Luís Carlos Bolzan, em novo livro: “Pandemia de ignorância na covid foi intencional, induzida”

Tempo de leitura: 4 min

Por Conceição Lemes

Luís Carlos Bolzan é psicólogo, especialista em psicologia da saúde, mestre em gestão pública de saúde.

Em 7 de julho de 2016,  reproduzimos este artigo que ele publicara em seu perfil no Facebook: À custa do SUS, governo golpista ”vai contribuir” para os planos privados do buraco.

Em questão a proposta dos “planos populares”, lançada pelo ministro da Saúde de Temer, o engenheiro Ricardo Barros (PP-PR), que se arvorava em dizer: ”Não sou ministro do SUS, sou ministro da Saúde”.

Na semana seguinte, Bolzan, em seu primeiro artigo especial para o Viomundo, detonou-o: ”Ricardo Barros rejeita ser ministro do SUS, porque é o ministro dos dinheiristas da Saúde”.

Inesquecível o seu artigo ”2017, o ano em que municipalismo traiu a sua própria história e afiançou o golpe na saúde mental, ressuscitando o inferno dos manicômios”.

Bolzan é um profundo conhecedor do SUS (Sistema Único de Saúde) e das engrenagens do Ministério da Saúde.

De 2008 a 2011, foi diretor do Denasus (Departamento Nacional de Auditoria do SUS) e do Doges (Departamento Geral de Ouvidoria do SUS), de 2011 a 2013.  Ambos ligados ao Ministério da Saúde. 

Sua retidão salta à vista.

Sempre assertivo e bem fundamentado, Bolzan não tergiversa.

Ao longo de toda pandemia, pôs o dedo na ferida em vários artigos publicados no Viomundo.

Alguns deles:

Bolsonaro repete grave erroda Filadélfia, que desdenhou da gripe espanhola, causando milhares de mortes.

Negacionismo bolsonarista comprova que a necropolítica imita a física.

Na busca frenética por lucro e descaso com a vida, genocídio por covid vem a galope no Brasil

Pois, Luís Carlos Bolzan está lançando agora no Brasil o livro que publicou em Portugal, em outubro de 2021: A pandemia de ignorância é a ignorância da pandemia.

Em Portugal, a obra foi editada pela Epopeia. Em formato 18,5 por 13 cm, tem 220 páginas.

A edição brasileira é um pouco mais robusta.

Publicada pela editora Lutas anticapital, de Marília (SP), tem 260 páginas em tamanho 15x21cm.

“Está mais completa”, avalia Bolzan. “Em Portugal, o editor entendeu ser melhor suprimir algumas partes”.

Pelo título, o leitor talvez ache que, no livro, Bolzan elenca os absurdos praticados e/ou disseminados por uma parcela dos gestores, governos e profissionais de saúde em relação ao tratamento e prevenção da covid-19.

Só que Bolzan vai muito mais longe.

Mostra que não se trata desinformação desses atores, como se poderia até pensar. Também que não é analfabetismo funcional ou burrice.

É algo bem além. Sempre existiu. Só que na pandemia escancarou, contribuindo para milhares à morte no mundo todo, inclusive nos EUA, Europa e Brasil.

Por isso, se quer saber mais sobre o que está por trás da pandemia, recomendo fortemente este livro.

Nós o entrevistamos a respeito.

Viomundo — Os descalabros que vimos na pandemia são fruto de ignorância, suposta ignorância ou o quê?

Luís Carlos Bolzan — Diria que é uma ignorância induzida, por diversionismo e negacionismo, que intensificam na versão fascista desse modo de produção.

Viomundo — Explique melhor isso.

Luís Carlos Bolzan — O fascismo é manifestação intrínseca ao modo capitalista de produção. É instado a cada risco de superação da ordem capitalista fundada na propriedade privada do meios de produção e da mais valia, na exploração do outro, na reificação e estranhamento das relações sociais.

Daí, a violência estrutural em suas diversas formas: racismo, machismo, misoginia, homofobia, predação incessante ao meio ambiente, ódio ao diferente e às diferenças, luta de classes encarniçada, desprezo e ódio aos usuários de serviços de saúde mental, etc.

Daí, o amor à violência e às armas, numa expressão do atavismo humano e seu apego à destrutividade da necropolítica que é inerente desse modo de produção.

