Letícia Silva e os agrotóxicos: Esperando o milagre da multiplicação de vozes
Tempo de leitura: 3 minpor Leticia Rodrigues da Silva*, do site do MST
“Jamais se deve confundir uma cidade com o discurso
que a descreve”
Ítalo Calvino, Cidades Invisíveis
Charles Ferguson, no premiado documentário Inside Job, dispensa uns bons 10 minutos tratando do tema conflito de interesses e da importância dos atores, que desempenham diferentes papéis entre o público e o privado, declarem a serviço de quem se encontram quando publicam estudos, adotam medidas na administração pública ou comandam suas empresas.
Quando o assunto é agrotóxico não é diferente. Em um mercado mundial de U$48 bilhões no ano de 2010, concentrado 90% em 13 empresas e um mercado brasileiro, no mesmo período, de U$7,1 bilhões, é preciso previamente, identificar os conflitos de interesses e as estratégias utilizadas pelos beneficiários deste faturamento.
A fragilidade da legislação brasileira permite que os agrotóxicos sejam registrados para toda eternidade e que o ato administrativo do registro, que deveria ser automaticamente cessado quando da ocorrência de qualquer indício de perigos à saúde, ao ambiente ou de perda de eficácia agronômica, tenha que ser objeto de um longo e desgastante procedimento administrativo de reavaliação. Procedimento no qual os escassos recursos humanos dos órgãos públicos responsáveis por tais avaliações têm que comprovar que o produto representa perigo ou causa danos, subvertendo-se, o grande avanço da legislação, de que o ônus da segurança incumbe ao empreendedor/desenvolvedor da tecnologia.
Não fosse suficiente à sociedade arcar com os custos públicos, sanitários e sociais de tal procedimento, sobram também os artifícios usados pelas empresas registrantes destes produtos, para que questões eminentemente técnicas sejam decididas em esferas políticas ou judiciais.
As estratégias dos donos dos registros são sempre as mesmas: contratação de algum parecerista que nem sempre informa estar emitindo opinião sobre a vigência de um contrato para refutar e desqualificar estudos que desabonem seus produtos; tentativa de desqualificar e intimidar os especialistas que alertam para riscos, utilizando-se de diferentes adjetivos; busca de apoio político em todos os escalões governamentais e legislativos para o convencimento da imprescindibilidade do agrotóxico X ou Y, com as eternas ameaças de fechamento de unidades fabris e, sucessiva ou simultaneamente, a busca do poder judiciário para anular, revogar ou impedir qualquer decisão que possa restringir o mercado dos seus produtos.
Em fevereiro de 2008 a ANVISA colocou em reavaliação toxicológica 14 ingredientes ativos, muitos deles proibidos em outros países por efeitos inaceitáveis à saúde humana. Passados mais de três anos, foram concluídas as reavaliações de seis ingredientes ativos, com um saldo de mais de 300 dias -somados para os seis ingredientes ativos – de Consultas Públicas para possibilitar o contraditório e ampla defesa; geração de milhares de páginas de notas técnicas com os efeitos associados aos agrotóxicos em reavaliação e esclarecimentos à pedidos de informações de parlamentares; dezenas de atendimentos às empresas interessadas; participação em várias audiências públicas no Congresso Nacional e 5 ações judiciais contra as decisões da ANVISA.
Dos seis agrotóxicos com a reavaliação concluída, a Cihexatina e o Triclorfom não mais se encontram no mercado brasileiro. O Endossulfam está com o banimento programado até junho de 2014; o Acefato está em fase de fechamento da reavaliação com as informações disponíveis até o momento; o Metamidofós encontra-se em phase out com a finalização da formulação em 30 de junho de 2011, decisão sobre a qual existe um mandado de segurança em fase de julgamento e pedidos políticos para que tenha o prazo de fabricação ampliado em mais seis meses para a empresa Fersol, as demais empresas já pararam de importar, fabricar ou formular o agrotóxico no Brasil. Faltam nove ingredientes ativos para concluir a reavaliação. Respirar fundo nem sempre é suficiente.
E assim seguimos, como técnicos que somos, tentando cumprir com a nossa missão de proteger a saúde das pessoas, esperando o milagre da multiplicação de vozes para efetivamente desempenhar nosso papel de servidores do público.
