Professora Daiana e sua turma feminista fazem história, apesar de Alckmin, machistas e racistas

Tempo de leitura: 6 min

12094939_910727945682438_3978653070997753302_o1799912_910728172349082_5021625321068001849_o 11056559_910727315682501_345839565084216579_o

No topo, a classe inteira; ao centro, Luana Tolentino, a professora Daiana Falcão e Ygor Santos;  abaixo, Larissa Pereira, a Alessandra Salinas, a Amanda Oliveira, a Luara Catalano, a Bianca Marcatto e a Ludmyla Victor

por Luana Tolentino, de Belo Horizonte, especial para o Viomundo

Fiquei muito feliz ao ler a matéria publicada na edição de domingo (01/11) da Folha sobre os coletivos feministas formados por estudantes do ensino médio de escolas paulistanas.

Em tempos de Eduardo Cunha, de ações para a retirada da palavra “gênero” dos Planos Municipais de Educação, e de vereadores capazes de aprovar uma “moção de repúdio” contra a questão do ENEM em que um trecho da obra de Simone de Beauvoir foi citado, é um verdadeiro alento saber que meninas com idade entre 14 e 17 anos, estão empenhadas em levar o ideário feminista adiante, na busca por uma sociedade sem machismo, sem violência e com mais direitos para as mulheres.

Contudo, lamentei o fato das repórteres Claudia Collucci e Juliana Gragnanni, autoras da matéria, terem dado ênfase apenas aos projetos realizados em colégios particulares da cidade. Infelizmente, na maioria das vezes, a escola pública ganha destaque no noticiário somente durante o período de greves dos professores, quando ocorre algum caso de agressão, ou quando os alunos estão envolvidos em episódios de consumo ou venda de drogas.

Mas não é bem assim. A escola pública vai muito além dos problemas que de fato existem. Apesar da falta de investimentos efetivos e contínuos, do descaso para com os educadores, da falta de um Plano Nacional de Educação consistente, que respeite as particularidades regionais do Brasil, o sistema público de ensino resiste.

Em todo país, professores, em ações quase sempre solitárias, têm levado adiante projetos inovadores, capazes de transformar a vida dos estudantes, promovendo conhecimento, cidadania, e também feminismos. É exatamente isso que está acontecendo na Escola Estadual Clemente Quaglio, localizada na Zona Leste de São Paulo.

Através do “Projeto Mulheres Negras Importantes da Nossa História”, coordenado pela professora de Literatura e Língua Portuguesa Daiana Falcão, alunas e alunos do segundo ano do ensino médio têm tido a oportunidade de conhecer a vida e a obra de ativistas, intelectuais, artistas e escritoras negras, cujas trajetórias foram historicamente silenciadas no país.

Mais do que isso: o Projeto tem possibilitado aos estudantes uma maior reflexão acerca das diversas formas de opressão sofridas pelas afrodescendentes, e da importância do feminismo negro enquanto movimento social em favor do protagonismo das afro-brasileiras e da superação do racismo. Daiana sabe o quanto é necessário as questões de gênero e as relações étnico-raciais fazerem parte do cotidiano escolar.

Neste semestre, os alunos e alunas da professora Daiana escolheram contar em sala de aula as histórias de Michelle Obama, Rosa Parks, Oprah  Winfrey, Maya Angelou, Ângela Davis, Leci Brandão, Luiza Mahin, Negra Li,  Dandara. E para surpresa total minha, dois grupos optaram pela minha história.

Cartaz

Pesquisando no Google, por orientação da professora Daiana, eles me descobriram em uma reportagem do Viomundo:“Nunca duvidei que eu podia e merecia muito mais. Batalhei. Revidei. Virei o jogo”Foi uma entrevista a Conceição Lemes,em maio de 2012.

No dia que soube da escolha, fiquei sem reação. Na minha cabeça, o Ygor Santos, a Larissa Pereira, a Alessandra Salinas, a Amanda Oliveira, a Luara Catalano, a Bianca Marcatto e a Ludmyla Victor deveriam ter apresentado algo sobre a Lélia Gonzalez, a Sueli Carneiro ou sobre a Antonieta de Barros, primeira deputada negra eleita no Brasil.

Mais sem reação ainda fiquei no dia da apresentação do trabalho, quando vi as fotos dos cartazes produzidos pelos estudantes. Foi o maior presente que recebi em toda a minha vida. Saber que a minha história foi contada em uma escola pública e periférica, espaços onde cresci, me formei, e hoje sou professora, foi motivo de muito orgulho e emoção.

Decidi ir até São Paulo para conhecer o Projeto e a turma feminista da Daiana. Foi a maneira que encontrei de tentar (tentar!) retribuir tamanha generosidade, e, de algum modo, incentivar os alunos a seguírem em frente com este trabalho tão bonito e pertinente.