Daí, também, os ataques incessantes aos povos indígenas, guardiães da Terra, memórias vivas de um modo de produção diferente, não sustentado na propriedade privada e na mercadoria.

Viomundo — A ignorância induzida é uma constante no modo de produção do capitalismo?

Luís Carlos Bolzan — Sim, porque o modo de produção do capitalismo é alienante.

Tanto que, mesmo diante da famélica população mundial, o capitalismo afirma recorrentemente que é a única alternativa viável à exclusão política, econômica e social de bilhões de pessoas. E, ainda assim, repete cinicamente que é um modelo que deu certo, sem nunca dizer “certo para quem, para quantos?”.

Viomundo — Negacionismo na veia?

Luís Carlos Bolzan — Exatamente. Primeiro, é uma forma de diversionismo, porque, apesar de todos esses problemas, o capitalismo diz que dá certo. Segundo, também de negacionismo, porque nega todos os seus fracassos. 

Essa indução ganha contornos muito diferentes, e maiores na sua versão fascista, recorrendo a polêmicas, guerra de versões para, insidiosamente, envenenar o tecido social com mentiras e ódio.

Com isso, ressignificando símbolos numa guerra semiótica permanente. Usam para isso a palavra, escrita ou falada, como meio de ressignificação simbólica, fazendo com o que antes era inaceitável por absoluta insustentabilidade factual se torne viável pela facilitação comunicacional e psicológica, esgarçando conceitos e limites sociais e políticos.

Mas o que ganha espaço pela tática insidiosa se avoluma e intensifica, e passa a sofrer o efeito contra si mesma daquilo que a beneficiou.

A fadiga política e social se soma ao insucesso da economia política que desprotege a classe trabalhadora, voltando a mesma contra si a classe que antes aderiu a essa dinâmica. O que o fascismo nega por insuficiência própria, a dialética, o abate na volta do chicote usado contra seus inimigos.

Viomundo –A ignorância induzida, que você citou no início, é uma pandemia também?

Luís Carlos Bolzan — É uma pandemia provocada pelo modo de produção capitalista, e intensificada por sua versão fascista.

Viomundo — Qual o objetivo?

Luís Carlos Bolzan  — O extermínio genocida de segmentos vulnerabilizados social, política e economicamente.

***

O livro A pandemia de ignorância é a ignorância da pandemia já está em pré-venda no site da editora. Custa R$42,50

Para adquiri-lo, clique aqui.

Abaixo, mais informações sobre o livro.  A contracapa foi escrita pelos editores.


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Zé Maria

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Dadas as Relações Político-Econômicas e Sócio-Culturais quase Feudais
[Grandes Proprietários (Donos do Capital) utilizando-se da Mão de Obra
Servil dos Trabalhadores (Despossuídos e Analfabetos)] – impostas ao
Brasil pelos Invasores Europeus Ocidentais – que perduram ao longo da
História, pode-se dizer que a Ignorância neste País, como uma das formas
de Exploração do Trabalho pelo Capital, é Endêmica.
Eventualmente, agora, tornou-se Epidêmica com a chegada ao Governo
dos Militares, dos Banqueiros, dos Latifundiários Ruralistas [Suseranos] e
do Clero Neopentecostal. Ou seja, uma ‘Nobreza’ Medievalesca, Branca,
Ignorante e Escravocrata [“A Elite do Atraso”].
.

    Zé Maria

    .
    .
    “UM PAÍS EM TRANSE – AS RAZÕES IRRACIONAIS DO FASCISMO”
    (Posfácio do Livro “A Elite do Atraso”)

    Por Jessé Souza, na “Bancada Preta”

    “Com o tempo, uma imprensa cínica,
    mercenária, demagógica e corrupta
    formará um público tão vil como ela.”
    (Joseph Pulitzer)

    Quando analisei o processo de escrita da primeira edição do livro
    “A Elite do Atraso”, em maio de 2017, o Brasil já entrava de maneira
    decidida no ciclo pós-golpe de 2013-2016.

    O governo Michel Temer, a serviço precisamente da elite do atraso,
    passava a vender as riquezas nacionais e a precarizar as condições
    de trabalho da população com o ataque à CLT, a Consolidação das
    Leis do Trabalho.

