Lalo Leal: ‘Jornal Nacional, um projeto de poder’ mostra com muita competência que o discurso global de isenção jornalística não se sustenta

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Para Laurindo Lalo Leal Filho, o livro de Ângela Carrato, Eliara Santana e Juarez Guimarães é uma prova da importância da pesquisa acadêmica na revelação do real papel da mídia na sociedade brasileira. Fotos: TVT e capa do livro

Jornal Nacional, um projeto de poder

Por Laurindo Leal Leal Filho*, especial para o Viomundo

Há 52 anos a democracia brasileira enfrenta um dos seus mais fortes desafios: como se relacionar com o Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão.

De forma constante, de segunda a sábado, o Brasil e o mundo são recortados e oferecidos ao público de acordo com os interesses dos controladores dessa empresa, invariavelmente discordantes das necessidades reais da maioria da população e da defesa da soberania nacional.

Não que isso seja novidade. Antes da TV, os jornais e as emissoras do conglomerado já desempenhavam esse papel.

A diferença é que, a partir de 1º de novembro de 1969, quando o Jornal Nacional foi ao ar pela primeira vez, os recortes ganharam movimento, luz, cores e vozes, numa sofisticada dramaturgia direcionada para a conquista de corações e mentes. Obtida com sucesso.

Mas o Jornal Nacional não fez isso sozinho. Estrategicamente exibido entre novelas, o produto de maior sucesso da emissora, delas valeu-se para a conquista da audiência, recebendo um público quase cativo, mais interessado no desdobramento diário das tramas românticas oferecidas ao público, antes e depois do jornal.

Ao se firmar como a principal rede nacional de televisão, praticamente hegemônica, a Globo formatou um ideário nacional, capaz de tornar comuns a todo o país as conversas sobre o conteúdo das novelas ou as peripécias dos jogos de futebol. Temas inscritos nas áreas da diversão e do entretenimento, nas quais não se impôe o compromisso com o factual.

A mesma abrangência de cobertura e consequente repercussão nacional, ocorre com o jornalismo, com a diferença significativa de que a ele se atribui um compromisso com o fato e espera-se dele uma interpretação que se aproxime, o mais possível, da veracidade.

No entanto, muitas vezes, as técnicas de produção do telejornalismo se assemelhem as da teledramaturgia. Resta a diferenciá-las apenas a aura da precisão jornalística encobrindo a semelhança existente entre a produção desses gêneros.

“Eu vi no Jornal Nacional”, é uma frase comum, ouvida como testemunho de credibilidade que exemplifica essa confiança, sem levar em conta as formas e os interesses envolvidos na produção da informação. Tem a sustentá-la apenas a aura que encobre a realidade, embalando o produto oferecido ao telespectador.

É essa aura que permite ao Jornal Nacional, assim como a outros veículos da mídia corporativa, usar a ideia da pretensa isenção jornalistíca como forma de encobrir seus reais interesses. E quando ela recebe críticas de setores diferentes da sociedade, até antagônicos, os utiliza como forma de propagandear um equilibrio de fato inexistente.

O livro “Jornal Nacional, um projeto de poder”, de Ângela Carrato, Eliara Santana e Juarez Guimarães, ao se debruçar sobre o papel político do principal telejornal da Globo, de 2014 para cá, consegue com muita competência mostrar que o discurso de isenção não se sustenta.

Levanta o véu que cobre as aparências e revela as rotas seguidas pelo telejornal. Aparentemente cambiantes, elas na verdade mantêm um rumo preciso, balizado por um projeto de poder enraizado nas origens da empresa.

Projeto que se manifesta de forma aguda em momentos politicos mais críticos e, cotidiamente, de forma homeopática.

Não custa lembrar as manchetes do jornal O Globo saudando o golpe de 64 ou o condenando a instituição do 13º salário para os trabalhadores de todo país.

