Lelê Teles: A peleja do vampiro da caatinga — forrozeiro, paquerador e sanguessuga

Tempo de leitura: 3 min

O VAMPIRO BRASILEIRO

Por Lelê Teles*

acabo de finalizar um curta-metragem sobre o mais esquecido dos personagens do folclore brazuca.

trata-se de mucegão, o vampiro brasileiro.

a nossa besta-fera é incorporada pela satânica e espetaculosa atuação de severino de mainha.

“a melhor atuação vamp, desde o nosferatu de friedrich wilhelm murnau”, comentou glória pires.

nunca se viu um vampiro tão vampírico!

“sem dúvidas, esse é o mais transilvânico de todos os dráculas”, cravou a revista estadunidense movie your selfie.

mas, com mil diabos, zapeou-me a irmã zuleica, um vampiro brasileiro?

sim, o brasil não vive só de carrancas, lobisomens, curupiras e boitatás; no nordeste, graça a lenda do velho vamp do sertão.

folcloristas creem que o sanguessuga brasileiro seja, na verdade, a lenda do boto amazônico adaptada para a árida paisagem nordestina.

o sacana era talarico e tinha um faro fino para mulheres em período fértil.

reza a lenda que o vampiro da caatinga era também um habilidoso e sedutor cheirador de cangotes, forrozeiro esfregador e saliente pé de valsa.

o primeiro registro de sua aparição foi por volta de 1910, no forró “cacete armado”, no município do buraco quente, onde um chifrudo enciumado meteu sete peixeiradas no bucho do nosso drácula.

o capa preta sequer sangrou, tomou um gole de cachaça, rodopiou com uma piriguete e, em seguida, saiu do salão dando uma satânica gargalhada.

segundo a enciclopédia do folclore brasileiro, a vampiro do sertão era um cabra bonito e bem arrumado, chegava nas festas sempre cheiroso e sorridente, “parecia uma sirigaita em dia de missa”, diz a enciclopédia.

imiscuía-se nos forrós, dava uma talagada num rabo de galo, tirava as raparigas para a dança e punha-se a cangotear as quengas.

bafejava safadezas nos ouvidos delas, hipnotizava-as com seu olhar abrasivo e enfiava-lhe garganta a dentro sua língua quente e bifurcada.

o xamego, que começava no salão, terminava esparramado numa esteira sobre a relva nua, banhada pelo lampião do luar.

antes do clarão da aurora, o vampiro soltava uma fumaça pelo cu, em meio à bufa fumegante ele virava um morcego magro e saía voado.

deixava, como uma tatuagem, a marca dos dois caninos vira-latas no pescoço das moças.

nos anos ’90, a globo chegou a fazer uma novela, vamp, tentando lucrar com o hype do hemo dependente.

conhecido em piranhas como o rei do quengaço, esse pelintra cheirador de cangotes foi imortalizado por chico anysio na figura de bento carneiro, que era uma mistura de araci de almeida e carmem lúcia.

em toda a américa latina, mucegão ficou conhecido como chupa-cabra, alcunha de duplo sentido rechaçada no nordeste, porque pode levar a crer que o misterioso forasteiro é um felaciante homossexual.

“o vampiro da caatinga”, escreve o mais lúcido folclorista brasileiro, “morreu de sede, com as presas cravadas na palma de um xique-xique.”

mas segue vivo no imaginário popular, como a loira do banheiro, o velho do saco e a grávida de taubaté.

preferi matar o meu vampiro afogado.

mucegão, se arrastando como um trapo velho sob um sol inclemente, debruça-se sobre o espelho d’água.

livra-se das botas ensebadas, tira a capa preta e, já quase morrendo de sede, vê, como uma miração, a própria imagem diáfana refletida no espelho d’água.

o tarado, então, salta no poço, mirando o próprio pescoço refletido.

sem forças para bracejar de volta, o miserável sucumbiu, morrendo afogado numa terra onde homens, mulheres, crianças e animais morrem de sede.

espero que esse filme ajude a trazer o mucegão de volta ao imaginário popular.

nas feiras, sulancas e quermesses, cordelistas seguem registrando as aparições de mucegão nordeste a dentro.

ele costuma aparecer nos forrós em casa de reboco, sempre no dia sete do mês sete…

e engravida sete mulheres.

o nordeste tem uma verdadeira legião de vampirinhos, filhos bastardos de mucegão.

um dia, canta um ponto numa gira de vampiro, haverá uma grande revoada no sertão.

nesse dia anoitado e madrugador, a vampiragem ganhará as ruas e, desconfiam os estudiosos, faltarão cangotes para tantos caninos.

aquela que tiver de cabelos soltos, prenda-os, é um sinal para a investida do forrozeiro paquerador.

e capricha no perfume!

palavra da salvação.

*Lelê Teles é jornalista, roteirista e publicitário.


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Zé Maria

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A ESTRADA E O VIOLEIRO
(Sidney Miller)

Por Nara Leão & Sidney Miller:
https://youtu.be/MsY0QsgTQyQ

-Sou violeiro caminhando só
Por uma estrada caminhando só.
-Sou uma estrada procurando só
Levar o povo pra cidade só.

-Parece um cordão sem ponta,
pelo chão desenrolado
Rasgando tudo que encontra,
a terra de lado a lado
Estrada de Sul a Norte,
eu que passo, penso e peço
Notícias de toda sorte,
de dias que eu não alcanço
De noites que eu desconheço,
de amor, de vida ou de morte.

-Eu que já corri o mundo
cavalgando a terra nua
Tenho o peito mais profundo
e a visão maior que a sua
Muita coisa tenho visto
nos lugares onde eu passo
Mas cantando agora insisto
neste aviso que ora faço
Não existe um só compasso
pra contar o que eu assisto.

-Trago comigo uma viola só
Para dizer uma palavra só
Para cantar o meu caminho só
Porque sozinho vou à pé e pó.

-Guarde sempre na lembrança
que essa estrada não é sua
Sua vista pouco alcança,
mas a terra continua
Segue em frente, violeiro,
que eu lhe dou a garantia
De que alguém passou primeiro
na procura da alegria
Pois quem anda noite e dia
sempre encontra um companheiro.

-Minha estrada, meu caminho,
me responda de repente
Se eu aqui não vou sozinho,
quem vai lá na minha frente?
-Tanta gente, tão ligeiro,
que eu até perdi a conta
Mas lhe afirmo, violeiro,
fora a dor que a dor não conta
Fora a morte quando encontra,
vai na frente um povo inteiro.

-Sou uma estrada procurando só
Levar o povo pra cidade só
Se meu destino é ter um rumo só
Choro em meu pranto
é pau, é pedra, é pó.

-Se esse rumo assim foi feito,
sem aprumo e sem destino
Saio fora desse leito,
desafio e desafino
Mudo a sorte do meu canto,
mudo o norte dessa estrada
Em meu povo não há santo,
não há força e não há forte
Não há morte, não há nada
que me faça sofrer tanto.

-Vai, violeiro, me leva pra outro lugar
Que eu também quero um dia poder levar
Toda gente que virá
Caminhando, procurando
Na certeza de encontrar.

-Se esse rumo assim foi feito,
sem aprumo e sem destino
Saio fora desse leito,
desafio e desafino
Mudo a sorte do meu canto,
mudo o norte dessa estrada
Em meu povo não há santo,
não há força e não há forte
Não há morte, não há nada
que me faça sofrer tanto.

Por Quarteto em Cy e MPB4:
https://youtu.be/5arFJahuwNM
https://youtu.be/rVaI-9WpX14

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