Flavio Lyra: Davos, a serviço das grandes corporações internacionais

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“Davos é apenas mais um instrumento de articulação dos interesses capitalistas”: Entrevista com Flavio Lyra

por Rennan Martins, no Desenvolvimentistas, via e-mail

O glamoroso Fórum Econômico Mundial de Davos iniciou ontem e são previstas atividades até o próximo sábado. Todo ano os magnatas se juntam nos Alpes para de discutir seus interesses e promover a imagem de suas empresas, aproveitando é claro pra dar os já desacreditados discursos de que possuem algum compromisso com o mundo que lhes cerca.

Enquanto isso, a desigualdade atinge níveis ainda mais alarmantes, as projeções da Oxfam – ONG especializada em estudos de riqueza e desigualdade – são de que em 2016 o 1% ultrapassará os 99% em riqueza absoluta, concentradíssima. Aqui no Brasil diversos analistas muito bem adestrados, defensores incondicionais da plutocracia, perdem tempo com críticas a presidenta por conta dela ter preferido a posse de seu colega e presidente da Bolívia, Evo Morales, ao Fórum dos privilegiados.

Para discutir a conjuntura internacional e os dilemas da economia neste ano ainda em início, entrevistei o doutor em economia pela Unicamp, Flavio Lyra. O heterodoxo Lyra duvida da capacidade do Fórum de dar respostas concretas aos problemas socioeconômicos atuais, faz pesadas críticas a guinada conservadora da política econômica nacional e crê que ela acarretará em recessão e desemprego.

Confira:

Diante dos novos rumos que o ministro Joaquim Levy tem dado a economia, o Brasil se aproxima ou afasta do Fórum de Davos? Quais são as vantagens e desvantagens de se alinhar aos ditames ortodoxos?

Tanto na teoria, quanto na prática o pensamento neoliberal está em profunda crise, pois já não consegue dar respostas minimamente convincentes para a grande e crescente concentração da riqueza e da renda no mundo e para a incapacidade das economias desenvolvidas de se manterem crescendo, haja vista a estagnação da Europa e do Japão e a, ainda, indefinida situação dos Estados Unidos. O Forum de Davos vai ter que dar muitas cambalhotas para tentar desvencilhar-se do contundente discurso de Thomas Piketty, em seu já famoso “Capital no Século XXI”, que mostra claramente a forte propensão à concentração da renda e da riqueza no mundo. Isto num contexto de estagnação econômica.

O ministro Joaquim Levy e os ortodoxos que o cercam, meteram-se numa grande arapuca, porquanto, escravos de um pensamento econômico em crise, estão sendo chamados a dar resposta a problemas para os quais não estão preparados, pois o desgastado discurso da austeridade fiscal está desmoralizado pela experiência recente da Europa. Até parece que Dilma, agiu maquiavelicamente, ao entregar Levy a corda para ele se enforcar, pois não dá para vislumbrar nenhuma chance de recuperar o crescimento da economia brasileira com um choque fiscal que vá diminuir a demanda interna num momento de estagnação do comércio internacional e de baixa competitividade da indústria brasileira. Quando a crise se aprofundar, Levy corre o risco de ser enxotado pela mesma elite que ainda está batendo palmas por sua designação para o comando da economia. É uma questão de meses.

Os neoliberais mais espertos já estão preparando o discurso para se defenderem do fracasso do “arrocho fiscal”. Uns, como Monica de Bolle, já afirmam que é preciso maior abertura da economia, outros estão dizendo que é preciso realizar mais ajustes microeconômicos, sem o que a situação pode piorar. A verdade é que já estão colocando os salva-vidas para quando o barco afundar.

Se os economistas heterodoxos nos chegam a parecer confusos, por vezes, os ortodoxos estão inteiramente perdidos, pois não sabem como conciliar os interesses do capital financeiro, aos quais são, indiscutivelmente, submissos e os interesses do capital produtivo crescentemente em dificuldades, face ao excesso de capacidade produtiva na economia internacional.

Como se explica o paradoxo entre o discurso de Dilma durante as campanhas e a prática adotada após a reeleição? Por que o governo deu uma guinada conservadora?

