Ladislau Dowbor: “As MPs do Levy vão desestimular o consumo”

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Ladislau Dowbor: “As MPs do Levy vão desestimular o consumo”

Professor da PUC-SP inaugura série de entrevistas com economistas sobre pacote de medidas de Joaquim Levy

por Igor Carvalho, no site da CUT 

O nome de Joaquim Levy causou rejeição em setores da esquerda brasileira antes mesmo de ser anunciado como ministro da Fazenda, quando ainda era um dos cotados. Após assumir, em sua primeira entrevista coletiva como membro efetivado do governo da presidenta Dilma Rousseff (PT), já emitiu os primeiros sinais sobre o tom de sua gestão: “Não temos pressa de fazer um pacote com medidas relâmpago. Algumas coisas vêm sendo discutidas no caminho de diminuir as despesas, mas acho que a capacidade de cooperação entre os diversos órgãos deve levar a gente a fazer medidas”, afirmou o ex-diretor do Bradesco.

De imediato, Levy recebeu autonomia da presidenta para agir e ajustar a economia do País, em uma crise influenciada pela conjuntura política, de volta no rumo do crescimento. Com livre acesso entre empresários e banqueiros, o ministro anunciou seu pacote de medidas e ficou evidente que o trabalhador pagaria a conta.

No final de 2014, veio o anúncio das Medidas Provisórias 664 e 665, que atacam direitos como seguro-desemprego, pensão por morte e abono salarial. A nomeação de Levy, aliada à eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à presidência da Câmara dos Deputados, criou o cenário para que o pacote de medidas se tornasse prioridade na Casa, com os trabalhadores alijados do debate sobre as mudanças na economia do País.

Para analisar as medidas impostas por Joaquim Levy, o portal CUT inicia uma série de entrevistas com economistas, com o intuito de mostrar que outros caminhos seriam possíveis para retomar o crescimento do País sem que o trabalhador fosse atacado em seus direitos.

Nascido na França e filho de poloneses, Ladislau Dowbor, que está radicado no Brasil desde os quatro anos, é o primeiro entrevistado da série. Formado pela Universidade de Lausanne, na Suíça, e doutor em Ciência Econômica, o franco-brasileiro também foi consultor da ONU.

Dowbor criticou o pacote de medidas de Levy e lembrou que as MPs podem desestimular o consumo no País. Confira a entrevista.

CUT: O pacote de ajustes promovido pelo Joaquim Levy era inevitável?

Ladislau Dowbor: Eu acho que tem ajustes a se fazer sim, em função de mudanças de conjuntura. Por exemplo, nos últimos doze meses, o valor do mercado internacional do minério de ferro, do qual somos grandes exportadores, caiu 39%. Houve queda brutal no valor da soja e da laranja. Então, temos um esfriamento internacional, também ligado à fragilização da economia mundial. A parte externa exige ajustes. Na parte interna, periodicamente se fazem ajustes contábeis e não é necessariamente errado você tirar uma série de gordura de alguns programas. Porém, isso é profundamente diferente de uma reforma financeira, essa sim necessária. Na medida em que restringem os gastos do Estado, as MPs do Levy vão desestimular o consumo e vão na contramão. Agora, numa visão mais de causas do problema, eu trabalho com o conceito de reforma financeira e não de ajuste fiscal. Quando você tem um crediário em que as pessoas se endividam muito e compram pouco, você está travando pelo consumo e trava também o investimento. Quando você eleva a taxa Selic, você está reduzindo algo como R$ 300 bilhões a capacidade do Estado financiar políticas sociais. Na realidade, o que temos que assegurar é o uso dos recursos, hoje apropriados pelo mercado financeiro, para desenvolver um sistema produtivo e as políticas sociais.

CUT: Como os programas de transferência de renda influenciam a economia?

