José Luís Fiori: O caleidoscópio mundial

Tempo de leitura: 3 min

Caleidoscópio mundial

A definição da estratégia internacional do Brasil não depende da “taxa de declínio” dos EUA, mas não pode desconhecer a existência do poder americano. Assim mesmo, gostem ou não os conservadores, o Brasil já entrou no grupo dos estados e das economias nacionais que fazem parte do “caleidoscópio central” do sistema, onde todos competem com todos, e todas as alianças são possíveis, em função dos objetivos estratégicos do país, e do seu projeto de mudança do sistema mundial. O artigo é de José Luís Fiori.

José Luís Fiori, na Carta Maior

Durante a primeira década do século XXI, o Brasil conquistou um razoável grau de liberdade, para poder definir autonomamente sua estratégia de desenvolvimento e de inserção internacional, num mundo em plena transformação. O sistema mundial saiu da crise econômica de 2008, dividido em três blocos cada vez mais distantes, do ponto de vista de suas políticas e da sua velocidade de recuperação: os EUA, a União Europeia e algumas grandes economias nacionais emergentes, entre as quais se inclui o Brasil. Mas do ponto de vista geopolítico, o sistema mundial ainda segue vivendo uma difícil transição – depois do fim da Guerra Fria – de volta ao seu padrão de funcionamento original. Desde o início do século XIX, o sistema inter-estatal capitalista se expandiu liderado pela Grã Bretanha, e por mais algumas potências europeias, cuja competição e expansão coletiva foi abrindo portas para o surgimento de novos “poderes imperiais”, como foi o caso da Prússia e da Rússia, num primeiro momento, e da Alemanha, EUA e Japão, meio século mais tarde. Da mesma forma como aconteceu depois da “crise americana” da década de 1970.

Depois da derrota do Vietnã, e da reaproximação com a China, entre 1971 e 1973, o poder americano cresceu de forma contínua, construindo uma extensa rede de alianças e uma infra-estrutura militar global que lhe permite até o hoje o controle quase monopólico, naval, aéreo e espacial de todo o mundo. Mas ao mesmo tempo, esta expansão do poder americano contribuiu para a “ressurreição” militar da Alemanha e do Japão e para a autonomização e fortalecimento da China, Índia, Irã e Turquia, além do retorno da Rússia, ao “grande jogo” da Ásia Central e do Oriente Médio. Os reveses militares dos Estados Unidos na primeira década do século desaceleraram o seu projeto imperial. Mas uma coisa é certa, os EUA não abdicarão voluntariamente do poder global que já conquistaram e não renunciarão à sua expansão contínua, no futuro. Qualquer possibilidade de limitação deste poder só poderá vir do aumento da capacidade conjunta de resistência das novas potências.

Por outro lado, depois do fim do Sistema de Bretton Woods, entre 1971 e 1973, a economia americana cresceu de forma quase contínua, até o início do século XXI. Ao associar-se com a economia chinesa, a estratégia norte-americana diminuiu a importância relativa da Alemanha e do Japão, para sua “máquina de acumulação”, em escala global. E, ao mesmo tempo, contribuiu para transformar a Ásia no principal centro de acumulação capitalista do mundo, transformando a China numa economia nacional com enorme poder de gravitação sobre toda a economia mundial.

Esta nova geometria política e econômica do sistema mundial, se consolidou na primeira década do século XXI, e deve se manter nos próximos anos. Os Estados Unidos manterão sua centralidade dentro do sistema como única potência capaz de intervir em todos os tabuleiros geopolíticos do mundo e que emite a moeda de referencia internacional. Desunida, a União Europeia terá um papel secundário, como coadjuvante dos Estados Unidos, sobretudo se a Rússia e a Turquia aceitarem participar do “escudo europeu anti-mísseis”, a convite dos EUA e da OTAN. Neste novo contexto internacional, a Índia, o Brasil, a Turquia, o Irã, a África do Sul, e talvez a Indonésia, deverão aumentar o seu poder regional e global, em escalas diferentes, mas ainda não terão por muito tempo, capacidade de projetar seu poder militar além das suas fronteiras regionais.

