Luís Carlos Bolzan: Negacionismo bolsonarista comprova que a necropolítica imita a física

Tempo de leitura: 4 min
Foto: Alan Santos/PR

por Luís Carlos Bolzan, especial para o Blog da Saúde

Antes de morrer, o renomado cientista Stephen Hawking apresentou um último trabalho, apontando para a existência de universos paralelos.

A teoria foi fruto de décadas de trabalho conjunto com outros pesquisadores, em especial James Hartle e Thomas Hertog.

Infelizmente para Hawking e seus companheiros de pesquisa, não existia na época o governo Bolsonaro.

Caso contrário, teriam sido poupados de décadas de muito trabalho e esforço.

A afirmação se baseia na reunião do conselho de governo realizada nesta-terça feira, 09/06.

A reunião foi a prova cabal do acerto das postulações de Hawking. Existem realidades paralelas, e o governo Bolsonaro vive mergulhado em uma delas.

Foi um desfile de homens e mulheres de modos refinados, sem palavrões.

Mais do que isso, a pauta foi a pandemia de covid-19.

Pelo que se depreendeu das palavras do ministro da saúde, general Pazuello, foi a primeira reunião dedicada exclusivamente ao novo coronavírus.

Aliás, partiu do general Pazuello o pedido para que, pela primeira vez, o governo reconhecesse o valor e trabalho dos profissionais de saúde, com uma salva de palmas (não muito entusiasmada, talvez por ser salva de palmas e não de tiros)

Além de apresentar novos e heterodoxos conceitos de geografia, o ministro-general disse que desconhecia o funcionamento do SUS, tripartite com estados e municípios nas figuras dos conselhos de secretários estaduais e municipais de saúde.

E cravou esta declaração espantosa: “O SUS é o melhor instrumento para enfrentar a pandemia”.

Sim, vivemos para ouvir um ministro da saúde, em meio a uma pandemia, dizer que não conhece o SUS!

Mas a reunião não foi só de sincericídio. A propaganda foi seu ápice.

Num claro movimento de propaganda que deixaria Goebbels com inveja, a reunião “limpinha e cheirosa” foi explicitamente pensada para deixar para trás o desastre escatológico da reunião de 22 de abril.

Com tons tranquilos de voz, sem pedidos para armar a população para uma guerra civil contra outros poderes, o encontro, mais se assemelhando a um teatro, foi transmitido ao vivo pela Band News e CNN.

Foi o próprio Bolsonaro que anunciou ao final com efusivos agradecimentos às duas emissoras parceiras.

Por isso a compostura, apesar de apenas a ministra da agricultura usar máscara em meio a dezenas de pessoas na mesma sala.

Afora isso, o que se viu foi um festival de fake news de propaganda gratuita, transmitida nacionalmente por duas redes de TV.

Em meio a 38 mil óbitos oficiais, a maioria idosos, ministra Damares Alves afirmou radiante:

“o Brasil deu um show no atendimento a essa população vulnerável. Nenhum idoso ficou para trás no Brasil. Não há notícias de idosos morrendo abandonados no Brasil”.

A mesma ministra atestou em relação aos povos indígenas: “Número de índios contaminados é muito baixo”.

Ela, porém, não apresentou números absolutos, muito menos percentuais.

Por sua vez, a ministra da agricultura Teresa Cristina (DEM) disse que “não teve interrupção do setor” dos frigoríficos.

Realmente, os frigoríficos mantiveram as atividades.

O que a ministra não contou foi o outro lado da moeda: número elevado de surtos de covid-19 nos frigoríficos do Rio Grande do Sul, como atesta o Boletim Epidemiológico do Centro de Vigilância e Saúde – CEVS da Secretaria Estadual de Saúde.

Dezenas de frigoríficos gaúchos foram foco desses surtos, demonstrando que a manutenção do processo produtivo capitalista é propagador do vírus.

Na reunião, até o discurso neoliberal de Paulo Guedes foi minuciosamente “desinfectado”, passando por planejada repaginação.

Até ganhou ares de desenvolvimentismo em contraposição à “degenerada” reunião do dia 22 de abril.

E o ministro Onix Lorenzoni não poderia, é claro, deixar de dizer uma de suas “pérolas”.

Pasmem. Ele teve a caradura de dizer que “nunca faltou dinheiro para a saúde”.

Só que tanto antes ( com a EC 95, ou EC da morte) como agora,  durante a pandemia, o que mais o governo Bolsonaro faz é represar recursos da saúde, não transferindo para estados e municípios, como é a sua obrigação.

–Mas eu vi o ministro e o presidente anunciando mais recursos para saúde! – talvez alguém rebata agora.

Lamento dizer que só foi factoide, pois, na prática, o dinheiro não foi repassado.