    As consequências vieram rapidamente: empobrecimento geral
    da população, abandono dos serviços públicos e alto desemprego.

    Como denunciado no livro, a sociedade continuava sendo induzida
    pela grande imprensa a perceber todo o processo de saque das
    riquezas nacionais, da rapina do orçamento público e,
    consequentemente, da diminuição do poder de compra da população
    como produto apenas da “corrupção dos tolos” – a corrupção
    do Estado e da Política.

    Terminado o pleito [de 2018], Bolsonaro eleito, Sérgio Moro receberia
    como prêmio ao seu “trabalho” o cargo de superministro das
    atividades repressivas.

    Ainda que o candidato com pregação fascista não tenha sido o
    preferencial da elite do atraso – o conjunto dos proprietários sob
    comando do rentismo internacional –, o fracasso dos seus candidatos
    “oficiais” jogou toda a elite nos braços de Bolsonaro.

    Afinal, o fascismo sempre foi o “plano B” dos proprietários que só
    pensam no próprio bolso em todos os casos históricos relevantes.

    Mesmo que a alternativa fosse uma simples social-democracia leve e
    superficial como a incorporada pelo Partido dos Trabalhadores.

    O que explicaria o fato de a maioria da nossa sociedade, sob o pretexto
    de evitar a chegada de um suposto ladrão à presidência, votar num
    candidato que faz a apologia do assassinato e da tortura de opositores?

    Quem, em sã consciência, poderia julgar como um argumento
    moralmente válido subordinar o suposto roubo ao assassinato?

    Como compreender que toda uma sociedade e suas crenças sejam
    postas de cabeça para baixo?

    Como explicar, enfim, o que parece inexplicável?

    A verdadeira elite brasileira, que é a do dinheiro, que manda no
    mercado e que “compra” as outras elites que lhes são subalternas,
    criou o bode expiatório da corrupção SÓ da Política, como vimos
    anteriormente, para desviar a atenção de sua corrupção disfarçada
    de legalidade.

    Toda a sociedade tomou doses diárias desse veneno destilado pela
    mídia, pelas escolas e pela universidade e viu, imbecilizada, como
    não podia deixar de ser, uma meia dúzia de estrangeiros e seus
    capangas brasileiros tomarem seu petróleo, sua água, suas terras,
    seus recursos.

    Em nome da moralidade, do combate à corrupção e pelo suposto
    “bem do povo brasileiro”, roubaram tudo o que puderam e nos
    deixaram muito mais pobres.

    Essa corrupção que se realiza agora de “verdade”, quantitativamente,
    sem nenhum exagero retórico, é literalmente milhares de vezes maior
    que toda a corrupção Política da história brasileira somada.

    Por sua aparência de legalidade, não chamamos de corrupção
    quando bancos e corporações compram 400 deputados venais
    para assinar o que eles querem, não é mesmo?

    Só um imbecilizado pensaria que o mero procedimento,
    aparentemente legal, é mais importante que o resultado
    concreto do saque.

    Imbecis: é isso que nos tornamos quando acreditamos no engodo
    do suposto e seletivo combate à ‘corrupção da Política’ como solução
    para as nossas mazelas.

    Este livro foi escrito precisamente com o intuito de esclarecer a gênese
    deste processo histórico de dominação simbólica de toda a sociedade
    brasileira pela elite do saque e da rapina – legitimada e tornada invisível
    pelo embuste do combate à corrupção (só do Estado e da Política).

    Nesse contexto, a massa da classe média e suas frações mais
    conservadoras, infelizmente, amplamente majoritárias, acabam por
    dar vazão ao ódio aos pobres ao mesmo tempo que são exploradas
    pelo saque rentista.

    Se a elite eterniza seu acesso aos cofres públicos como coisa sua,
    assalto que sua imprensa comprada comemora como vitória da
    “austeridade fiscal” (“teto de gastos” etc)* contra o “populismo”,
    a classe média quer a garantia de que o povo continue como
    sempre foi: pobre, humilhado e obediente.

    A classe média não quer só ganhar mais que os pobres.
    Ela também quer se deliciar com o prazer sádico e covarde
    que antes era apanágio do senhor de escravos:
    o gozo da humilhação contra quem não tem defesa e precisa
    aturar calado a piada, o abuso, o insulto, a humilhação sob todas
    as suas formas.