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Leticia Rodrigues da Silva é especialista em Regulação e Vigilância Sanitária, Gerente de Normatização e Reavaliação da ANVISA e responsável pelas reavaliações toxicológicas dos agrotóxicos.
* Este texto reflete a posição pessoal da autora, sendo de sua inteira responsabilidade
Leia e ouça aqui a enrevista com a pesquisadora que descobriu veneno no leite materno.
Comentários
Mário SF Alves
Que falta nos faz o velho e bom Lutzenberger, o Dom Quixote da ecologia. Ele, sim, era um desses propagadores, verdadeira caixa de ressonância de vozes.
JOSE DANTAS
O agrotóxico vem sendo utilizado desde sua invenção, por absoluta necessidade, depois é que virou negócio e contribui para que o alimento chegue a todas as mesas do mundo onde existam e não apenas aquela minoria que tem acesso aos orgânicos. Existe uma enorme demagogia em relação a essa preocupação com a saúde das pessoas, principalmente depois da criação das ONGs verdes, "interessadas" na questão ambiental.
Por acaso alguém já se preocupou com a utilização em larga escala dos fogos de artifício por ocasião de uma copa do mundo? Alguém sabe dizer quantas vítimas inocentes são feitas no Brasil a cada quatro anos pelas bombas "legais"? Qual a diferença em se morrer em consequência de uma bomba jogada por um criminoso torcedor ou por uma bala perdida do tráfico?
Cristiana Castro
Tá. o texto era sobre agotóxicos e a gente caiu na disputa ambiental/territorial. Desculpas a autora e, SIM, o uso desse tipo de substãncias deve ser investigado e/ou suspenso, de acordo com o resultado das investigações dos pesquisadores. Azenha, desculpe ter embaralhado o debate.
José Antero Silvério
Engraçado! Nunca vi a Marina falar contra os agrotóxicos, será por que? Se falou foi antes do período eleitoral. Um esclarecimento como esse deveria vir da doutora sim, mas a pedido e com apoio do pessoal do PV. Aí tem…
francisco p. neto
O interessante é que a turminha "bicho grilo greenolóide" quando do debate no Congresso do Código Florestal subiram nas tamancas e foram lá causar confusão, se já não bastasse os excessos que vem perpetrando no país a muito tempo.
Até a cannabis eles estão querendo "preservar"! Se é verde e é um vegetal tem que proteger.
Ficam enchendo o saco com campanhas por exemplo, para proibir a construção de Belo Monte.
Só não vejo essa "eficiência" nos solos dos EUA e Europa, onde dizimaram toda a floresta nativa e de onde surgem as patentes para a fabricação dos agrotóxicos que contaminam nossos solos, água e alimentos.
Não vejo dessa turma, nenhum movimento aquí no Brasil para banir do nosso mercado esses venenos.
Por que não se juntam ao redor de especialistas, como a autora deste texto, para o banimento desses produtos que tanto mal causam ao meio ambiente.
Ou "brincar" desse jeito não dá?
Assim também é demais!
Por aí então, nós percebemos que essa turma está a serviço de quem.
luciano
Será que voce é ingênuo a ponto de não saber que a turma que defende o uso desses agrotóxicos é a mesma que defende a reforma do código florestal? Se for ingênuo, por favor, se informe melhor de como são formados os lobies no congresso, se for mal intencionado, deixe de confundir a cabeça das pessoas com esse papo de que na Europa destruiram toda a floresta e aqui no Brasil deveria-se fazer o mesmo. A destruiçãodas florestas e o empobrecimenmto dos solos tem contribuido para a pobreza e o exodo rural. Atualmente, os agricutores familiares que preservam o necessário em sua propriedades são os mais bem sudecidos em produtividade para ao mercado e em melhoria de qualidade de vida para suas famílias. Plantam com diversificação e estimulam a reciclagem de nutrientes com técnicas eficientes que aumentam a fertilidade do solo. Essa mesma diversidade na produção evita a incidencia de pragas e acaba com a dependencia aos agroquímicos. As matas, entre outros benefícios, ajudam na manutenção da água. Será esse um bem tão desprezível assim?