Ladislau Dowbor: No Brasil, o mais conhecido é o “Bolsa Família”, sobretudo pela sua função humanitária, em particular porque nós temos cerca de 20 milhões de famílias no Brasil lideradas por mães solteiras, que são empoderadas. São milhões de crianças comendo melhor e indo à escola. Isso não é gasto, é investimento. Os maiores impasses foram o aumento salário mínimo, o aumento do emprego com carteira assinada e o aumento do empreendimento individual. O salário mínimo impactou cerca de 128 milhões de trabalhadores, a parte previdenciária impactou mais de 18 milhões de pessoas. Pela primeira vez no Brasil, tivemos uma larga inclusão social, que gera expansão da base. O impacto que o Brasil teve durante essas décadas em que a economia mundial estava praticamente parada, foi forte e a economia seguiu saudável, sem ser comprometida pelos gastos com projetos sociais. Pelo contrário, sendo estimulada pela expansão da capacidade de consumo da base.

CUT: A população mais pobre do Brasil se acostumou a pagar impostos na mesma proporção que os ricos. O senhor é favorável que o País passe a cobrar mais impostos das maiores riquezas?

Ladislau Dowbor: A ideia básica é a seguinte: as grandes fortunas são em papéis. No Brasil as pessoas tendem a confundir investimento e aplicação financeira, essa confusão é culpa da mídia e dos bancos. Quando você faz uma aplicação financeira na tua poupança no banco, ou compra ações, você não produziu nada, são papéis, ninguém come papéis. Agora, quando você pega empréstimo para fazer uma fábrica de sapatos, aí sim essa aplicação está se convertendo em investimento, gerando emprego e fazendo a economia girar.

No caso das grandes fortunas, divulgaram agora que existem 8 mil fortunas brasileiras em paraíso fiscal, no HSBC da Suíça, esse dinheiro não paga imposto. Se a pessoa tem um estoque de papéis, sobre os quais ele deve pagar um razoável imposto, ela tem que colocar esses papéis para produzir efetivamente, ou seja, ele vai buscar a fábrica de sapatos, ou investir em qualquer outro segmento. No fim, ele vai ter que colocar seu capital para render, não deixar seus papéis na linha da ciranda financeira.

Se você pega os dinheiros aplicados na taxa Selic, se você tem uma taxa Selic elevada, o resultado vai ser que os bancos ou muitos produtores, ao invés de investir, vão comprar títulos do governo, com risco zero e enchendo os bolsos a partir dos nossos impostos. No final, a lógica é que vamos ter sempre que privilegiar quem contribui para a economia. Agora, o excesso de impostos sobre os pobres se deve basicamente à falta de opção. Por exemplo, eu sou professor e meu imposto é deduzido em folha, ninguém me pergunta se eu quero contribuir. Quando você tem, como acontece no Brasil, 56% dos impostos sendo cobrados indiretamente, como nos produtos nas prateleiras do supermercado, não tem opção. Portanto, pobre e rico estão pagando igual.

O resultado é um sistema que penaliza a base da sociedade. Se você começa a impor impostos sobre transferências bancárias ou heranças, por exemplo, você começa a equilibrar essa conta. A renda recebida pelo pobre é transformada em consumo, ele não manda o dinheiro para Miami ou Luxemburgo, nem transforma em papéis, esse dinheiro dinamiza a economia.

CUT: O senso comum diz que o Brasil não fez as obras estruturais que necessitaria. Nesse momento de crise é possível tocar grandes projetos que resolvam gargalos como o transporte de cargas?

Ladislau Dowbor: Essa é outra dinâmica. Nós estamos travados em uma crise política e não de base econômica. Nós temos interesses internacionais sobre o petróleo que estão  pressionando brutalmente nesse processo. Temos o interesse de grandes grupos financeiros internacionais e nacionais, tentando impedir mudanças no sistema financeiro, em particular a redução dos juros e por aí vai. Quando foi tentado, em 2013, a redução de juros, a reação foi violenta. Então, o mercado financeiro está vacinado. O Santander, por exemplo, um banco de base espanhola, tem cerca de 30% dos seus lucros oriundos do Brasil, ele não consegue lá fora taxar como taxa aqui no Brasil, onde no cartão pagamos 633% no rotativo. Quando eu mostro isso para meus amigos europeus eles morrem de rir. O Brasil, por pressão das montadoras, abandonou as opções de transporte de carga de cabotagem e optamos pelo caminhão e pela estrada. As empreiteiras agradecem e as montadoras agradecem, mas é uma opção trágica. Essas escolhas de infraestrutura mostram uma visão que o País tinha há 20 ou 30 anos. Essa dependência das estradas é uma catástrofe.