A reiterada defesa da hidroxicloroquina mais azitromicina também esteve presente nas falas de Bolsonaro mais de uma vez, mesmo reconhecendo que “não tem comprovação científica”.

Como não poderia deixar de acontecer, Bolsonaro incorreu, de novo, em fake news.

Disse que a “OMS reconheceu que os assintomáticos tem quase zero de chance de transmitir a doença”.

Só que não é verdade.

Infelizmente, não tem como parar o mundo para a gente descer.

Primeiro, porque a rotação da Terra não para.

Segundo, porque ela não é plana para a gente descer.

Mas deu profunda vontade de que, ao menos dessa vez, os terraplanistas estivessem certos.

Tudo indica que o objetivo da constrangedora reunião “pasteurizada e perfumada”, transmitida ao vivo pelas emissoras chapa-branca, foi para tentar desfazer o impacto negativíssimo do aloprado convescote de abril e da censura imposta aos número de óbitos da covid-19.

A reunião transmitida por duas redes de tv amigas apenas demonstra o negacionismo desse governo.

Além de negar a pandemia durante mais de três meses para prejudicar ações de gestores estaduais e municipais, Bolsonaro nega o mundo real.

Mas, ele queira ou não, o Brasil caminha ocupar o segundo lugar em mortes por covid-19 no mundo.

Nem mil reuniões transmitidas por emissoras governistas poderão desfazer a realidade dolorosa das dezenas de milhares de vidas perdidas que sequer estão recebendo a empatia governamental.

Na verdade, agora, Bolsonaro e companhia buscam negar o fracasso absoluto do seu governo no enfrentamento à pandemia.

Hawking estava certo. Existem mundos em realidades paralelas.

O negacionismo bolsonarista apenas comprova que a necropolítica antecipa a física.

*Luís Carlos Bolzan é psicólogo sanitarista.


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Comentários

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Zé Maria

É Mentira (Fake News) que as pessoas serão presas
se não usarem máscara dentro de suas próprias casas.
Também não é verdade que a Polícia poderá invadir
as residências para fiscalizar se estão usando máscaras.
O Serial Killer do Cercadinho, Genocida do Planalto,
é que em breve será Preso se não usar Máscara na rua.

Da Agência Câmara de Notícias:

O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta terça-feira (9),
o substitutivo do Senado para o Projeto de Lei 1562/20, do deputado
Pedro Lucas Fernandes (PTB-MA), que obriga a população a usar
máscaras de proteção facial em ruas, espaços privados de acesso
público (como shoppings) e no transporte público enquanto durar
o estado de calamidade pública decorrente da pandemia de Covid-19.
A matéria será enviada à sanção.

Projeto de Lei 1562/2020

Altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020,
para dispor sobre a obrigatoriedade do uso de máscaras de
proteção para circulação em locais públicos, as penas
previstas, o uso das forças de segurança públicas,
medidas administrativas e o cometimento de infração da ordem
econômica, durante as medidas para enfrentamento
da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

Art. 1º A Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, passa a
vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 4º-J É obrigatório o uso de máscaras de proteção, mesmo que de fabricação
artesanal, por toda e qualquer pessoa durante a circulação em logradouros,
instalações, edificações ou áreas de acesso públicos.
[…]
§3º O descumprimento da obrigatoriedade do caput deste artigo acarretará
a responsabilização civil, administrativa e penal dos agentes infratores.
[…]
§9º Na hipótese de configuração do descumprimento da obrigatoriedade
do caput deste artigo, de crime mais grave ou concurso de crimes e quando,
excepcionalmente, houver imposição de prisão ao agente infrator,
as autoridades policiais e judiciais tomarão providências para que ele seja
mantido em estabelecimento ou cela separada dos demais presos.

§10. A manutenção, revogação ou substituição da prisão, nos termos
do §9º deste artigo, por medidas alternativas dependerá de
apreciação judicial, de acordo com a legislação processual vigente.

Art. 4º-K Fica autorizado o emprego das forças de segurança públicas,
federais, estaduais e municipais, bem como da Força de [SIC] Nacional
de Segurança Pública, para atuar nas ações de preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio por meio de
apoio às ações do Ministério da Saúde, das Secretarias de Saúde estaduais
e municipais, na prevenção e combate da pandemia do novo coronavírus,
em caráter episódico e planejado, enquanto durar as medidas para
enfrentamento da emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

Íntegra do PL 1562/2020: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=58A130800928902B68B4FDAA290CD811.proposicoesWebExterno1?codteor=1873386

https://www.camara.leg.br/noticias/667961-camara-aprova-alteracoes-no-projeto-que-exige-uso-de-mascara-texto-segue-para-sancao/

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