Não vejo uma resposta simples. Minha hipótese é que o grupo político que cerca a presidente percebeu que não havia clima político na sociedade para prosseguir com a orientação que vinha sendo adotada, embora se trate de uma orientação que procurava conciliar aspectos ortodoxos e heterodoxos da política econômica. Entregaram os anéis com medo de entregar os dedos. Uma interpretação maquiavélica, entretanto, não está fora de cogitação: na suposição de que o arsenal de política econômica ortodoxa vai agravar a crise, caberia aguardar o momento propício para retomar as políticas heterodoxas, sob as pressões da sociedade, insatisfeita com o agravamento da crise. Trata-se esta, porém, de uma aposta arriscada, pois o agravamento da crise pode muito bem ser atribuível à gestão de Dilma que, supostamente, não permitiria realizar todos as reformas neoliberais consideradas necessárias.

A presidenta Dilma preteriu o Fórum Econômico a fim de comparecer a posse do presidente boliviano, Evo Morales. O que indica essa atitude? Como podemos interpretá-la?

Dá para supor a intenção de não se comprometer com a política econômica que está sendo colocada em prática, por considerá-la com grande probabilidade de fracassar.

Quais são as perspectivas para a economia brasileira em 2015? É possível retomar o crescimento ainda esse ano?

O quadro recessivo só vai aprofundar com o aumento dos juros, o corte dos gastos públicos e a retração do BNDES. A inflação vai acelerar-se. Mas, tudo isto faz parte do manual neoliberal, que visa atingir o emprego e os salários, na esperança de melhorar a competitividade da produção industrial. Esperança vã, a meu ver, pois a queda da demanda interna vai aumentar os custos unitários.

A indústria brasileira será beneficiada pela subida do dólar? A retração tem chance de ser revertida?

Tenho dúvidas que o dólar vá se valorizar, principalmente agora que a Europa e o Japão vão afrouxar a política monetária para tentar sair da recessão. A recuperação da competitividade da indústria brasileira vai ter que ser buscada pelo aumento do investimento, a inovação tecnológica e a redução de custos dos serviços, inclusive de infraestrutura.

Quais são os efeitos do ajuste econômico que está entrando em vigor?

Vai produzir recessão e gerar um clima de protestos e acirramento dos conflitos entre grupos e classes sociais. Lamentavelmente, o presidente da Fiesp continua pleiteando a redução da carga tributária como a solução dos problemas da indústria.

A ONG Oxfam, especializada em estudos de desigualdade e distribuição de riqueza, afirma que em 2016 o 1% acumulará mais recursos que os 99% restantes da população. Como chegamos a esse ponto? Quando o bolo finalmente será distribuído?

Conforme mostra Thomas Piketty, em seu livro ” Capital no Século XX!”, não há como ser diferente enquanto o crescimento da renda do capital se der a taxa mais alta do que a taxa de crescimento econômico. Mantidas as instituições atuais a renda do capital alcança 5% ao ano, e o crescimento econômico médio, sequer se aproxima dessa taxa. As instituições na etapa atual do desenvolvimento capitalistas estão organizadas para privilegiar a valorização do capital financeiro.].

Apesar de a desigualdade ser um tema cada vez mais pautado, pouco se vê de medidas práticas para combatê-la. O debate econômico precisa de mudanças? Que caminhos e ideias precisamos discutir mais?

Não vejo saída para questão da desigualdade, sem mudanças políticas importantes que reforcem a participação da população no poder e nas próprias organizações econômicas. Só o avanço democrático pode abrir espaço para tais mudanças.

O Fórum de Davos tem capacidade de enfrentar os dilemas da segunda maior crise do capitalismo? Porque?

Tenho seriíssimas dúvidas! Davos é apenas mais um instrumento de articulação dos interesses capitalistas, para reforçar o poder das grandes corporações internacionais no controle da economia mundial e no fortalecimento do capital privado internacional.

Leia também:

Paulo Nogueira: Por que Dilma preferiu a Bolívia a Davos


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C.Paoliello

Paul Craig Roberts: Já é tempo do Irã dizer “adeus” ao ocidente

http://www.paulcraigroberts.org/2015/01/26/time-iran-tell-west-goodbye-paul-craig-roberts/

C.Paoliello

Nouriel Roubini em Davos: EUA legalizaram a corrupção:

http://news.firedoglake.com/2015/01/21/taken-for-granted-at-davos-that-us-government-run-on-legalized-corruption/

    Conceição Lemes

    Algum abnegado se dispõe a traduzir para o português este texto do Roubini? abs

FrancoAtirador

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SOCIEDADE DO TRABALHO E DESFILIAÇÃO SOCIAL

A partir dos anos 80, o mundo vem passando por mudanças significativas que não apenas sacralizam o Mercado e satanizam o Estado, mas produzem um coletivo de ‘Desfiliados Sociais’.