De qualquer forma, três coisas se podem dizer com bastante certeza, neste início da segunda década do século XXI:

i. Não existe nenhuma “lei” que defina a sucessão obrigatória e a data do fim da supremacia americana. Mas é absolutamente certo que a simples ultrapassagem econômica dos EUA não transformará automaticamente a China numa potência global, nem muito menos, no líder do sistema mundial.

ii. Terminou definitivamente o tempo dos “pequenos países” conquistadores. O futuro do sistema mundial envolverá – daqui para frente -uma espécie de “guerra de posições” permanente entre grandes “países continentais”, como é o caso pioneiro dos EUA, e agora é também, o caso da China, Rússia, Índia e Brasil. Nesta disputa, os EUA já ocupam o epicentro do sistema mundial, mas mesmo antes que os outros quatro adquiram países a capacidade militar e financeira indispensável à condição de potencia global, eles já controlam em conjunto cerca de 1/3 do território, e quase 1/2 da população mundial.

iii. Por fim, a definição da estratégia internacional do Brasil não depende da “taxa de declínio” dos EUA, mas não pode desconhecer a existência do poder americano. Assim mesmo, gostem ou não os conservadores, o Brasil já entrou no grupo dos estados e das economias nacionais que fazem parte do “caleidoscópio central” do sistema, onde todos competem com todos, e todas as alianças são possíveis, em função dos objetivos estratégicos do país, e do seu projeto de mudança do sistema mundial.


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Comentários

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Nilva

Por isto não assisto a Globo, há muitos anos.

WILSON STANFORD

AZENHA,
Esta merece manchete !!!
É o Brasil decolando !!! Exportação mensal de petróleo explode.
A continuar neste ritmo, serão mais de 30 bilhões de dolares anuais de receita em petroleo.
Deu na Folha e no Globo:
03/01/2011 – 19h23
Exportação de petróleo pelo Brasil sobe 192% em dezembro
As exportações de petróleo do Brasil em dezembro somaram 5,47 milhões de toneladas, contra 1,87 milhão de toneladas em dezembro de 2009, uma alta de 192%, segundo dados divulgados nesta segunda-feira pela Secex (Secretaria de Comércio Exterior).
Em valores, as exportações de petróleo somaram mais de US$ 2,8 bilhões, contra US$ 923 milhões um ano antes.
Em novembro de 2010 o país havia exportado 2,631 milhões de toneladas de petróleo.

edv

Uma das sutis estratégias do imperialismo, que vem pelo menos desde Roma, é o controle de outros povos e nações por elementos internos, arregimentados como aliados (óbvio que descartáveis, como por ex. Sadam). Átila acabou sendo uma pedra no sapato … e deu-se a Idade Média (ou Escura…).
Etsa estratégia preferencial é mais barato manter e dá menos desgaste, em relação aos "inevitáveis" domínios ostensivos pela força (ex: Iraque).
Dentre os diversos desafios que o Brasil tem (educação, saúde, moradia, etc.), um dos relevantes é acabarmos (institucionalmente) com esta dissimulada tentativa de "aluguel" corretado e administrado por elites medíocres e seu PIG.
Lula iniciou pelo resgate do amor próprio ao país e ao seu povo.
Precisamos agora de alguns exemplos lapidares para que a nação trate traidores como traidores (sempre institucionalmente).
A investigação e eventual processo e condenação de meia dúzia de ícones seria didática e consolidatória.
Imagine-se o efeito educacional e cultural de termos eventual e finalmente, presos, por traição grave aos interesses da nação, ex-presidentes, candidatos à, empresários de mírdia (com r) e comunicações, juízes, parlamentares, jornalistas e outros tantos? No "primeiro mundo" dá morte ou perpétua!
Quando chegarmos à este ponto, nossa personalidade como nação de primeiro escalão estará consolidada.

