Lelê Teles: O crime de padre Cleyton, fruto de demoníacas maquinações; vídeo

Tempo de leitura: 3 min
Cruzada contra a arte, a cultura e o meio ambiente no município de Olhos d'Água, nos arredores de Brasília. Maria Preta (acima) foi uma das árvores derrubadas a mando de padre Cleyton. Junto tombaram todas as outras: sibipirunas, jatobás...Um ecocídio.

O CRIME DE PADRE CLEYTON

Por Lelê Teles*

redigi um necrológio para a maria preta, uma das árvores derrubadas a mando de padre cleyton.

o ecocído se deu no município de olhos d’água, nos arredores de brasília.

o poema fúnebre foi lido no funeral do tronco, pelo amigo jaburu, sob o gorjeio requiente de sabiás, bem-te-vis e quero-queros.

punks espancavam punhos, carpideiras se carpiam, góticos vestiam luto, emos choravam, velhos hippies fumavam a erva do diabo.

jaburu me mandou o vídeo do funeral, do qual destaco esse trecho final, onde ele, jaburas, sentado em sua cadeira de rodas, lê os últimos versos do meu poema triste:

“… deu sombra, floresceu, banhou-se de sol e de chuva, dançou com o vento, serviu de abrigo aos passarinhos, cama para os ébrios, latrina para mijantes criaturas.

viveu arboreamente, soube ser folha e caules, aflorou frutos, mergulhou raízes…

cumpriu seu papel herbal.

volta para a terra, de onde nunca arredou o pé.

dorme o sono derradeiro…

e sonha.

sonha com jardins de girassóis e begônias, voos de borboletas e beijo de beija flores.

há deus, pretinha, há um deus dos arbustos e um céu de grinaldas.

voa ave árvore!”

assim que jaburas terminou o recital, caíram aplausos de chuvas do céu.

ao término das exéquias, a multidão se retirou, os olhos lacrimejando seivas.

foram todos para o bar, cantar os sambas que mãe preta gostava de ouvir com seu ouvido rélvico.

relato como soube do ecocídio.

eram dez da noite e eu me preparava para consagrar um rapé de sumaúma, deitado na rede, quando recebi o zap de jaburu.

lelê teles, filho do vento, maria preta está morta.

e meteu três exclamações depois da palavra morta.

como morta, indaguei confuso, parecia-me saudável da última vez que nos vimos.

dançamos ciranda de mãos dadas.

não foi morte morrida, disse o amigo, foi morte matada!

com mil diabos!, respondi.

junto com maria preta, completou o amigo, tombaram todas as outras: sibipirunas, jatobás…

o amigo cerratense, com nome de ave pantaneira, disse que o crime é fruto de demoníacas maquinações de padre cleyton.

desde que o novo pároco chegou ao pequeno vilarejo que os olhosdaguenses estão de bandeira em punho.

sábado teve protestos na porta da igreja: palavras de ordem, cartazes, tambores, apitos, tamborins e cavaquinhos.

a polícia teve que afugentar os revoltosos a jatos de pimenta.

o que motivou o cura a derrubar a árvore foi o desejo de plantar ali uma calçada de cimento.

veja você.

o sujeito, dando ordens à prefeitura, trocará as árvores da praça, abrigos de araras e tucanos, por uma estação da via sacra.

veja que sacranagem.

o sacana já havia mandado destruir o coreto da praça e colocar uma cruz no lugar.

é uma cruzada contra a arte e a cultura.

em verdade, o sujeito quer afugentar a comunidade ébria, a maconhagem e o hedonismo.

cleyton determinou que a tradicional feira do troca, que está na 97° edição, nunca mais ocorrerá no gramado da praça da igreja.

argumenta que o troca-troca tem origem pagã.

ói que fi d’um cabrunco!

se o natal num tem origem pagã, se num é pagão os festejos juninos…

a feira do troca começou em ’74, quando a antropóloga lais aderne encontrou, nesse tipo de kula, uma forma de ajudar as pessoas do vilarejo.

o povo da cidade trazia utensílios domésticos, produtos industrializados… e trocava na feira, com os locais, por artesanatos, galinhas vivas, quindins e quitutes.

para o evento, que acontece duas vezes ao ano, o vilarejo chegava a receber cerca de 15 mil visitantes no final de semana.

todos iam para os bares e restaurantes, ninguém ia à missa.

o padre foi à forra.

secou a figueira, abriu o mar vermelho e tocou fogo na sarça.

vai ter troco.

“troca o vigário”, alguém pixou no muro da paróquia.

“a praça é do povo, como o céu é do condor”, grasnou uma ave, citando castro alves.

Ahhhh, gritou outra.

poetas, cachaceiros, pangrafistas, boêmios abistêmios e toda sorte de artivistas prometem fazer da vida de cleyton um inferno.

a semana santa tá chegando, e o padre enfrentará o seu calvário.

aquele que tiver pecados, que a tire a primeira pedra.

palavra da salvação.

*Lelê Teles é jornalista, roteirista e publicitário.

Veja também:

Lelê Teles: O dia em que o povo foi expulso da capital federal; vídeos


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Zé Maria

Baita “sacranagem” mesmo.

Benedito Alisio Silva Pereira

Donos de shopping centers, postos de gasolina e principalmente igrejas não gostam de árvores. Acham que atrapalham o visual, o brilho e a imponência.

Deixe seu comentário

Leia também