Mais do que trabalhadores sem emprego ou perspectivas de consegui-lo, tratam-se de homens e mulheres ‘esquecidos’ à margem da sociedade, como desvalidos sociais sem lugar e sem garantias cidadãs frente a um Estado cada vez mais hermético às suas responsabilidades sociais.

O objetivo deste ensaio é, pois, refletir sobre a dinâmica das relações sociais de produção capitalistas e os custos sociais de um exército de esquecidos, imersos na vulnerabilidade e provisoriedade das relações cotidianas, marcadas pela hegemonia do neoliberalismo, da cultura pós-moderna e das restrições à política como prática coletiva orgânica.

O desafio, neste cenário, é recuperar formas de coesão e solidariedade societal e o Estado socialmente responsável.
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NEOLIBERALISMO E FALÊNCIA DO ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL

A apreensão do impacto das transformações ocorridas a partir dos anos 70
implica em compreender as particularidades das relações envolvidas,
em suas múltiplas e combinadas expressões.

Primeiramente porque uma sociedade fundada sobre o trabalho
converteu-se em uma sociedade marcada pela escassez e/ou precariedade de trabalho;

em segundo lugar, porque os valores societais baseados na solidariedade
foram esgarçados, a ponto de produzir relações de aparente ‘anomia’
(para utilizarmos um conceito durkheimeano);

em terceiro lugar, porque o individualismo ultrapassou qualquer referência
de singularidade e direito civil, para avançar para manifestações abertamente egoístas e socialmente excludentes;

em quarto lugar, porque a redução do papel do Estado
restringiu-se às suas responsabilidades sociais,
mas não alcançou suas estreitas relações de patrocínio ao capital;

em quinto lugar, porque o discurso que envolve a Globalização Econômica,
apresentando-a como inexorável, adéqua-se perfeitamente à orfandade política
decorrente da derrocada do Leste Europeu e a conseqüente sentença de morte
que acompanhou qualquer projeto político e social alternativo ao Capitalismo;

em sexto lugar, porque o sentimento de impotência e indiferença política
se ajusta perfeitamente à cultura pós-moderna, com sua apologia ao relativismo,
à bricolagem explicativa, à emotividade e ao individualismo,
além da efemeridade das relações e das imagens;

em último lugar, porque o ideário neoliberal não somente criminaliza os movimentos sociais,
senão que condena o Estado Social e as políticas de caráter universalizante,
pela crise econômica e de “governabilidade”.

Conseqüentemente, a crise vivenciada pelo Estado de Bem-Estar Social
não decorre de um fenômeno localizado e pontual,
mas de uma combinação explosiva de movimentos que convergem
para uma retração da política como exercício coletivo intra e extrainstitucional,
que promove a contração do estatuto da cidadania,
seja como gozo do direito ao trabalho,
seja como garantia do direito à seguridade social universal.
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O INDIVIDUALISMO ANTICOLETIVO E A PRIVATIZAÇÃO DA CIDADANIA

Tony Judt registrou seu assombramento
com o fascínio que a desigualdade social
tem provocado em amplas parcelas sociais:

“Uma coisa é viver em meio à desigualdade e suas patologias;
outra bem diferente é se alegrar com elas.
Por toda parte há uma Propensão Escandalosa
à Admiração da Extrema Riqueza
e ao Consentimento com seu ‘Status’ de Celebridade”
(JUDT, 2011, p. 33)

As transformações no modelo produtivo que ganharam o mundo,
principalmente a partir dos anos 70, produziram mais do que a substituição ou o hibridismo [Fordismo/Toyotismo] com relação ao modelo anterior.

A profundidade das mudanças trazidas pelo modelo japonês
– combinado com outros movimentos de igual impacto,
como a cultura pós-moderna, a globalização econômica e o ideário
neoliberal –
provocou, para além da reestruturação produtiva, o aprofundamento
do desemprego,
do incremento da terceirização, da precarização das relações de trabalho, do crescimento da informalidade laboral e da fragilização das entidades sindicais.

Além disso, trouxe também um processo de ‘Desidentidade’ Social,
ou de “Desfiliação”, como define Robert Castel (2005).

A profundidade dessas transformações é ainda maior quando dimensionada
frente ao encolhimento das responsabilidades sociais do Estado
e da chamada “Privatização da Cidadania” (DUPAS, 2005)*.

