Juan Cole: Bahrain, base naval dos EUA ou patrimônio do Irã?

Tempo de leitura: 4 min

16/2/2011

por Juan Cole, Informed Comment

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

O que está em jogo para os EUA, na agitação no Bahrain?

1. O Bahrain é um dos principais centros de refino de petróleo (refina cerca de 270 mil barris/dia). Não é grande quantidade, mas considerados os apertados suprimentos de petróleo, com o preço do barril de Brent Crude acima de $100, qualquer interrupção no refino fará os preços mundiais dispararem.

2. Está instalada no Bahrain a base da 5ª Frota da Marinha dos EUA, importantíssima na arquitetura da segurança dos EUA para o Golfo Persa (os árabes chamam de Golfo da Arábia). Cerca de dois terços das reservas testadas de petróleo do mundo e 45% das reservas mundiais de gás natural estão na região do Golfo.

3. Bahrain é importante centro financeiro.

A maioria xiita tenta firmar-se ali. Um governo dominado pelos xiitas no Bahrain pode exigir o fechamento da base naval dos EUA. Não se criaria ali um estado-fantoche do Irã, na medida em que os xiitas são zelosos da própria independência e a maioria dos xiitas do Bahrain não seguem aiatolás; mas com certeza se a maioria xiita mantém relações cálidas com Teerã. Uma vitória xiita ali daria força política a outros estados xiitas do Golfo, no Kuwait, na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos (todos esses estados nos quais os xiitas são minoria). Até aqui, o Irã beneficia-se de vantagens do poder brando (“soft power”) nas regiões xiitas.

O saldo pode ser favorável ao Irã ou, no mínimo, haverá alguma desvantagem para os EUA – que já atirou no próprio pé, quando ajudou a implantar um governo xiita em Bagdá que mantém excelentes relações com o Irã.

O governo do Bahrain tornar-se mais democrático e mais influenciado pelos xiitas incomodaria o Estado saudita wahhabista, que hoje considera o rei sunita do Bahrain como aliado estratégico.

Milhares de manifestantes xiitas saíram às ruas ontem, no Bahrain. Exigem a saída do primeiro-ministro Sheikh Khalifa bin Salman Al Khalifa. Tio do rei, Sheikh Khalifa foi nomeado primeiro-ministro há 40 anos. Os manifestantes xiitas querem primeiro-ministro eleito, que manifeste a maioria demográfica xiita.

A morte de dois manifestantes, um na 2ª-feira e outro ontem, ajudou a mobilizar a multidão. Numa concessão rara, o rei Hamad Al Khalifa pediu perdão ontem pelas duas mortes e prometeu que os que atiraram serão julgados.

Os manifestantes ocuparam a área central de Pearl Roundabout, e muitos prometem passar a noite ali. O principal partido político xiita, com 18 votos na Câmara baixa do Parlamento (40 membros) é o partido Wifaq. Na 3ª-feira, os deputados do partido Wifaq retiraram-se do Parlamento, como protesto pela morte de dois manifestantes.

A população do Bahrain é de pouco mais de 1,2 milhão de pessoas, 54% das quais são trabalhadores expatriados levados para lá, metade dos quais indianos. Lembro das vezes em que estive em Manama, que se viam cartazes em idioma malaio, e lojas e casas de câmbio enfeitadas com galões malaios. Os demais 568 mil habitantes são nascidos no Bahrain. Cientistas sociais estimam que, desses, cerca de 2/3, aproximadamente 374 mil, são xiitas.

E desses, por sua vez, cerca de 100 mil são Ajamis, i.e. xiitas de herança iraniana, hoje já transformados em árabes. O restante da população são Baharna, xiitas nativos do Bahrai, que seguem principalmente a escola conservadora Akhbari – que não reconhece a autoridade dos aiatolás. Muitos deles vivem em vilas rurais, fora da capital.

Restam 187 mil habitantes, que são sunitas do Bahrain, comunidade à qual pertence o rei Hamad Al Khalifah – que reina desde 2002, depois de ascender ao poder como emir, em 1999.