Ou ainda, em situação mais recente, a convocação pela TV Globo dos atos contra o governo da presidenta Dilma que levaram ao golpe de 2016, construindo um cenário onde grassava “uma corrupção nunca antes vista”, projetando “uma crise econômica sem precedentes”, como lembra o livro. Sem esquecer a pirotecnica em torno das operações denominadas Mensalão e Lava Jato.

Para fixá-las no imaginário da população, o recurso dramatúrgico dos dutos de petróleo enferrujados, despejando uma fartura de dinheiro na tela, teve uma força simbólica poderosa.

Não há necessidade de ouvir ou ler, basta passar à frente de um aparelho sintonizado no Jornal Nacional, num bar ou numa sala de espera, para saber que a corrupção grassa no país, num processo cotidiano de criminalização da política. Ação de propaganda camuflada de jornalismo, documentada e comentada com rigor no livro.

Se mostra, o Jornal Nacional também esconde ou minimiza o que não interessa à empresa.

“Em setembro de 2014, o Brasil deixou o Mapa da Fome, de acordo com levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU). O Jornal Nacional não deu chamada de abertura e dedicou 38 segundos à matéria. Em dezembro de 2014, a taxa de desocupação da mão de obra foi de 4,8%, o menor nível da série histórica. A notícia recebeu 37 segundos, não foi a chamada principal e limitou-se a mostrar números, sem entrevistas e sem contextualização. O Boletim do Tempo teve mais de um minuto”, destaca o jornalista Luiz Nassif, no prefácio do livro.

Dados como esse, apresentados com rigor acadêmico, estão presentes ao longo de todo o livro.

A partir deles revela-se a conduta retilínea do jornal em busca dos interesses que defende, ancorados basicamente na “defesa de uma política neoliberal radicalizada em suas vertentes privatistas e mercantis”. Acompanhando o que os autores do livro definem como “neoliberalismo progressivista”, corrente dominante no Partido Democrata norte-americano, em contraposição ao “neoliberalismo regressivo”, dos republicanos de Trump.

Referências que remontam às origens da Rede Globo, impulsionada não apenas pelos recursos do Time-Life, mas também por ser, desde a sua fundação “a principal expressão, na cultura brasileira, de um ‘americanismo”, isto é, de uma visão de mundo que toma certos paradigmas idealizados dos EUA como, ao mesmo tempo, um sistema de valores, identidades e destinos”.

“Jornal Nacional, um projeto de poder”, é uma prova da importância da pesquisa acadêmica na revelação do real papel da mídia na sociedade brasileira, só possível num espaço livre de qualquer ingerência externa à produção do conhecimento.

A pesquisa, apresentada neste livro, foi produzida através de uma interdisciplinariedade que reuniu os instrumentos de coleta de dados e de análises da ciência política, da ciência da comunicação e da análise do discurso.

Essa combinação de liberdade para o exercício da crítica com a qualidade dos instrumentos de pesquisa utilizados, tornam este livro imprescindível para a compreensão do papel de um telejornal na vida sócio-política de um país.
Fato, ao que tudo indica, único em todo o mundo.

*Laurindo Lalo Leal Filho é sociólogo e jornalista, professor da USP. Integra o Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a diretoria do Centro de Estudos Barão de Itararé. Tem quatro livros publicados, entre os quais “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão”


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Comentários

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gonzalez

Uma das maiores falsidades que existe é o chamado 13 terceiro salário, a lei versa sobre horas semanais de trabalho, porém a maioria recebem por mês, quando se faz o cálculo no período de um ano, o trabalhador labutou 29 dias sem receber, descontando 1 dia de trabalho para a contribuição sindical, 28 dias de trabalho realizado, logo o 13 terceiro salário nada mais é que o recebimento tardio e defasado desses dias trabalhados. O 13 terceiro é uma propaganda falsa.