A redução das responsabilidades sociais do Estado de Bem-Estar Social
engloba desde a redução dos investimentos destinados à educação e à saúde,
com sua consequente privatização ou “concorrência” com a iniciativa
privada;
a aplicação de políticas focalizadas, destinadas às parcelas mais vulneráveis da sociedade;
e mesmo a imposição de regras que retiram do trabalhador – amparado pelo seguro social –
o direito de ‘escolha’ sobre as condições de salário e trabalho,
na medida em que a recusa implica em perda do benefício.

Consequentemente, aqueles denominados “supranumerários” (CASTEL, 2005)
acabam não só privados do acesso ao trabalho como tornam-se as principais vítimas
desse encolhimento estatal quanto às garantias cidadãs que o Estado de Bem-Estar Social
– especialmente europeu – incorporou durante o período de seu apogeu.

*(De acordo com Dupas (2005, p. 177), a “Privatização da Cidadania”
é produzida pela “crescente influência das lógicas organizacionais e das redes,
onde o processo de ‘Dessimbolização do Mundo’ passa a ter o economicismo
e o tecnocratismo como referências centrais. […]
A Crise da Civilidade e a Intensificação do Narcisismo levam, assim,
a uma emancipação do indivíduo de todo enquadramento normativo,
a uma aversão à esfera pública e a sua consequente degradação”).
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A BANALIZAÇÃO DO MAL SOCIAL

Assim, se o período de 1945 a 1975 representou o apogeu
do Estado de Bem-Estar Social e, com ele, a consolidação democrática
nos países centrais e o ‘pleno’ emprego, o período que lhe deu sequência
representa o seu contrário.

Afinal, como questiona Tony Judt:

“O que a Confiança, a Cooperação, a Taxação Progressiva
e o Estado ‘Intervencionista’ legaram às Sociedades Ocidentais
nas décadas seguintes a 1945?”

Pergunta que, de forma resumida, o próprio autor responde:

“[…] em vários graus, Segurança, Prosperidade,
Serviços Sociais e Mais Igualdade…”
(JUDT, 2011, p. 75).

Mas se esse foi o legado, como é possível compreender “a tolerância
de uma sociedade democrática para com a invalidação social”,
como questionou Castel (2005)?

A resposta, dentre outras coisas, deve ser buscada no que Dejours (1999)
classifica como “Banalização do Mal” (amparando-se no conceito desenvolvido
por Hannah Arendt, Dejours promove sua releitura ajustando-o
às manifestações contemporâneas de experiência do mal e sua consequente tolerância social).

Para esse autor, a adesão (generalizada) à causa economicista permite uma dissociação
entre adversidade e injustiça e, consequentemente, uma tolerância
para com o infortúnio e o sofrimento de milhares de concidadãos (*).

Nas suas palavras:

“[…] há uma clivagem entre sofrimento e injustiça. Essa clivagem é grave.
Para os que nela incorrem, o sofrimento é uma adversidade, é claro,
mas essa adversidade não reclama necessariamente reação política.
Pode justificar compaixão, piedade ou caridade.
O sofrimento somente suscita um movimento de solidariedade e de protesto
quando se estabelece uma associação entre a percepção do sofrimento alheio
e a convicção de que esse sofrimento resulta de uma injustiça
(DEJOURS, 1999, p. 19).

(*) O autor sublinha que a separação entre adversidade e injustiça
“não resultaria, como se costuma crer, da mera resignação
ou da constatação de impotência diante de um processo que nos transcende,
mas funcionaria também como uma defesa contra a consciência dolorosa
da própria cumplicidade, da própria colaboração e da própria responsabilidade
no agravamento da adversidade social.”
(DEJOURS, 1999, p. 21).

Se a adversidade é associada à dor particular (e circunstancial) do ‘outro’,
e a injustiça a um ferimento que ofende, primeiro, aos pressupostos da moral coletiva
e, assim, demanda reação política, a grande questão que se coloca é
como revitalizar os laços de solidariedade social em uma sociedade
cada vez mais individualista e refratária às ações políticas coletivas.

Tem-se, assim, que o desinteresse pela política e pelas questões de interesse público,
por parcelas cada vez mais expressivas da sociedade,
comporta mais do que gerações avessas aos problemas de relevância coletiva.
Implica na consagração de jovens e adultos cada vez mais devotados às questões particulares
e à exposição (ou acompanhamento) da vida privada como forma de prestígio
social.