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Comentários

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Sérgio

Mas a intenção é essa mesmo se não o país para, o desestímulo ao consumo ta ligado diretamente ao desestímulo ao consumo de energia elétrica. Para não decreta um racionamento de energia o governo opta em promover um redução da economia para aguarda as chuvas do período úmido, a situação ta complicada.

Vicente

Não sabia que o Joaquim Levy foi candidato a presidente.

Lukas

Correção: as MPs são da Dilma.

Romanelli

A CRISE não veio de fora ..isso foi obra da patroa
.
Diante de tantos equívocos cometidos, diante dum processo de correção de tarifas, cambio e de, por DEFICIÊNCIA estrutural (dos gargalos na infra e MO nunca corrigidos), da mudança da nossa matriz econômica (com o país voltando a ter maior projeção pela agricultura e extrativismo em detrimento da industria), ou ainda, pelas mudanças do clima (seca e enchentes), estes que nunca tínhamos visto..
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..diante ainda da EXAUSTÃO das finanças públicas dadas por aplicações em programas assistenciais de caráter permanente e de custeio ..da pressão pelo aumento da massa salarial do funcionalismo, aliado ainda ao número de vagas ofertado a cargos de confiança e a DESVIOS, roubos, atrasos e má gestão dos projetos Públicos (na Petrobrás com seus mais de US$ 50 bi dados a projetos sem retorno, ou em obras do PAC por exemplo)..
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..infelizmente não restava outra alternativa que não a de se por o pé no freio e, com isso, se tentar ganhar tempo para. nem que minimamente, corrigir alguns dos efeitos PERVERSOS provocados nos mercados nos últimos tempos pela Sra DILMA de Bege, efeitos como:
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Na Construção Civil, aonde um crédito dado de forma linear e abundante a imóveis usados de médio e alto padrão, fora aos materiais de reforma e construção, fizeram com que TODO o mercado imobiliário se inflacionasse repentinamente, trazendo consigo não só o preço dos aluguéis e demais relativos, como a inviabilização do valor dos imóveis pras faixas de baixa renda, ou
..
ou como com a adoção do crédito FARTO e turbinado destinado prioritariamente ao consumo imediatista e fugaz (a bens de consumo e de carro por ex), provocando com isso a ILUSÃO de que a economia caminhava em terreno próspero, quando em verdade as famílias, inclusive sufocadas por seus cartões de crédito recheados com juros abusivos, ficavam alavancadas e acabavam comprometendo boa parte das suas rendas futuras, qual seja, sem saber elas trilhavam por cima de suas próprias sepulturas..
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enfim ..e pensar que tudo isso foi dito faz tempo e poderia ter sido evitado não estivéssemos sob a égide de um governo tão irresponsável e prepotente ..agora, agora é aquilo, relaxa e goza !!!
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NOTA – esquece, imposto sobre herança NÃO funciona, é BOBAGEM (já temos o ITBI, é só aperfeiçoar) .. o GRAVE do nosso modelo é que é formado por imposto regressivo aplicado a um horizonte pequeno de produtos e serviços (teles, elétrica, combustíveis, carros e serviços ..piorando o CUSTO BRASIL) ..o correto seria contrabalançar, desonerando muitos setores, em PARTE com volta da CPMF

    Nelson

    Resumindo….os problemas são muitos e já são conhecidos mas nenhum governo tem aquilo roxo para fazer as reformas que realmente são necessárias e pensam única e exclusivamente se perpetuar no poder.

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