Cristiana Castro
Quem falou para destruir florestas no Brasil? Estamos propondo que, a exemplo da França( de acordo com os dados ), os países desmatadores, recuperem suas florestas, até atingir a imbatível meta brasileira. Com relação ao CN, se Brasil elegeu 410 ruralistas e 53 anjos, não há muito o que se fazer. O país é soberano, sabe? Além disso as Ongs não é facultado, ainda, o poder de representar a sociedade, esse poder, ainda é do CN. Mas,voltando ao assunto, vcs tem aí algum documento, de alguma ONG,pressionando os parlamentos,mundo afora? Era bom exibí-los pq, como eu disse, essa luta tá confusa. Vamos imaginar que ocorra uma mortandade da cangurus e a Austrália, com 50.000 espécies, mate, 10%, ou seja, 5.000 e o Brasil ( sim, os dois que tem aqui, um no zoo de SP e outro em BH(????),mate 50% ou seja 1; e a sociedade protetora dos animais venha ao Brasil alegar que o Brasil matou 50% dos cangurus e a Austrália só 10%. Vc ia zoar muito, não ia?Então,perdoa a gente.
francisco p. neto
Tá aí um deles.
Ingênuo é vc que não entendeu nada do que eu quis dizer.
Não sei sua formação, mas se for da área é um completo desinformado. Vc sim, eu não.
E com que direito vc tem de me tachar de mal intencionado? Ou vc é mesmo um greenolóide?
Só entendo que não se deve cometer excessos. Nem tanto ao mar e nem tanto à terra.
E o que se vê hoje, são os extremos se digladiando.
Eu sou da área e sei o que estou falando. E vc? Quem é?
Quando me referi à Europa e EUA, não estou pregando o mesmo aquí, boboca. Ou vc é contra Belo Monte?
"A destruição das florestas e o empobrecimenmto dos solos tem contribuido para a pobreza e o exodo rural".
De onde vc tirou isso?
Vc já ouviu falar em política agrícola?
Vc é que tem se explicar, se é mal intencionado!
Quer debater mesmo para valer?
Com vc não vale à pena.
Já vi que é um zero à esquerda.
Marcelo J.
Salvador , Betinho 2 aqui um link que talvez esclareça um pouco, é wikipedia, mas tem um link para um departamento da ONU que trata da questão de reservas florestais.
http://translate.google.com.br/translate?hl=pt-BR…
FranX
"Um novo estudo realizado nos Estados Unidos publicado na PNAS revelou que entre 2000 e 2005 mais de um milhão de quilômetros quadrados de florestas foram derrbados ao redor do mundo. Os Estados Unidos e o Canadá tiveram uma porcentagem de perda de árvores muito maior do que outros países que levam a fama de derrubadores de árvores, como o Brasil e a Indonésia…" ÍNTEGRA:
http://blog.ambientebrasil.com.br/?p=1760
Cristiana Castro
Lenado-se em conta os dados levantados por vcs, tenho duas notícias, uma boa e uma ruim. A boa: O brasil está no topo da pirãmide no quesito presrvação ambiental. 60% de áreas preservada em extensões, infinitamente maiores. A ruim: Vc estão militando no país errado. Acredito que Greenpeace e WWF, devem dirigir-se, urgentemente, a Europa e Am. do Norte, para exigir os mesmos números apresentados pelo Brasil. Tem certeza que o foco é o meio-ambiente? Pq isso não tá fazendo sentido. É a mesma coisa que eu focar o Luz Para Todos em SP ou RJ, deixando comunidades inteiras sem luz e alegar que é para garantir que não falte luz na casa do vizinho da D. Therezinha que fez uma denúncia ao RJ TV. Das duas uma, ou vcs não querem correr atrás do tal passivo ambiental planetário ou estão embolando as causas. Isso, só levando em conta os dados apresentados por vcs e que estão postados ai para quem quiser ler.
betinho2
http://osamigosdopresidentelula.blogspot.com/2011…
sexta-feira, 10 de junho de 2011
Não é piada: Tucano acusado de propinoduto da Alstom, é CORREGEDOR do TCE/SP
Salvador
Para multiplicar a voz é preciso que se diga quais lavouras usam esses principios ativos ou agrotóxicos, o cidadão da cidade não sabe nada disso (eu só um pouquinho), não adianta querer multiplicar vozes se o argumento permanecer entendivel apenas pelos tecnicos, entendeu? É preciso revelar que lavouras usam, que regiões mais empregam estes produtos, qual o prazo de atividade do elemento toxico, etc, etc.
betinho2
Salvador
Seria mais fácil dizer em qual que não são usados…rsrs.