Nessa perspectiva, o público como expressão de interesse coletivo
é esvaziado de sentido e passa a representar, tão somente, hiper-exposição.

E nessa condição, quanto mais invasiva for a exposição da privacidade
pessoal ou alheia, consentida ou usurpada, mais ela conquista atenção.

Como observou Bauman (2000, p. 71):

“[…] o ‘público’ foi despojado de seus conteúdos diferenciais
e ficou sem agenda – não passa agora de um aglomerado de problemas e preocupações privados.
É uma colcha de retalhos de anseios pessoais por ajuda
para dar sentido a emoções e estados de espírito privados ainda inarticulados,
por instruções sobre como falar dessas emoções em linguagem que os outros entendam
e por conselho sobre como lidar com a série de experiências
que os indivíduos acham tão difíceis de encarar.
A lista de ‘questões públicas’ não difere da de ‘questões pessoais’
nem aquela é mais rica que a ‘soma das parcelas’.”

Paradoxalmente, essa colcha de retalhos – tão adequada à cultura pós-moderna –
serve de base para as inúmeras manifestações de individualismo exacerbado
que perfazem o ‘homo economicus’ neoliberal.

Ao elevar a emoção como parâmetro organizacional de várias relações contemporâneas,
os interesses particulares alforriam-se das exigências solidárias
que a vida societária impõe como padrão comportamental (moral coletiva).

Nessas condições, o agir econômico e o agir social interagem
não sob a forma do utilitarismo econômico,
a partir do qual o interesse individual promove o bem coletivo,
mas promove o interesse individual como valor social.

(Considerando a história recente, especialmente brasileira,
é possível perceber as transformações ideológicas
que acompanharam a percepção social sobre o lucro capitalista.
Se durante um período ele era referenciado com certo pudor,
posto que era claramente associado à exploração dos trabalhadores
– efeito da atuação das organizações coletivas e das teorias classistas -,
com o passar do tempo, o lucro passou a ser reverenciado
não somente como objetivo legítimo, mas como um valor em si mesmo.)

Porém, as consequências da retração política e do individualismo exacerbado
comprometem, também, as bases da sociedade democrática.

Não somente porque a democracia requer igualdade de direitos e liberdades,
independente de traços pessoais e suscetibilidades, mas porque o princípio da maioria
pressupõe a sujeição individual à vontade majoritária
– o que pode parecer contrapor-se ao idealismo individualista,
que se ressente de qualquer disciplina coletiva que cerceie a irrestrita liberdade pessoal.

Afinal… “esse ‘Mundo Novo’ é o da crescente influência das ‘Lógicas Organizacionais’ e das Redes,
onde o processo de ‘Dessimbolização do Mundo’ passa a ter
o economicismo e o tecnocratismo como referências centrais…
A crise da civilidade e a intensificação do narcisismo levam, assim,
a uma emancipação do indivíduo de todo enquadramento normativo,
a uma aversão à esfera pública e a sua conseqüente degradação,
gerando a progressiva Privatização da Cidadania”
(DUPAS, 2005, p. 177).
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O FASCISMO SOCIETAL

Essa crise do contrato moderno carrega consigo
o que Boaventura define como “Fascismo Societal”,
que, segundo ele, não é “[…] um regime político,
mas antes de tudo um regime social e civilizacional.
[…] Trata-se de um ‘fascismo pluralista’
e, por isso, uma forma de fascismo que nunca existiu”
(SANTOS,1999, p. 51).

Segundo o autor, este ‘Fascismo Pluralista’
se expressa através de seis tipos:

1) Fascismo do Apartheid Social,
que implica na segregação social dos excluídos através de uma cartografia urbana dividida em zonas selvagens e zonas civilizadas;

2) Fascismo do Estado Paralelo,
que consiste em um duplo padrão de ação estatal
nas zonas ‘selvagens’ e nas zonas ‘civilizadas’;

3) Fascismo Paraestatal,
que manifesta-se através da usurpação de prerrogativas estatais
(de coerção e de regulação social) por parte de atores sociais
muito poderosos, muitas vezes com a conivência do próprio Estado,
que ora neutralizam ora suplementam o controle social
produzido pelo Estado [por meio de] duas vertentes principais:
o fascismo contratual e o fascismo territorial;

4) Fascismo Populista,
expresso pela democratização do que na sociedade capitalista é indemocratizável,
através de dispositivos de identificação imediata
como forma de consumo e estilos de vida
que estão fora do alcance da maioria da população;

