão militar, pediam um endurecimento ainda maior do regime frente à agitação estudantil, o Correio da Manhã fazia sérias críticas ao governo que já dava largos passos em direção à censura que se consolidaria com o AI-5. Sendo assim, se o Correio da Manhã pode ser colocado no mesmo rol dos demais jornais com relação ao golpe de 1964, quatro anos depois sua postura já é muito distinta frente ao golpe dentro do golpe de 1968. Tanto assim que ele é o diário que publica as críticas dos deputados do MDB aos militares, gota d’água do fechamento do Congresso, uma das medidas adotadas com a instauração do AI-5. Sua “conversão” à democracia parece ocorrer efetivamente com a mudança radical de sua postura frente à ditadura, enquanto ela ainda estava em vigor e a pleno vapor. Muito diferente é o caso de O Globo que através de um editorial apenas às vésperas da comemoração dos 50 anos do golpe de 64 enquanto e a partir dos sérios ataques sofridos durante os protestos de rua, pede “hipocritamente” desculpas pelo “seu erro”. O Correio da Manhã tendo sido “assassinado” pela ditadura não pode mais trazer à tona a história em sua defesa. Cabe a nós, estudiosos do período, pontuar as gritantes diferenças do teor de seus editoriais frente aos dos demais “jornalões” nos primeiros anos do regime militar.

Maria Ribeiro do Valle

    caio toledo

    1) A observação de Maria do Valle em relação ao Correio da Manhã é oportuno e esclarecedor; 2) Sobre a recente a “autocrítica” de O Globo faria um breve comentário. Embora o aludido editorial em nada mude a visão ideologizada dos golpistas sobre o pré-1964 (o perigo da “subversão comunista”, a corrupção, o caos econômico etc.), há de se convir que o jornal admitiu publicamente que errou. Para mim, isso é relevante na história e luta das ideias no Brasil. Ou seja, para os democratas – que sempre denominaram o movimento civil-militar de 31 de março de GOLPE – não deixa de ser uma vitória na luta ideológica ainda em curso no país.

    Mário SF Alves

    “Para mim, isso é relevante na história e luta das ideias no Brasil.”
    ____________________________

    Tem razão, Caio. É luta das ideias, mesmo. Porém, não é isso o que prega a oposição; não é isso o que prega o oligopólio midiático no Brasil; não é isso o que prega a pior elite do mundo. O que todos eles propagam é que tudo se resume a luta de classes. Para eles, ou melhor, para o discurso deles a luta no campo das ideias é nada mais nada menos que luta de classes induzida pelo PT.
    _____________________________________
    A propósito, considere e correlacione a reação desproporcional ao Mais Médicos hoje e a reação às Reformas de Base em 64. Tempos diferentes, circunstâncias diferentes e reação quase idêntica. Explique-se isso.
    _____________________________________________
    Resumo da ópera: à direita, aos conservadores e demais representantes de interesses externos contrários aos interesses do povo brasileiro não interessa em nada o desenvolvimento deste país. Para eles o Brasil deve continuar como sempre foi, isto é, reserva de valor para potências estrangeiras.

    Jorge Moraes

    Olá, Mário. Oportuno e veraz a ressalva quanto ao “Correio da Manhã”. Sua inadaptação aos “novos tempos” terminou por conduzí-lo ao arrendamento de propriedade e – afinal – ao fechamento. Sem maiores pretensões de ter razão, menos ainda absoluta, creio que o jornal é liquidado não apenas por seu posicionamento político posterior ao golpe (cuja eclosão foi por ele apoiada), mas também – talvez até principalmente – por sua inadaptação às exigências de uma nova fase do capitalismo programado para os à época denominados “países subdesenvolvidos”. A organização empresarial teria que se adaptar aos mutantes parâmetros da escala produtiva. O projeto do capital de origem externa já começava a exibir sua forma atual, incompatível com posicionamentos minimamente autônomos das elites econômicas nacionais, inclusive no plano cultural. Saudações e parabéns pela boa lembrança.

    Jorge Moraes

    Mil desculpas, Maria. Grafei Mário por haver ido com excessiva “sede ao pote” do debate. Ou quem sabe – apenas avento a possibilidade – pelo ranço cultural, no caso certamente inconsciente, da vedação do contraditório ao gênero feminino. Imagino que a falha não tenha sido produto típico do lapso fiscalizatório do supereu, mas não dá para descartar. Retrato-me, de qualquer sorte, Maria.

Gerson Carneiro

“ditabranda” é cláusula contratual entre a Folha de São Paulo e os milicos.

A prova viva é a nefasta história em que a Folha de São Paulo demitiu por abandono de emprego sua funcionária que estava sendo torturada no DOPs, quando ainda amamentava seu filho, sob a alegação de abandono de emprego, quando na realidade a Folha tinha ciência de sua prisão.

“Rose Nogueira: A ficha (verdadeira) da Folha”

http://www.viomundo.com.br/radio/rose-nogueira-a-ficha-verdadeira-da-folha.html

“Rose Nogueira: Prisão”

http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/rose-nogueira-estou-viva.html

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