Estive no Clemente Quaglio na manhã do dia 14 de outubro. Imaginem chegar numa escola em pleno feriadão e encontrar adolescentes ansiosos a sua espera. Imaginem chegar numa escola e encontrar mensagens de boas-vindas, fotos e frases suas coladas na parede. Foi o que encontrei.

Quando entrei no auditório, percebi que deveria mudar todo o roteiro que havia preparado. Queria ficar de pé durante a minha fala, mas tremia tanto que preferi sentar. Elaborei um texto de cinco laudas apenas para orientar a nossa conversa, mas achei melhor lê-lo na íntegra, mesmo com as várias pausas motivadas pela minha voz embargada.

Ao final, além de perguntas sobre a minha experiência enquanto empregada doméstica e atualmente como professora e ativista, flores, bolo, refrigerantes, sanduíches e presentes. Comprados com a “vaquinha” feita pela professora e pelos alunos. Devolvi cada palavra, cada gesto, com um abraço. Sem conseguir dizer muita coisa. Ciente de que nada do que eu fizesse seria suficiente para agradecer a maneira carinhosa com que fui recebida. De todos os lugares que eu visitei para falar sobre o meu trabalho, nada se compara com o que eu vivi/senti naquele dia, que para sempre ficará na minha memória.

Tudo isso em meio ao estado de deterioração em que se encontra a rede estadual de ensino de São Paulo. Além da falta de materiais básicos, a escola tem sido afetada pelo racionamento de água no período da tarde. Alunos e professores são obrigados a levar água de casa.

Como se não bastasse, sem dar muitas explicações, na semana passada Geraldo Alckmin e sua equipe iniciaram o processo que ele denomina de “reorganização escolar”. Sob a alegação de que a mudança do perfil etário da população fez com que as escolas perdessem cerca de 2 milhões de alunos, e que a iniciativa melhorará a qualidade do ensino, o governador tucano optou pelo caminho mais rápido e prático: simplesmente mandou fechar as portas de 94 unidades de ensino, quando poderia pensar em um novo modelo de educação, a começar pela implantação de escolas de tempo integral, obviamente com programas e atividades de qualidade. A medida gerou grande revolta, inclusive por parte dos alunos, que tem saído às ruas em protesto contra a ação.

É lamentável que um Projeto com a envergadura e com o poder de mudança como o da professora Daiana Falcão enfrente tantos obstáculos para sua realização e tenha pouco ou nenhum reconhecimento, inclusive por parte da mídia. Me recuso a dizer que Daiana faz todo esse esforço “por amor” a profissão. A sociedade brasileira precisa parar de enxergar os professores como seres benevolentes e resignados, como pessoas agraciadas pelo “dom Divino” de ensinar. Deixar de pensar dessa forma já seria um passo para a valorização do professorado.

Embora goste da profissão que escolheu e dos seus alunos, antes de tudo, Daiana é uma profissional competente, capacitada, inquieta. Como todos os seus colegas de jornada, ela deseja melhores salários e condições de trabalho. Daiana tem consciência do papel da educação enquanto mecanismo de transformação social. E é por isso que, com o apoio e a participação ativa e entusiasmada dos alunos, ela tem colocado em prática o “Projeto Mulheres Negras Importantes da Nossa História”. Ela reconhece e valoriza o potencial dos estudantes, e tem em mente o quanto é importante fazer com que eles se vejam enquanto sujeitos capazes de contribuir para a construção de um país melhor e mais igualitário.

Seria ótimo que a Daiana e suas alunas e alunos tivessem os mesmos recursos que as estudantes matriculadas nos colégios particulares citados pela matéria da Folha. Na verdade, seria justo, uma vez que a educação de qualidade é um direito de todos, garantido pela Constituição. Mas para que isso de fato aconteça, além de maiores investimentos no setor e na carreira docente, Alckmin e os demais gestores públicos precisam destituir da mentalidade elitista, que acreditam que o acesso a uma boa educação deve ser um privilégio de uma minoria.

Enquanto essas mudanças não acontecem, Daiana Falcão e suas turmas insistem, persistem, resistem. Dão novos contornos à educação. Representam luz em meio a tanta escuridão. Propõem experiências que transcendem o senso comum, as cartilhas prontas e os livros didáticos. Por um Brasil mais feminista e mais humano. Para todas e todos que aqui vivem.

Luana Tolentino é professora e historiadora. É ativista dos movimentos Negro e Feminista.