    Não é apenas a revolta – mesquinha, mas racional – contra o acesso
    dos pobres à universidade e por vê-los competir pelo bom emprego.

    É a raiva também de que o pobre possa usar o mesmo avião e comprar
    a mesma roupa no mesmo shopping center, ainda que a 24 prestações
    no cartão de crédito com juros abusivos.

    É a raiva por perder a empregada, aquela que é abusada de mil formas,
    e os trabalhadores sem qualificação, aqueles que não têm outra opção
    senão vender sua força de trabalho a qualquer preço e sob qualquer
    condição.

    É desse modo que a escravidão e o ódio ao escravo, agora atualizado
    como ódio ao pobre, continua no âmago do nosso cotidiano.

    Mas se a ampla maioria da classe média sempre foi implicitamente
    fascista no seu comportamento prático em relação aos pobres,
    como explicar o avanço do fascismo entre os próprios pobres?

    É preciso lembrar que esse é um fenômeno historicamente recente.

    O fascismo nasce, como no exemplo do italiano, a partir de uma
    dissidência do movimento operário socialista. É a oposição entre
    o internacionalismo clássico do movimento dos trabalhadores
    e o advento do nacionalismo operário que acaba por dividir a
    classe trabalhadora, fazendo surgir essa espécie brutalizada
    de reação dos dominados.

    Todo fascismo é, portanto, reflexo de uma luta de classes truncada,
    percebida de modo distorcido e, por conta disso, violento e irracional
    no seu cerne.

    Na sua base está a manipulação de emoções que geram agressividade,
    como medo, raiva, ressentimento e ansiedade sem direção, sempre
    com fins de manipulação política.

    A incompreensão racional, por parte da população, de processos
    políticos complexos é utilizada para a construção de bodes expiatórios,
    um modo historicamente e ciente de canalizar frustração e
    ressentimentos sociais.

    A marginalização de grupos minoritários e a violência aberta e
    disseminada, contaminando a sociedade como um todo, são
    as consequências inevitáveis de todo fascismo.

    Depois da tragédia do nazifascismo europeu, imaginou-se, durante
    um bom tempo, que o mundo estaria livre de ideologias que pregam
    abertamente o racismo e o ódio indiscriminado.

    No mundo atual, no entanto, seja em países desenvolvidos, seja em
    países periféricos, a ameaça de uma nova forma de política do ódio,
    muito semelhante em vários aspectos ao fascismo clássico, é um
    perigo cada vez mais iminente.

    Por isso, é crescentemente urgente compreendê-lo de forma
    adequada.

    Essa compreensão tem que sair dos meios acadêmicos restritos
    e ganhar a esfera pública.

    O pano de fundo é semelhante em todos os casos, mas a forma
    assumida é sempre particular em cada sociedade.

    O contexto geral do neofascismo contemporâneo parece resultar
    do processo de desenraizamento político e social dos indivíduos
    provocado, na esfera política, pelas mudanças do capitalismo
    financeiro, hoje dominante.

    Por meio de uma política consciente que destruiu ou enfraqueceu
    sindicatos, partidos e a capacidade associativa em geral – muito
    especialmente das classes populares –, o capitalismo financeiro cria
    o isolamento individual como marca da sociedade contemporânea.

    Isolado, o indivíduo não apenas pode ser explorado, trabalhar mais
    ganhando menos, sem direitos trabalhistas.
    Acreditando-se “empresário de si mesmo”, ele é deixado politicamente
    sem defesa.

    Pior ainda, é também cada vez mais dominado pela propaganda
    neoliberal que diz que as vítimas do desemprego e do subemprego
    precário, produzidas por um sistema econômico concentrador e
    improdutivo, são, elas próprias,
    as culpadas pelo próprio infortúnio.

    Esse indivíduo isolado e indefeso é assolado por uma agressividade
    que não compreende e, desse modo, ele ou dirige contra si próprio
    a raiva que sente por sua própria pobreza e privação ou a canaliza
    contra bodes expiatórios construídos para este fim.

    O caso brasileiro é paradigmático neste sentido.

