Maurício Thuswohl: O Globo, à deriva

Tempo de leitura: 4 min

30/08/2010
O Globo se perde entre o céu e o inferno de São Conrado

O jornal da família Marinho superou-se em sua edição de 22 de agosto ao dedicar em uma mesma edição um caderno para enaltecer a ótima qualidade de vida no bairro nobre de São Conrado e outro caderno para denunciar a “guerra do tráfico” e a insegurança no mesmíssimo bairro. A matéria do jornal especial sobre São Conrado começa indagando “o que leva alguém a escolher o bairro para viver”. Publicada no mesmo, dia a matéria sobre a “guerra no Rio” deixa essa pergunta sem resposta.

Maurício Thuswohl
, na Carta Maior

Não é novidade para ninguém que a concreta perspectiva de uma terceira derrota consecutiva nas eleições presidenciais tem deixado alguns dos principais veículos de nossa mídia conservadora um tanto à deriva. Têm sido muitos os textos truncados e as manchetes tendenciosas aqui e acolá, nos mais respeitáveis diários de Norte a Sul do Brasil, mas o jornal carioca O Globo conseguiu se destacar de forma inusitada em sua edição de 22 de agosto. O jornal da família Marinho dedicou em uma mesma edição um caderno para enaltecer a ótima qualidade de vida no bairro nobre de São Conrado e outro caderno para denunciar a “guerra do tráfico” e a insegurança no mesmíssimo bairro.

É claro que a publicação dos dois cadernos no mesmo dia decorreu de uma falta de atenção, já que a matéria enaltecendo São Conrado foi publicada no caderno de bairros, que é fechado com alguma antecedência. Ninguém lá na Rua Irineu Marinho poderia adivinhar que, na véspera, aconteceria no mesmo bairro um confronto em plena luz do dia entre policiais militares e bandidos fortemente armados da quadrilha do traficante Antônio Bonfim Lopes, o Nem da Rocinha.

Mas, de toda forma, o cochilo dos editores de O Globo serviu para revelar a contradição entre o discurso “pra cima” decorrente do entusiasmo dos mais endinheirados com a realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016 (acompanhado da previsível especulação imobiliária) e a realidade de uma cidade que, sucesso das UPPs à parte, ainda convive com sérios problemas de segurança pública.

Intitulada “Aqui Ninguém Fica Sozinho”, a matéria especial sobre São Conrado traz depoimentos de moradores sobre o bairro: “A vantagem de São Conrado é que não dá para construir novos prédios. Então, os moradores se mantêm os mesmos há muito tempo. Isso gera uma sensação de segurança porque, onde quer que você vá, encontrará alguém conhecido”, afirma Leopoldo Antunes Maciel, morador do bairro há 30 anos.

A “sensação de segurança” do senhor Leopoldo provavelmente sofreu um forte abalo quando o “alguém conhecido” que cruzou o caminho dos moradores e trabalhadores de São Conrado foi o traficante Nem, acompanhado de um “bonde” composto, segundo a própria Polícia Militar, por cerca de 60 bandidos armados com fuzis, pistolas, granadas e metralhadoras. O confronto com os policiais foi seguido da invasão do Hotel Intercontinental (uma das diárias mais caras do Rio) por uma parte dos traficantes, com a tomada de 35 reféns e momentos de terror e angústia antes que os bandidos finalmente se rendessem.

A matéria do caderno de bairros elogia o calçadão da praia de São Conrado, local onde dezenas de traficantes correndo foram filmados das janelas dos prédios, e afirma que “entre caminhadas e corridas, vira e mexe se esbarra em um amigo”. Para confirmar essa máxima, depoimentos de moradoras ilustres como Sônia Simonsen, Cláudia Capanema, Tereza de Barros e Regina Blouler. O esbarrão entre a PM e o bando de Nem da Rocinha, no entanto, foi muito dolorido, como atesta a manchete “violência à janela e desespero dentro de casa”, no mesmo dia e no mesmo jornal. Os depoimentos, assustados desta vez, cabem a moradores célebres como as atrizes Taís Araújo e Thaila Ayala e a cantora Preta Gil, entre outros: “Foi um terror. Que angústia, meu Deus!”, tuitou Preta.

“Juntos na orla”

Com o irônico título “Na orla, juntos, políticos, PMs e esportistas”, uma outra matéria do caderno especial sobre São Conrado publicada em 22 de agosto traz um elogio feito pelo instrutor de vôo-livre Paulo Falcão à polícia do bairro: “Os policiais do 23º Batalhão da PM que patrulham o bairro também são conhecidos”, diz. As investigações internas da polícia, no entanto, já demonstraram que os “policiais conhecidos” desta vez pisaram na bola com os moradores de São Conrado ao abordarem o traficante e seu bando, sem o conhecimento do comando do batalhão, no início de uma movimentada manhã de sábado, o que colocou em risco dezenas de vidas inocentes, inclusive crianças pequenas.

Sem entrar no mérito da motivação dos policiais – já houve quem dissesse que a intenção inicial era achacar o traficante em R$ 60 mil para depois liberá-lo – o “incidente” de São Conrado serviu para retirar o véu de ilusão da “Cidade Maravilhosa versão 2014 e 2016” que autoridades e grandes empresários – inclusive os donos de O Globo – procuram passar de forma massiva à sociedade: “O que aconteceu em São Conrado acontece com mais ou menos freqüência em outros pontos da cidade. Só que, quando acontece em um bairro como São Conrado, tem uma repercussão diferente. As pessoas que se espantam pelo fato de ter que conviver com tiroteios e, com razão, estão se preocupando, deveriam lembrar que isso acontece corriqueiramente em outros bairros e ninguém se espanta”, lembra o sociólogo e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Ignacio Cano, especialista em segurança pública.