No Golfo, em geral, trabalhadores estrangeiros não votam e não recebem visto de residentes permanentes nem direito de cidadania, embora circulem rumores de que o monarca sunita Hamad Al Khalifa tenha outorgado a cidadania do Bahrai a alguns sunitas expatriados, numa até agora vã tentativa de acalmar a maioria sunita nativa.

A constituição do Bahrain permite que o rei sunita indique 40 membros da Câmara alta do Parlamento. A Câmara baixa também tem 40 membros, e nas eleições de 2010 o partido religioso xiita, Wifaq, liderado pelo clérigo Ali Salman, conquistou 18 lugares. Os demais 22 assentos ficaram distribuídos entre sunitas de várias tendências.

Assim, em país no qual cerca de 2/3 dos cidadãos são xiitas, os xiitas não são proporcionalmente representados no Senado, e são minoria até na Câmara Baixa, que é eleita. Não apenas a Câmara alta dominada pelos sunitas pode vetar medidas aprovadas pela Câmara baixa, mas o próprio rei pode vetar leis aprovadas e pode prorrogar o mandato dos representantes no Parlamento sempre que queira.

Muitos xiitas nas áreas rurais são muito pobres, apesar das riquezas do Bahrain, derivada de uma pequena indústria do petróleo, do setor financeiro que é vitalmente importante e da renda estratégica que o país obtém por manter ali a base da 5ª Frota da Marinha dos EUA. O partido Wifaq aspira não só a dar representação mais equilibrada para a maioria xiita, mas, também, a relações econômicas no país que prejudiquem menos os mais pobres.

A rede Aljazeera English mostra vídeo sobre o Bahrain em http://www.youtube.com/watch?v=XYaFh4CHaq4


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Comentários

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Marcele

USA (Estados Unidos) o domínador ditador dos mais terríveis, disfarçado em democracia com a injustiça se faz despresível, pois usam álibis para fazerem o horrível no mundo e o Brasil é inegavelmente o exemplo mundial da decadência desse método de governo, pois se prostra a insanidade do inferno na morte da grande meretriz e oprime a sua população com salários miseráveis, escolas precárias, saneamento básico caríssimo, atendimento médicos terríveis, entre muitas outras decadências, como igual de governos ditadores, tudo fazem para valorizar o sistema particular das diversas empresas americanas e dos outros cúmplices da maçonaria. Testifiquem se a imprensa se usa para praticar a Justiça? Na Verdade eles escodem as precariedades e porque? Porque são grandes empresas com ações nas bolsas de valores, querem só lucros.
http://wwwrebentocom.blogspot.com/2011/02/ditadur

Pedro

Klaus, seus comentários são ótimos. Às vezes essa galera da extrema esquerda aqui do blog fica irritada. Cuidado!!

Klaus

Por que a China pode invadir o Tibete?

Michael Lima

O que o Dalai Lama pretende é estabelecer o poder dos seus. Isso a China não os concede. Os EUA se aproveitam da situação. A conclusão é: Todo líder religioso se envolve fortemente com a política e questões de poder. Há quem os incentive para tirar proveito e há líderes que fazem alianças escusas para alcançar seu fim.

Pedro

Uma coisa para a qual gostaria de chamar a atenção: é comum ler a frase, nos mais diferentes artigos, que diz : "apesar de ser um país muito rico, sua população é composta de uma maioria pobre, muitas vezes miserável". Pergunto: será que não está na hora de tirar o "apesar"? Porque, que eu saiba, riqueza é algo social, ou seja, só conta quando resulta do trabalho e o trabalhador nunca é rico. Portanto, não cabe o "apesar".

waldir Ferreira

Revolução ja nestes Pauses,são ditaduras fantoches apoiadas pelos EUA,são os amigos do Rei>

Rafael

Derrota para Cuba? Deve ser por isso que há tanta gente indo a nado de Miame para Havana.

    Marat

    Em especial os gusanos, para servirem cafezinho aos imperadores, ou para planejar golpes de estado e ataques terroristas…

Roberto Locatelli

Que absurdo!! Uma frota do Império Romano incrustrada na região é um corpo estranho que tem que ser expurgado.