    Uma multidão de desempregados e subempregados empobrecidos
    ao longo de anos de política em favor do rentismo nacional e
    internacional passa a ter a opção de dirigir sua raiva e seu
    ressentimento contra si mesma – quando não se entrega, como
    é comum, ao alcoolismo e à depressão – ou contra bodes expiatórios
    socialmente aceitáveis.

    Os “belgas”, ou seja, a elite do atraso e a alta classe média “europeizada”,
    que se veem como estrangeiros na própria terra, oprimiram o “Congo”,
    ou seja, o próprio povo, e o reduziram à pobreza e à ignorância.

    Se transformou em ódio ao pobre o ódio ao escravo negro – eternizado
    nas classes populares de hoje, majoritariamente mestiças com
    escolaridade precária e condenadas ao trabalho desqualificado
    e semiqualificado.

    Essa é a base primeira de todo o ódio e o ressentimento reprimidos
    e recalcados que são o núcleo da sociedade brasileira contemporânea.

    A ascensão do Partido dos Trabalhadores a partir dos anos 1980, com
    todas as suas limitações, foi uma inflexão importante no processo de
    organização popular.

    Com o golpe de 2013-2016, a reação conservadora veio primeiro de
    cima, da alta classe média nas ruas, da sistemática corrosão de valores
    democráticos diariamente perpetrada pela imprensa, da cooptação
    do STF e, por consequência, da destruição da ordem constitucional.

    Foi dito a este povo que a corrupção política havia sido a causa do
    nosso empobrecimento.

    Entretanto, quando a corrupção dos partidos de elite fica óbvia a todos
    sem ser reprimida, todo o sistema perde representatividade.

    O golpe de misericórdia foi a prisão injusta do líder das classes
    populares desmobilizadas.
    Com base em um processo de aparência, o ex-presidente Lula foi impedido de participar das últimas eleições.

    Naquele momento, o último elo de expressão racional da revolta
    popular foi cortado.

    Abriu-se a partir daí a porta para a revolta agora irracional das massas.

    A ascensão do líder com pregação abertamente fascista, Jair Bolsonaro,
    defensor da ditadura militar, do racismo, da tortura e do assassinato
    de opositores como arma política, só pode ser compreendida neste
    contexto.

    O próprio fato de, no governo do Partido dos Trabalhadores, dezenas
    de milhões de marginalizados terem a experiência do acesso
    à educação superior e ao consumo de massa, além da expansão
    de direitos para negros, mulheres e gays, causou violenta reação
    autoritária.
    Primeiro, de parte da elite e da alta classe média, evidenciada pelo
    desprezo e pelo ódio ao pobre que caracteriza qualquer sociedade
    marcada pela escravidão.
    Depois, pela ação de fake news em escala industrial no período
    eleitoral.

    As necessidades emocionais de um povo tornado pobre e ignorante
    por sua elite são impiedosamente estimuladas por 400 mil robôs
    em um tipo de guerra suja já utilizada para a eleição do presidente
    americano Donald Trump.

    Quando da onda de protestos das mulheres brasileiras sob a bandeira
    do #EleNão, em todas as grandes cidades do país, contra um candidato
    abertamente misógino que se diz defensor da subordinação
    das mulheres, as fake news foram utilizadas para construir mentiras
    que mudaram o panorama eleitoral a favor do candidato fascista
    também nas classes marginalizadas e pobres.

    Os protestos sob as palavras de ordem “ele não”, majoritariamente
    compostos pelas mulheres da classe média mais crítica e engajada,
    possibilitaram a cooptação do voto feminino das classes populares,
    última cidadela contra a “ética da virilidade” do fascismo popular.

    Antes disso, o candidato fascista tinha rejeição ampla do voto feminino
    nessas classes.

    Aqui entra em cena o que há de mais sujo na política das fake news
    e da mentira institucionalizada.

    Analistas de ultradireita da campanha fascista, que perceberam as
    consequências do isolamento político dos indivíduos que o
    capitalismo financeiro representa na esfera política, se aproveitaram
    impiedosamente desse fato para opor mulheres emancipadas da
    classe média contra as mulheres pobres e evangélicas, por meio da
    fusão de imagens reais da passeata com imagens de outros atos,
    como travestis quebrando santos, mulheres sem blusa, etc.