Marisa Novaes
Estou rouca de tanto gritar quanto a Capina Química, prática que se disseminou em nossas cidades. Será que um dia teremos um mundo livre de venenos????
betinho2
Esse é o maior ninho de vespas. Difícel meter a mão.
Logo virão os lobbistas e seus trolls dizer que combater o agrotóxico é
coisa de ONGs.
Falar nisso, sobre o Código da Impunidade, os defensores dizem que no exterior
consumiram com as florestas. Fiz uma rápida pesquisa.
O Canadá tem 40% de seu território coberto de florestas, é o maior exportador mundial de madeira e um dos maiores fabricantes e exportadores de móveis (de madeira) e de papel, e tem apenas 8% de seu território dedicado à agropecuária.
Os EEUU tem 30% de seu território em florestas. Freiou o desmate ainda no século XlX, mesmo sendo o maior consumidor mundial de madeira (18% importado do Canadá)
A Alemanha tem também 30% do território em florestas, e pasmem, 28.000 empresas florestais, que exploram economicamente 7,5 milhões de hectares de florestas (68% do total)
Um hectare de floresta com manejo florestal (que é o que fazem lá) produz uma renda muito maior que o equivalente na agropecuária, gerando também muito mais emprego e sem necessidade de usar agrotóxicos.
Agora aqui, passa-se o correntão, mete fogo e extingue-se a floresta. Tudo pelo lucro ganancioso do agronegócio.
Interessante que apesar de se chamar "Código Florestal" ele não contempla o manejo sustentado e sua exploração econômica. Nossas florestas tem riquezas prontas para serem exploradas economicamente sem seu extermínio, ao contrário do agronegócio que pretende subtituir as matas sem aproveitar seu valor. É igual sacar dinheiro do banco e meter fogo nas cédulas.
Elton
O agronegócio brasileiro com raras exceções é mantido com a mesma mentalidade da época colonial. Selvageria, agressão, lucro nas nuvens e toda e qualquer palavra em contrário é "comunismo". Vejamos os comentários que se seguem a estes…….
betinho2
Adendo:
Reservas florestais.
Noruega = 27%
Dinamarca = 12%
Itália = 22%
França = 25% (reconstituída). Nativa não encontrei dados
Espanha = 16,5%
Suiça = 28%
Suécia = 64%
Finlândia = 76%
Canadá = 40%
EEUU = 30%
Alemanha = 30%
Portanto as florestas no exterior não foram destruídas como afirmam os defensores dos desmatadorees daqui.
Salvador
betinho2, esses dados são muito importantes, seria interessante ter os links ou as fontes para dar força ainda maior aos dados. Tens isto para me passar? Sou Eng. Florestal e tenho acompanhado os dois lados da disputa quanto ao codigo.
betinho2
Salvador
Não coloquei os links para não espichar muita a linguiça…rsrs.
Teria que refazer a busca no Google, não salvei os links. Mas não é difícil você procurar, tem muitos links, com pequena variação dos percentuais.
Mas vou te passar um sobre o "Plano de ação da União Europeia para as florestas", até para confrontar o que os detratores andam falando sobre a Europa ter acabado com as florestas.
A Europa como um todo tem 37,8% do território coberto de florestas. http://europa.eu/legislation_summaries/agricultur…
Para quem diz que lá fora não tem leis de proteção: http://www.finlandia.org.br/public/default.aspx?c…
Aqui sobre a Alemanha: http://www.dw-world.de/dw/article/0,,1038561,00.h…
Canadá: http://pt.wikipedia.org/wiki/Economia_do_Canad%C3…
EEUU: http://pt.wikipedia.org/wiki/Economia_dos_Estados…
Abs.
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