Quando estive no Nepal havia tropas dos EUA lá. Ridículos. Estavam almoçando num restaurante fino, paramentados como os soldados que vemos na CNN, e bebendo água de seus cantis. Provavelmente tinham ordens de não beber nada que lhes servissem. A cena era hilária.

Carmem Leporace

Parabéns a presidenta Dilma e a sua base aliada pela aprovação do salário mínimo de 545 reais. Arrebentou,

Marat

Sempre sou cético com relações a reviravoltas, ainda mais quando o mal é tão bem armado como os EEUU, contudo, não posso deixar de ficar um pouco feliz em ver que o império dá vários sinais de desmoronamento: 1) Derrotas e mais derrotas para Cuba, desde 1959, mesmo com o criminoso embargo; 2) Perderam a Venezuela; 3) Estão enfraquecidos na Argentina; 4) Não desestabilizaram a China, nem com seu fantoche, o Dalai Lama; 5) Tiveram muitas baixas no Iraque, sendo a baixa moral a mais forte; 5) Não conseguem desestruturara o Irão, nem mesmo com seus ataques terroristas contra cientistas de lá; 6) Estão tendo muitas dificuldades no Afeganistão, inclusive muitas baixas… O barco dos assassinos está fazendo um pouco de água em várias frentes, e isso já é um pequeno alento!

    Klaus

    Não sei se o Dalai Lama é um fantoche, mas que é um mala isto ele é.

    Confuso da Silva

    O Dalai Lama é fantoche dos EUA? Essa é nova para mim. Marat, tem alguma referência para eu ler sobre o assunto?

    No entanto, me incomoda quando você rotula os EUA de "o mal", implicando que todos que estão contra eles são "o bem". Não acho que os EUA são bonzinhos (aliás, looonge disso), mas tampouco o são Cuba, Coréia do Norte, Irã e outros.

    Marat

    Confuso, procure pela Internet, falas do Dalai Lama. Veja que ele gosta de um terrorista (o Bush), e ganha uma verba enorme dele para tentar desestabilizar a China e fomentar o separatismo naquele país.
    Quando eu rotulo os EEUU de mal, é para dar um contraponto a nossa imprensa. Lógico que eles não são 100% ruins ou pilantras, mas, mesmo assim, já causaram transtornos terríveis para a humanidade, sem contar os genocídios e assassinatos.
    No caso de Cuba, Coréia do Norte e Irã, lógico que, como todos os países, tem seus erros, suas mazelas, contudo, nunca soube que eles saíssem por aí invadindo, assasinando, atirando bombas atômicas etc., como os EEUU faziam, fazem e, pelo jeito, ainda muito farão.
    Saudações.

    Confuso da Silva

    Quanto ao Dalai Lama, vou pesquisar, obrigado pela dica.

    Quanto a Cuba, Coréia do Norte, e Irã, entendo o que você quer dizer. E espero que pelo menos o povo iraniano possa se aproveitar dos ventos vindos da África e sacudir um pouco o establishment do país.

    Marat

    Confuso, eu acredito no poder de autodeterminação dos povos. Se o povo iraniano (e só ele, sem elementos desestabilizadores externos) estiver descontente com o governo central, ele deve lutar para derrubá-lo.
    Abraços

    Confuso da Silva

    Concordo. Mas aí não adianta a gente ficar escolhendo onde a revolta é legítima e onde há elementos desestabilizadores externos, só porque tal país é anti-EUA e outro não.

    Há gente no Irã que está descontente, há gente na Síria que está descontente, há gente na Líbia que está descontente, assim como havia no Egito. Pode haver o dedinho dos EUA em algum desses lugares? Sim, assim como pode ter o dedinho do Irã ou de outro elemento externo no que houve no Egito, na Tunísia, ou o que está acontecendo no Bahrein, na Líbia, ou em qualquer outro foco de protestos.

    Não dá para convenientemente dizer que em países pró-EUA os protestos são legítimos, e nos países anti-EUA há elementos desestabilizadores externos, certo?

SILOÉ

Muito complicado esse jogo de poder no oriente médio e adjacências. Pelo que pude apreender, simplificando: Antes eles estavam montados em barris de petrólio e agora em barris de pólvora, ou eu estou enganada?

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