    Afinal, para quem é pobre e humilhada, o ganho emocional
    proporcionado pela distinção moral construída artificialmente
    em relação a mulheres supostamente “indecentes”, por meio
    de mentiras que não podem ser desmentidas, se torna
    irresistivelmente sedutor.

    É uma “vingança de classe” – obviamente distorcida e contra a fração
    errada da classe média – que acaba por funcionar como uma válvula
    de escape contra a pobreza e a humilhação vividas diariamente
    por essas mulheres.

    Como já discuti em um livro anterior, a partir de pesquisas empíricas
    realizadas com os segmentos mais pobres da sociedade brasileira,
    a oposição “pobre honesto” versus “pobre delinquente” dificulta
    enormemente qualquer solidariedade de classe entre os mais pobres
    e marginalizados entre nós.
    O “delinquente” é percebido como o “bandido”, no caso do homem,
    e a “prostituta”, no caso da mulher.

    Todas as famílias das classes marginalizadas são esgarçadas por essa
    oposição cuja sombra se derrama sobre todos.

    A importância de líderes políticos que as representem a partir de cima
    e busquem diminuir a importância dessa contradição interna de classe
    com uma política pelos interesses de todos os pobres advém
    precisamente desse fato que comprovamos empiricamente em nosso
    estudo sobre os marginalizados brasileiros.
    É isso que o ex-presidente Lula representava.

    Sem isso, a porta fica aberta para a guerra de classe entre os próprios
    miseráveis, divididos entre supostos ‘honestos’ e supostos ‘delinquentes’.

    É nesse contexto que a “ética da virilidade”, entendida como a ética
    dos que não têm ética, reina absoluta.

    O fascismo arregimenta a partir de cima os ressentimentos, medos
    e ansiedades sem explicação possível e os canaliza a bodes expiatórios.

    O sentimento antes disseminado pela grande imprensa contra o
    Partido dos Trabalhadores como covil da corrupção é apenas o mais
    óbvio.

    Mas todo fascismo usa e abusa da sexualidade reprimida das classes
    populares.

    A homossexualidade, que não pode ser admitida no sujeito,
    é canalizada em selvagem agressão externa; o ódio à mulher
    percebida como ameaça, e não como parceira, provoca uma
    agressiva regressão a padrões primitivos de relações de gênero.

    O pobre não é apenas pobre.
    Ele é humilhado e dominado por valores construídos para subjugá-lo.

    Isso confere ao fascismo enorme capilaridade e contamina a vida
    familiar e relações de vizinhança em todos os níveis da sociabilidade
    popular.

    O que os pobres precisariam saber é por que eles ficaram mais pobres.

    Caso contrário, a raiva e a frustração em estado puro iriam, como foram,
    inevitavelmente, desaguar no primeiro bode expiatório socialmente
    legitimado.

    Primeiro o PT, criminalizado e estigmatizado como todas as organizações populares no Brasil. Mas também os gays,
    os negros, os índios, as mulheres, os nordestinos e todos
    que possam se tornar presas fáceis de uma agressividade
    sem direção.

    Os mecanismos opacos da dominação financeira, sejam os de
    mercado, como os juros escorchantes embutidos em tudo
    que compramos, sejam as formas estatais de apropriação
    do orçamento público como uma dívida pública fraudulenta
    e nunca auditada, precisam ser conhecidos e debatidos amplamente.

    Essa grande corrupção legalizada precisa ser tornada conhecida.

    Se isso não acontecer, o velho espantalho da corrupção política
    irá inevitavelmente ocupar o seu lugar.

    O erro da esquerda, que condicionou sua derrota eleitoral, foi
    exatamente este. A espantosa falta de inteligência dos dois
    principais candidatos da “esquerda” nas últimas eleições foi,
    precisamente, não terem percebido o elo constitutivo entre
    o empobrecimento geral da população e sua transfiguração
    em ‘limpeza moral’ a serviço do interesse geral.

    Simplesmente não foi revelado à população empobrecida e, portanto,
    legitimamente raivosa e ressentida com seus representantes, o elo
    causal que teria permitido compreender a ligação entre o aumento
    do desemprego, da violência e da pobreza e o embuste da estratégia
    legitimadora elitista.

    Ambos defenderam a operação Lava Jato e apenas criticaram “abusos
    menores”.