Cláudio

Excelente texto do também excelente Laurindo Lalo Leal Filho, que já conhecia anteriormente, da TV, se não me engano, da TV Brasil, nos bons tempos dos governos progressistas de Lula e/ou Dilma. Laurindo Lalo tem todo o meu respeito e maior, melhor consideração, pela excelente qualidade das intervenções dele, bem assim como Eliara Santana, que passei a admirar mais recentemente, através de um também excelente texto dela, parece que aqui mesmo, no igualmente excelente e democrático Viomundo, do respeitável, nobre e admirável Luiz (ou Luís) Carlos Azenha. Todos os três só ainda erram em chamar estadunidense(s) de americano(s) ou norte-americano(s), quando o imperialismo ianque (estadunidense, pra ser politicamente correto) expropria até mesmo (ou principalmente, pode ter começado por aí, como nos ensinou implicitamente Dom Pedro Casaldáliga) a identidade dos povos explorados. A América não se resume aos seres e/ou coisas estadunidenses, é um continente inteiro, com três subdivisões, e mesmo falar em norte-americano(s) pode tanto se referir a canadenses, estadunidenses e/ou mexicanos. E americanos, somos nós, todos os povos da América inteira, canadenses, estadunidenses, mexicanos, hondurenhos, panamenhos, cubanos, venezuelanos, colombianos, equatorianos, bolivianos, chilenos, argentinos, uruguaios e/ou brasileiros. É um erro básico, fundamental, a que nem a excelente autora Júlia Falivene Alves escapou com o seu admirável, excelente e altamente recomendável livro “A Invasão Cultural Norte-Americana”, que deveria ter por título “A Invasão Cultural Estadunidense”, pra dar nome, adequado, aos bois (ou aos “boys”), já que se refere aos Estados Unidos e não ao Canadá e/ou México.

Zé Maria

Há tempos, o Jornal Nacional é uma Novela Antipetista, que
é apresentada em Temporadas como uma Série da Netflix.
Aliás, a Última Temporada é “a Lava-Jato e a Perseguição ao Lula”
que até aqui se estendeu em Diversas Fases, desde as “Journeys of
June 2013”; depois “Youssef, o Doleiro de Estimação do Juiz Moro” em 2014; em seguida “o Impeachment Sem Crime da Dilma” com início
em 2015 indo até 2016; logo após “a Caçada ao Lula”; e na sequência
“a Prisão Espetaculosa do ex-Presidente”, “a Eleição do Miliciano Neofascista”, “o Juiz Moro Vira Ministro no Condomínio Vivendas da Barra”, em 2018; e por fim “o Político Moro é Candidato a Presidente”.
As Temporadass Anteriores do Jornal Nacional da Rede Globo foram
“O Debate e a Eleição de Collor de Mello, em 1989;
“A Farsa do Real e a Eleição de FHC”, em 1994;
“O Golpe da Reeleição de FHC e a Falsa Valorização do Real”, em 1998;
“A Campanha Presidencial de José Serra (PSDB), em 2002;
“O ‘Mensalão’ do Roberto Jefferson e da LoPrete”, a partir de 2005;
“O Linchamento Político de José Dirceu”, em 2006 com inserções nos episodios. das temporadas seguintes, até os presentes dias.

Igor Nantes

Jornal mentiroso e ruim.
O povo é acostumado a deixar a caixa de abelha ligada sem nem olhar para ela. Acostumou.
O povo não liga mais o cérebro. Parece que aposentou os neurônios.
Não é bastante estranho 1 único jornal ter mais de 40 horas de jornal só falando mal do Lula ?
E os outros políticos ?
Ou o povo aprende política ou vai levar muita bola nas costas.
Vejo política desde os 16.
O jornalista tem liberdade de expressão para dizer o que quiser no jornal do patrão ?
E o Panamá Papers.
Pode falar que o patrão e seus filhos estão na lista.
Não aconselho falar mal de Maomé. Os árabes são bravos pra caramba.
Acho que desde 2015 não vejo o JN.
É perder tempo e ser feito de bobo.
A globo recebeu dinheiro americano e por isso TB ficou do lado da ditadura em 64.
Vejam como a Regina Duarte é uma mocinha legítima.
E tão reprisando o Sassá mutema, uma caricatura do Lula.
Uma caricatura do povo brasileiro.
Não há saída fora da política.
Precisamos da política e dos políticos.

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