ana cruz

Yes, we can!
Muito pior do que os grilhões externo são os internos. O PiG e a elite trabalharam diuturnamente para que o povo brasileiro não se libertasse do complexo de vira-lata. Como um mantra, repetiam que o Brasil era um pais do futuro e que sempre seria; que o problema do Brasil era o povinho que o habitava, etc. Foi necessário um homem do povo, operário oriundo de uma das regiões mais miseráveis do Brasil, para que o povo brasileiro quebrasse os gilhões que o prendiam a caverna da ignorancia e subserviencia. Acordamos. O PiG e elite não mandam mais!

alirio

Uma coisa é certa: não será com os 'comentaristas/especialistas' desses programas de televisão que poderemos compreender a situação política global.
Na maioria, são tendenciosos e arrogantes.

    augustinho

    esses especialistas, jornalistas ou comentaristas (leitao, magnoli, betting) sao – no dizer feliz de chris hedges, os " cortesaos corporativos" de nossa epoca.

    Florival Scheroki

    Esse zoológico de idéias tiranossáuricas: Lobo, Leitão Magnoli, hipo_alguma coisa…Mas, caro colega, a que espécie pertence as ideias de Magnoli para estar neste zoológico? E que ideias e SU-jeitos debochados!!!

Edson

Ontem assisti ao documentário da Bandeirantes sobre a Era Lula. Acho interessante que o Demétrio Mangnoli fopi elevado à condição de Cientista Político. Já não é Sociólogo. Que bom! Seu sorriso ao demostrar algumas falhas ou erros mesmo do Governo Lula pareceu revelador de sua posição "imparcial"
Ao comentar que o Brasil não deve ter que se meter no Oriente Médio mostrou sua condição de paciente a precisar de uma consulta com Nélson Rodrigues para acabar com seu "complexo de vira-latas"

ZePovinho

Os EUA querem as coisas desse modo:
http://pedroayres.blogspot.com/2011/01/auge-o-dec

Petróleo, gas, minerales estratégicos, biodiversidad

Fue nada menos que Colin Powell, el Secretario de Estado de George W. Bush quien dijo, a propósito de la obstinación de la Casa Blanca para lograr aprobar el ALCA, que: "nuestro objetivo es garantizar para las empresas estadounidenses el control de un territorio que se extiende desde el Ártico hasta la Antártica y el libre acceso sin ninguna clase de obstáculo de nuestros productos, servicios, tecnologías y capitales por todo el hemisferio."15 ¿Irrelevantes? Nótese la importancia de nuestra región como un gigantesco mercado para las inversiones estadounidenses, grandes oportunidades de inversión, fabulosas expectativas de rentabilidad posibilitadas por el control político que Washington ejerce sobre casi todos los gobiernos de la región, y todo esto en un territorio que alberga un repertorio casi infinito de recursos naturales de todo tipo……………………

Da mesma forma como queriam nossos recursos,com a ALCA,se apoiando nessa oligarcada que se contenta com uma propina de 10% para entregar o Brasil(PSDB-DEM),o fazem no Turcomenistão,Paquistão e Afeganistão para garantir um oleoduto que extrai petróleo e gás do Mar Cáspio.Nesse empreendimento,a família de Bin Laden e Bush são sócios:
http://rickrozoff.wordpress.com/2010/12/19/nato-t

On December 11 the presidents of Afghanistan, Pakistan and Turkmenistan and the energy minister of India met in the Turkmen capital of Ashgabat to bring to fruition fifteen years of planning by interests in the United States to bring natural gas from the Caspian Sea to the energy-needy nations of South and East Asia.