    Isso em relação a uma operação de suposto combate à corrupção
    que literalmente blindou o sistema financeiro – a origem real da
    corrupção tanto ilegal quanto legalizada –, os órgãos da mídia venal
    e o poder judiciário como um todo.

    Além disso, se concentrou, seletivamente, na perseguição sem provas
    a líderes populares, como Lula, e no combate de fachada aos meros
    “operadores” de esquemas legais e ilegais de apropriação do estado
    pelos donos do mercado.

    Desde o fim da República Velha, o moralismo postiço do suposto
    combate à corrupção, elevado ao status de interpretação dominante
    do país, e a criminalização seletiva da Política, do Estado e da soberania
    popular servem à eternização desse modelo e seus dois fundamentos
    principais:
    tornar o orçamento do estado um banco particular da elite;
    [e] criminalizar sob todas as formas a soberania popular.

    Este bode expiatório da corrupção apenas da Política, que detém
    seu quinhão de verdade – ou não enganaria ninguém – serve para
    tornar literalmente invisível a corrupção legalizada do mercado.

    Um exemplo concreto ajuda a tornar compreensível o embuste.

    Ninguém em sã consciência deixaria de achar condenável a rapina
    pessoal do ex-governador Sérgio Cabral e seus 280 milhões de reais
    desviados e descobertos pela operação Lava Jato.
    No entanto, a população do estado do Rio de Janeiro ficou mais pobre
    não por conta desses desvios. É um ato recriminável, sem sombra de
    dúvida, e merece punição exemplar.
    Mas o que empobreceu de fato o estado do Rio de Janeiro foi
    a propaganda da imprensa venal associada à Lava Jato na campanha
    de criminalização da Petrobras, empresa de cujos royalties o estado
    inteiro dependia.

    Não apenas o Rio de Janeiro precisava deles para obras de
    infraestrutura geradoras de emprego e pagamento de serviços
    públicos, como o país como um todo dependia da capacidade
    de investimento da Petrobras, que chegou a representar mais
    de 50% do investimento público nacional.

    A perda aqui é na escala de centenas de bilhões de reais todos os anos,
    montante suficiente para empobrecer e desempregar, efetivamente,
    populações inteiras.

    A superfície aparentemente legal desse expediente permite tornar
    invisível a histórica expropriação elitista das riquezas nacionais e
    ainda culpar convenientemente um bode expiatório.

    Legitimada, a patranha elitista pode ser eternizada séculos a fio
    sem reação e sem denúncia.

    Estigmatizada e criminalizada enquanto empresa, a Petrobras está
    prestes a ser vendida a preço de banana, tal como acontece em todo
    saque privado às riquezas públicas desde que o Brasil é Brasil.

    Ao entrevistar recentemente, para meu último livro, “A Classe Média
    no Espelho”, ex-engenheiros da Petrobras que perderam o antigo
    emprego e se transformaram em motoristas de Uber, todos me
    disseram que a culpa de sua desgraça pessoal seria da “política”
    e do “Cabral”.

    Foi o que aconteceu com a população brasileira como um todo.

    A invisibilidade desse processo é obviamente ainda maior nas parcelas
    mais pobres da população.

    Quando a esquerda não denuncia este esquema elitista e, ao contrário,
    o legitima e valida expressamente, no elogio a Moro e à Lava Jato,
    me pergunto como pretende não só ganhar eleições, mas também
    esclarecer a sua população sobre as causas reais de sua desventura
    e exploração?

    Neste contexto, imaginar que a oposição abstrata entre democracia
    e fascismo – quando a maioria do povo já vive um “fascismo prático”
    de violência e exclusão – pode criar comoção e simpatia para sua causa,
    sem explicar as causas da pobreza real, é de uma ingenuidade atroz.

    https://bancadapreta.com.br/index.php/2020/10/11/um-pais-em-transe-as-razoes-irracionais-do-fascismo-2/

    *(https://outraspalavras.net/crise-brasileira/o-necessario-detox-do-mito-de-austeridade-fiscal/)
    .
    .
    Leia também:
    “A Ascensão do Fascismo”
    Por Jessé Souza:
    https://www.ihu.unisinos.br/categorias/583694-a-ascensao-do-fascismo-artigo-de-jesse-souza
    .
    .

