Lelê Teles: O lugar de falo do macho falofílico fala muito sobre o que ele fala

O LUGAR DE FALO

Por Lelê Teles*

“O lugar de falo da pessoa que fala fala muito sobre o que ela está a falar.” Cacique Papaku

O patriarcado formatou o mundo à sua imagem e semelhança; nele, erige-se, ereto e viril, a máscula figura do homem-pênis.

Dessa forma, o macho branco determinou a existência do lugar de falo, que é o lugar de comando, de poder, de quem dá ordens e ordena o mundo.

O chefe é o cara que bota o pau na mesa quando tá puto.

A ideologia do macho no comando criou um sistema de broderagem onde os homens defendem uns aos outros; não importa a situação.

Se um homem estupra uma mulher, dizem os outros homens, é porque ela o estava provocando, no fundo ela queria.

Se um homem espanca uma mulher, a primeira reação dos homens é dizer que alguma coisa ela deve ter feito para merecer os catiripapos.

E em briga de marido e mulher não se deve meter a colher.

O homem, medida de todas as coisas – segundo Protágoras – já foi, por séculos, a definição de humanidade.

Criaram até uma Declaração dos Direitos do Homem e, foi nesse sentido de broderagem que surgiu o lema da revolução francesa: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.

A fraternidade, não sei se você já atentou pra isso, é uma irmãodade; irmãdade se chama sororidade.

Mas não vou entrar nessas questões etimológicas agora, vamos falar do falo.

Falo do falo pra falar sobre a fala falocêntrica do filho do Bolsonaro.

Eduardo inferiu que o acidente na Linha 6 do metrô de São Paulo se deu porque a concessionária valoriza a contratação de mulheres em seu quadro de funcionários.

Eduardo diz que o critério deveria ser a competência, dando a crer que as mulheres são incompetentes por natureza.

“Homem é pior engenheiro?”

O diabo é que um acidente muito mais grave do que este aconteceu em 2007, na construção da Estação Pinheiros, quando uma cratera de 80 metros de diâmetro se abriu no chão, engolindo um micro-ônibus e matando sete pessoas soterradas.

Claro que Eduardo não diria que esse acidente aconteceu porque os engenheiros da obra eram todos homens.

Caem prédios a torto e a direito, assim como desabam pontes, viadutos e barragens que poluem rios, destroem casas e matam pessoas, mas nem por isso Eduardo atribuiria estes acidentes à presença de homens no canteiro de obras.

“Homens são piores engenheiros?”

O gênero importa apenas quando convém à narrativa falocêntrica.

É que as mulheres, ultimamente, têm ocupado o tal lugar de falo, e isso tem preocupado a masculinidade frágil destes falofílicos.

“Se o feminismo cresce”, disse o energúmeno, “é por culpa de homens frouxos’.

O antônimo de frouxo você bem o sabe, é ereto, viril, esticado, retesado.

Eduardo reclama da paumolescência de seus companheiros, que deveriam contra-atacar o feminismo como A-lex (o fora da lei) d’A Laranja Mecânica atacava seus alvos preferenciais: mulheres, bêbados e velhos.

Considerados frágeis e frouxos.

A masculinidade tóxica é, sobretudo, covarde.

O temor misógino de Eduardo é que as mulheres passem a ocupar lugares que antes eram exclusividade dos homens.

A chegada das mulheres a estes lugares de poder e de comando provoca um certo complexo de castração nessa rapaziada, que reage como um cão a defender o seu osso.

Eles se sentem emasculados.

O macho inseguro, que vive a coçar o saco como para ter certeza de que ele ainda está lá, não tira o pau da boca: “caralho”, “cacete…”

É um eterno mamar na mamadeira de piroca.

É uma linguagem pirocofílica: se o cabra fala grosso é porque tem o pinto fino; se tem um carro muito grande, tem o pau pequeno…

A força, a coragem, a bravura, tudo isso está diretamente relacionado à genitália masculina: “é preciso ter culhão pra enfrentar isso”; “Fulano é pica”; “como Sicrano tem saco pra isso?”; “Beltrano bota pra fuder…”

Se a mulher tá triste é falta de pica; o diabo é que os homens têm pica e são tristes!

Há uma crença paranoica do falo infalível, imbroxável.

Nos mictórios de banheiros públicos têm sempre baias a separar um mijão do outro, porque os caras têm uma tentação de olhar o tamanho do pau do vizinho.

E quase ninguém quer mostrar o seu, porque ele nunca é tão grande o suficiente.

A motoca que vibra sobre a pélvis e o revólver metido dentro das calças são fixações falofílicas do bolsonarismo.

Os Bolsonaro erigiriam um enorme obelisco roliço na Praça dos Três Poderes se aquele espaço não fosse tombado.

Para o falofílico, o falo nem sempre é um objeto erótico; ora ele é uma varinha mágica com a qual se consegue privilégios, ora é uma arma, uma adaga, um punhal ou uma espada.

O estupro, leiam Rita Segatto, não é um ato erótico, é uma relação de força e poder.

É pelo estupro que o misógino mata simbolicamente suas vítimas, dando-lhes estocadas violentas e mortais.

“Não te estupro porque você não merece”, disse o pai de Eduardo a uma deputada.

O incomível ZeroZero, que já andou a divulgar um vídeo de golden shower masculino, gosta de zombar dos orientais usando o manjado estereótipo do homem do pau pequeno que, por contraste, o coloca como o pauzudo.

Ou talvez o sujeito faça isso para vingar a zombaria que fazem ao filho misógino, chamado de poka pika.

O fato de o varão viril ser a representação máxima do poder fez com que o bilionário Jeff Bezzos mandasse para o espaço uma espaçonave em forma de pênis com uma glande acoplada.

O cara arvorou-se o Pica das Galáxias.

No entanto, a grita e o temor de Eduardo é apenas insegurança e fragilidade, frouxidão, como ele diria.

Dados de 2018, divulgados pela revista Fortune, dão conta de que 95,2% dos executivos das 500 maiores companhias estadunidenses são homens.

A mesma revista diz que, em 2017, 81% dos congressistas daquelas paragens eram homens.

Aqui a coisa não é muito diferente, mas é o suficiente para mexer com a misoginia do macho branco.

Marielle, “uma mulher democraticamente eleita”, pediu respeito a seus detratores, eles meteram bala nela.

Dilma, a primeira presidenta do país, foi arrancada do poder à força.

As mulheres que estão fazendo política neste país sofrem ameaças e importunações todos os dias.

As mulheres trans, com mandato, nem de longe são mais respeitadas que as mulheres trans sem mandato.

As mulheres negras são as que mais sofrem mansplaining, manterrupting e gaslighting.

São também, as mulheres negras, as maiores vítimas do estupro e do feminicídio.

Falas misóginas como as de Eduardo contribuem para que essa barbárie se perpetue.

Saravá.

*Lelê Teles é jornalista, publicitário e roteirista