 Leia também:

Alckmin perdeu o debate político do fechamento das escolas 


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Luis

Interessante como a onda direitista provoca a reação dos excluídos. Seria muito interessante que todos esses excluídos votassem em candidatos que se preocupam com essas causas, de forma geral seriam candidatos de esquerda. Se as mulheres votassem em mulheres que efetivamente se preocupam com a condição da mulher e não em dondocas televisivas, seria legal, da mesma forma negros votassem em negros ligados aos movimentos desse povo tão vilipendiado, os índios votassem em índios, etc. Porém, o problema é que homens nada ligados a esses movimentos conseguem seus votos sem um mínimo esforço, falam que “são” pela família, pela propriedade, por Deus (que Deus os perdoe), etc. Uns votam em palhaços, outros em empresários ligados ao crime, tráfico de droga, gente de muito dinheiro. Continuarei orando para que o nosso povo vote em pessoas de bem, fomos muito infelizes nesta última eleição para deputados federais, colocamos gente ligada ao grande capital e esquecemos que a maior parte do povo é composta de trabalhadores que agora veem seus direitos e conquistas históricas serem atacados pelas pessoas ligadas ao grande poder empresarial e muitas vezes sujo do dinheiro, da bala, do boi e também de alguns candidatos da bíblia.

Raquel

Fiquei muito tocada ao ver o trabalho da professora Daiana Falcão, a homenagem à Luana Tolentino e a dedicação de todos esses estudantes. Ver estudantes brancos empenhados e motivados em conhecer a história da África e a trajetória dos negros e a opressão sofrida em nosso país, ver rapazes brancos também empenhados em saber mais sobre gênero e feminismo, e ver cada vez mais mulheres e meninas empoderadas e ver uma mulher como a Luana já sendo reconhecida por essa geração jovem é inspirador! É algo que ilumina o dia, que faz sentirmos a vida pulsar mais forte. Parabéns professora Daiana pela dedicação, pela motivação, pelo empenho. Quisera eu ter ter tido uma professora como você em meus tempos de escola, quisera eu já na adolescência ter tido contato com o pensamento feminista e de afirmação e valorização da cultura negra! Tenho 30 anos e estou aprendendo a desconstruir muitas crenças machistas com as quais fui criada, e também hoje digo que sou uma ‘racista’ em desconstrução, pois durante minha infância, adolescência e início de juventude, as pessoas negras eram invisíveis para mim (sou branca, classe média, rodeada de brancos), e só os via através dos estereótipos do bandido, do ladrão, do serviçal, da pessoa submissa, ignorante, através de todos esses estereótipos que retiram a dignidade e humanidade. Tenho muita, muita vergonha e constrangimento disso, de ter agido assim, de ter olhado com medo e desconfiança para pessoas negras, de ter me achado superior por ser branca. Eu só comecei a me dar conta do quão racista eu era graças às cotas na universidade pública (e mais tarde com as intervenções do mês da consciência negra – novembro), pois foi assim que eu tive o primeiro contato mais próximo com pessoas negras, em situação de igualdade, e ouvindo seus relatos do preconceito que sofrem eu passei a me sensibilizar e a me sentir cada vez mais envergonhada por pensar como eu pensava. Passei a ler mais sobre a história, resistência e contribuição dos negros no Brasil. Tenho muito ainda a desconstruir, a aprender, a enegrecer. Mas é assim, a vida é um processo, e tenho certeza que meus filhos não serão racistas e machistas como um dia eu fui, não vou permitir. Espero, quando meus filhos forem à escola, que tenham também uma professora e uma turma de colegas como estes!
Parabéns, parabéns, parabéns a todos, a esses alunos espetaculares, a essa professora sensacional e também à maravilhosa Luana!

graciela

Luana Tolentino es una mujer excepcional, entonces sus logros como persona, como profesora, como amiga son una consecuencia más de su grandeza. ¡Un gran abrazo para ella! Repliquemos esa LUCHA por nuestr@s derechos en los lugares donde nos toca actuar. graciela

Cláudio

:

: * * * * 04:13 * * * * Ouvindo As Vozes do Bra♥♥S♥♥il e postando:

♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥
* * * * * * * * * * * * *
* * * *

Ley de Medios Já ! ! ! ! Lula 2018 neles ! ! ! !

* * * *
* * * * * * * * * * * * *
♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ ♥

marcio ramos

Que massa!!!

FrancoAtirador

.
.
Cada vez mais Mulheres, principalmente Jovens,
.
conscientizam-se que serão Elas que mudarão
.
esta Estrutura Arcaica das Relações Sociais,
.
inclusive e fundamentalmente de Trabalho.
.
Que os Homens, se não puderem as apoiar,
.
pelo menos não atrapalhem, que já ajudam.
.
.

Deixe seu comentário

Leia também