    Zé Maria

    https://sig.tse.jus.br/ords/dwapr/seai/r/sig-eleitor-eleitorado-mensal/home?session=6628060230979

    TSE
    BRASIL
    ELEITORADO = 156.454.011

    ESCOLARIDADE

    ENSINO MÉDIO COMPLETO: 41.161.552 26,31%
    ENSINO FUNDAMENTAL INCOMPLETO: 35.930.401 22,97%
    ENSINO MÉDIO INCOMPLETO: 26.049.309 16,65%
    SUPERIOR COMPLETO: 17.127.128 10,95%
    LÊ E ESCREVE: 11.206.893 7,16%
    ENSINO FUNDAMENTAL COMPLETO: 10.197.034 6,52%
    SUPERIOR INCOMPLETO: 8.409.644 5,38%
    ANALFABETO: 6.339.894 4,05%
    NÃO INFORMADO: 32.156 0,02%
    .
    .
    REGIÕES DO BRASIL
    ESCOLARIDADE

    SUDESTE
    ELEITORADO = 66.707.465

    ENSINO MÉDIO COMPLETO: 18.386.056 27,56%
    ENSINO FUNDAMENTAL INCOMPLETO: 14.917.087 22,36%
    ENSINO MÉDIO INCOMPLETO: 11.902.686 17,84%
    SUPERIOR COMPLETO: 7.958.903 11,93%
    ENSINO FUNDAMENTAL COMPLETO: 4.798.743 7,19%
    LÊ E ESCREVE: 3.503.881 5,25%
    SUPERIOR INCOMPLETO: 3.403.902 5,1%
    ANALFABETO: 1.809.442 2,71%
    .
    .
    NORDESTE
    ELEITORADO = 42.390.976

    ENSINO MÉDIO COMPLETO: 10.423.204 24,59%
    ENSINO FUNDAMENTAL INCOMPLETO: 9.866.927 23,28%
    ENSINO MÉDIO INCOMPLETO: 6.747.993 15,92%
    LÊ E ESCREVE: 5.154.977 12,16%
    SUPERIOR COMPLETO: 3.242.858 7,65%
    ANALFABETO: 3.110.261 7,34%
    ENSINO FUNDAMENTAL COMPLETO: 2.060.552 4,86%
    SUPERIOR INCOMPLETO: 1.780.863 4,2%
    .
    .
    SUL
    ELEITORADO = 22.558.759

    ENSINO FUNDAMENTAL INCOMPLETO: 5.713.743 25,33%
    ENSINO MÉDIO COMPLETO: 5.712.172 25,32%
    ENSINO MÉDIO INCOMPLETO: 3.397.443 15,06%
    SUPERIOR COMPLETO: 2.892.258 12,82%
    ENSINO FUNDAMENTAL COMPLETO: 1.963.696 8,7%
    SUPERIOR INCOMPLETO: 1.625.159 7,2%
    LÊ E ESCREVE: 819.752 3,63%
    ANALFABETO: 432.881 1,92%
    .
    .
    NORTE
    ELEITORADO = 12.560.410

    ENSINO MÉDIO COMPLETO: 3.352.631 26,69%
    ENSINO FUNDAMENTAL INCOMPLETO: 2.965.979 23,61%
    ENSINO MÉDIO INCOMPLETO: 2.136.532 17,01%
    SUPERIOR COMPLETO: 1.065.287 8,48%
    LÊ E ESCREVE: 1.042.622 8,3%
    ENSINO FUNDAMENTAL COMPLETO: 671.855 5,35%
    ANALFABETO: 670.519 5,34%
    SUPERIOR INCOMPLETO: 654.645 5,21%
    .
    .
    CENTRO-OESTE
    ELEITORADO = 11.539.323

    ENSINO MÉDIO COMPLETO: 3.106.069 26,92%
    ENSINO FUNDAMENTAL INCOMPLETO: 2.438.268 21,13%
    ENSINO MÉDIO INCOMPLETO: 1.805.648 15,65%
    SUPERIOR COMPLETO: 1.675.081 14,52%
    SUPERIOR INCOMPLETO: 852.201 7,39%
    LÊ E ESCREVE: 678.639 5,88%
    ENSINO FUNDAMENTAL COMPLETO: 667.422 5,78%
    ANALFABETO: 315.941 2,74%
    .
    .

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