Separada por apenas algumas páginas da cidade sonhada que é descrita no jornal de bairro, a cobertura do confronto da semana passada lembra aos leitores de O Globo os diversos conflitos que aconteceram em São Conrado nos últimos anos. A lista começa em 2004, com a tentativa de invasão da Rocinha pelo bando do traficante Eduíno Eustáquio de Araújo, o Dudu, na qual morreram nove pessoas, continua com “um intenso tiroteio que transformou um trecho da Auto-Estrada Lagoa-Barra em praça de guerra” e termina com o mais recente confronto contra Nem. A matéria do jornal especial sobre São Conrado começa indagando “o que leva alguém a escolher o bairro para viver”. Publicada no mesmo, dia a matéria sobre a “guerra no Rio” deixa essa pergunta sem resposta.


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Comentários

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Lis maria

QUerido, Azenha, aproveito a oportunidade para pedir a voce ou a outros bloguiros, que façam um comentário sobre uma matéria feita pela tv record há alguns dias atrás sobre as falcatruas da tv. globo na compra da mesma na época da ditadura com documentos falsoa etc… parece-me que está sendo julgado esse processo e fim levou isso tudo? tem perspectiva de ir a frente tudo isso? não deixe esse assunto cair no esquecimento, volte sempre a ele nos de noticias sobre esse caso que é um verdadeiro escandâlo, um verdadeiro roubo etc…

Nelson Menezes

O interrogatorio no porão da globo, só faltou a maquiniha de choque,mas com tudo isto a candidata foi simpresmente genial
fiquei muito orgulhoso da minha futura presidenta,o inquiridor Wuilliam waak ficou abestalhado porque não conceguia pegar a Dilma em contradição,mulher porreta,preparadissima,continue assim mamãe Dilma.

Baixada Carioca

As Organizações Globo não gosta do Rio porque o Rio aprendeu a não gostar da Globo.

flavio marcio

Onde se lê ´incorporá-lo leia-se ´'enfrentá-lo'.

flavio marcio

São Conrado/Rocinha (15 mil moradores/95 mil) traduz como poucos lugares a desigualdade social na cara. Escarrada e cuspida.
O que Big Mídia alguma do mundo pode colorir. Como tentou fazê-lo o caderno de bairros de O Globo. Sobretudo quando a luta de classes aqui é temperada pelo consumo esnobe da branca e o tráfico de drogas & armas . Com participação dual do aparelho de Estado:parte combate, parte se beneficia.
Os manifestos e as obras dos grandes autores do passado não puseram o foco nisso. Nem Marx, nem Lenin, nem ninguém. A força emergente do crime organizado na luta de classes. Não é possível vislumbrar transformações reais, sem levá-lo em conta. Hoje, a África do Sul de Mandela dele padece. Não tem sido diferente na Venezuela. E não será diferente com Dilma. A luta também deve incorporá-lo para desconstruir as suas bases.

GustavoEgito

Desculpem-me , mas eu quero mais é que a/o Globo se f***, e logo!!!!

Globo e o Brasil deles, nunca mais!!!!

Laet

CARACA!!! QUE LAVADA!!!
-Como um jogador de futebol, eu não seria pretenciosa em dizer que faria dois gols sem ter a bola na rede…
-Mas num jogo de futebol os times escalam as equipes antes….
-(CALA A BOCA William Waack!!!) VOCÊ ESTÁ FALANDO DE FUTEBOL MAS EU ESTOU FALANDO DE ELEIÇÃO!!!!
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    Baixada Carioca

    Superioridade intelectual. É tudo!

Edson

Recebeu o Rambo e botou pra quebrar . . . . . *rs . . . .

francisco.latorre

o globo.

negação raiva negociação depressão aceitação.

..

    augustinho

    Ou muito me engano sobre ele ou este interrogatorio de delegacia policial na Globo contra Dilma vai enfurecer o presidente Lula.
    Lembram como Catão terminava seus discursos no senado romano sobre a inimiga Cartago? Pois a inimiga agora é a messalina do Jardim Botanico.

    francisco.latorre

    ninguém bate em mulher no boteco do lula.

    sujeito cavalheiro.

    ..

ZePovinho

Taí,Azenha.O PIG tá muito doente da telha.Precisa de remédio pra cachola:

[youtube WrM-96JbphM http://www.youtube.com/watch?v=WrM-96JbphM youtube]

ZePovinho

Do jeito que a coisa vai,Azenha,as matérias sobre o PIG vão ter de passar pela chancela da médica aqui do seu sítio.
Mais um caso de esquizofrenia.Agora no Globo.Tô preocupado com o "caosquizofrênico" midiático,Azenha.

"Gripe cura com limão/Jurubeba é pra azia/Do jeito que a coisa vai/O buteco do Azenha vira drogaria…."

Ed.

A Globo (TV, rádio e revistas) deixou de ser carioca há muito tempo, já desde Brizola.
O jornal ainda tem alguns espasmos em defender o estado, causado provavelmente por alguns jornalistas e chefes distraídos… os jornalistas, por não assimilarem a linha geral anti-Rio do grupo, e os chefes por deixarem escapar algumas destas reportagens.
No curto-médio prazo, nada disso fará muita diferença…

    Jairo_Beraldo

    Mas a censura já vem do povo, que não o leva mais a sério. Nenhum Presidente levou tanta porrada da mídia e se manteve em pé, como o Lula. E é isso que eles não aceitam.

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