Presidents Hamid Karzai, Asif Ali Zardari and Gurbangulu Berdimuhammedov along with Indian Union Petroleum and Natural Gas Minister Murli Deora signed agreements – an Inter-Government Agreement and the Gas Pipeline Transmission Agreement – to construct a natural gas pipeline from Turkmenistan through Afghanistan and Pakistan to India. The initials of the first three countries involved lend themselves to the project’s acronym: TAP, now known as TAPI…………..

monge crédulo

NA MÕSCA!.Crescer internamente, é uma necessidade para poder nefrentar os embates externos.
A USA/UK não abdicarão do poder colonial da noite para o dia e, detém, o poder nuclear, que todos
tem que conquistar, para poder negociar, Nesse jogo com tarântulas; se vacilar
Sr, navegante J.B. waack é desvairado e herege. A covardia o trans formou em vampiro da globo,
cuspindo assim sobre seus antigos ideais comunistas. O comunismo não ruim; a cabeça de alguns
seres humanos é que é. Quando degringolam dá nisso. TRISTE1

Gerson Carneiro

Itália ameaça sanções ao Brasil: não vai mais mandar conteineres de lixo para cá.

    Jairo_Beraldo

    Mas vai fazer a FIAT/FERRARI continuar a sacanear com os pilotos brasileiros…TE CUIDA, MASSA!

edv

Concordo, já que embora "emocionalmente" factual, ninguém deve se preparar para competir apenas torcendo pela queda do concorrente. A preocupação do Brasil deve ser a de se tornar uma nação com pessoas desenvolvidas em todas as suas acepções. O resto é consequência!

Só acho que a China pode sim superar, em muitos aspectos, os EUA. Economia e tecnologia, quase certamente. Militar e politicamente, espero NÃO que ela cresça, mas que os EUA baixem a bola….

Tendemos a olhar a China revolucionária de Mao, do século passado, esquecendo que são uma cultura milenar admirável e que aproximadamente 1 em cada 5 habitantes do planeta é Chinês…

PS: A não ser que haja uma interreferência populacional, a inferência de tamanho talvez deva pressupor Austrália e Canadá (Common Wealth) como candidatos, já que a não podemos esquecer que o mundo de hoje tem muito do extinto "Império Britânico onde o sol nunca se punha"…

mariazinha

Adoro observar como se movimentam como se fossem peças de um xadrez global. Os diálogos serão importantes daqui para frente mas as armas poderosas e países como israel ainda ameaçam as confabulações para conciliações.

augustinho

'..criou uma extensa rede de alianças e uma infra-estrutura militar global, que lhe permite um controle quase monopolico…"
Verdade.
E a infra estrutura militar foi criada pela montagem de um deficit orçamentario ANUAL de 800 e tralalá bilhoes de dolares (defesa) financiado pela compra dos Treasuries pela china, japão e muitos etceteras. E pelo US$ como moeda de reserva internacional. Ja a rede de alianças é montada por meios diversos, desde a adesao pura e simples, da semelhança de padroes e valores ,como da Alemanha, UK, japão, até os metodos de convencimento francamente heterodoxos… como colombia, honduras, egito ou Kosovo.
Treasuries e heterodoxia estão ai. Porem sabe-se que o mundo dá voltas.

Jairo_Beraldo

Vi no programa PAINEL da GloboNews ontem, comandado pelo Waack, que o Brasil é um atrevido em estar neste rol de países que "ditam" a ordem economica mundial hoje. A forma com que Waack conduziu o programa, me mostrou um desequilibrado, um insano que precisa urgentemente buscar ajuda psiquiatrica. Ele se deixa levar por "amigos americanos" que dizem que o Brasil NADA fez em relação a infraestrutura. Que não mudou nada na economia, e que esse crescimento social e ecoomico e os números do PIB é coisa fantasiosa e maquiada. Queria entender em que planeta vive Waack. Que tipo de louco ele é.

    mariazinha

    Concordo, Beraldo, não aguentei até o fim. Cara parcial! Cheguei a achar que seria um espião alienígena, querendo a derrocada do BRASIL. E não para por aí, teremos outros momentos torturantes até 2014. São tão comprometidos com os alienígenas que podemos confundi-los com traidores do BRASIL. Depois veio um baixinho, jornalista pernóstico contestando a política externa brasileira, verdadeiro vexame e como se comprometem com os alienígenas!

    edv

    Waack me lembra vômito…
    Waaaaaaaaack!

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