5) Fascismo da Insegurança,
o qual é alimentado pela manipulação discricionária da insegurança das pessoas
de grupos sociais vulnerabilizados pela precariedade do trabalho,
ou por acidentes ou acontecimentos desestabilizadores,
produzindo-lhes elevados níveis de ansiedade e de insegurança
quanto ao presente e ao futuro, de modo a fazer baixar o horizonte de expectativas
e a criar disponibilidade para suportar grandes encargos,
de modo a obter reduções mínimas dos riscos e da insegurança;

6) Fascismo Financeiro,
o qual representa, provavelmente, a forma mais virulenta de sociabilidade fascista.
Este é o fascismo que comanda os Mercados Financeiros
de Valores e de Moedas, a Especulação Financeira […].
Por ser mais pluralista é também o fascismo mais virulento,
pois seu tempo-espaço é o mais refratário
a qualquer intervenção democrática
(SANTOS, 1999, p. 51-57).

Íntegra em:

ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL E DESFILIAÇÃO SOCIAL
Alair Suzeti da Silveira
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)
(Política & Sociedade – Florianópolis – Vol. 12 – Nº 23 – Jan./Abr. de 2013)

https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/21836
https://periodicos.ufsc.br/index.php/politica/article/view/2175-7984.2013v12n24p145/25562

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FrancoAtirador

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A questão se agrava quando os Chefes de Estado e de Governo

estão a serviço dessas mesmas Corporações Transnacionais.
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No mundo admirável de Aldous Huxley joga-se bridge musical e golfe de obstáculos, ouve-se música sintética e vai-se ao cinema perceptível.

Aqui, as pessoas tomam “Soma” [ou assistem à Globo] para se evadirem do quotidiano.
Não que se sintam cansadas ou infelizes – no “Admirável Mundo Novo” isso não existe, porque todos foram condicionados em centros de incubação para nunca o sentirem.

“Como poderiam importar-se?
Eles nem imaginam o que é ser outra coisa”,
escreve Huxley.
“Eles” são clones cinzentos e tristes, separados por castas
– Alfa, Beta, Gama, Delta –, e trabalham para a produção em massa.

“Comunidade, identidade e estabilidade” é a divisa do Estado Mundial,
numa apavorante visão do futuro.

Quando, em 1931, o autor britânico escreveu “Admirável Mundo Novo”
(um título “roubado” à “Tempestade”, de Shakespeare),
não podia imaginar que esta obra iria mudar – a par de “1984”,
de George Orwell, escrito em 1948 – as utopias do século XX.

Na obra, a nova era começou no ano do primeiro modelo T de Henry Ford,
no século XX.

A Ética e a Filosofia do Capitalismo, a Técnica e a Ciência
ao serviço do homem tornaram-se o lema deste mundo novo –
estamos no sétimo século de Nosso Ford,
o deus pelo qual todos se regem.

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Admir%C3%A1vel_Mundo_Novo#Personagens_Complementares)

Bernard Marx, um Alfa-Mais, e Lenina Crowne, da casta Beta,
decidem visitar uma Reserva de Selvagens no Novo México,
um dos raros espaços do mundo onde ainda há famílias,
onde a vida era quase como a atual [de então, 1931].

Encontram John, o Selvagem, filho de uma mulher
que se perdeu em visita à reserva e aí viveu durante 20 anos.

O Selvagem é trazido para o Mundo Novo como um troféu,
a glória dos investigadores que descobriram o exotismo do mundo perdido.

Inevitável será o confronto entre o Selvagem e o Mundo Novo.
Aqui não há tempo para as paixões, as famílias, a solidão, os sonhos.
Aqui já não há Shakespeare, já não há amor.

Em 1946, Huxley escreveu no prefácio à obra:

“Um Estado Totalitário verdadeiramente ‘eficiente’
será aquele em que o todo-poderoso comité dos chefes políticos
e o seu exército de diretores terá o controle
de uma população de escravos que será inútil constranger,
pois todos eles terão amor à sua Servidão.
Fazer que eles a amem, tal será a tarefa.”

(http://static.publico.pt/docs/cmf2/ficheiros/17AldousHuxley/nlt.htm)
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    FrancoAtirador

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    A IRONIA DO HORROR ECONÔMICO

    Nos Estados Unidos, observa Edmund S. Phelps,
    o emprego é favorecido em detrimento do salário,
    enquanto na Europa favorece-se o salário em detrimento do emprego.

    Talvez. Mas nada, em lugar nenhum, age em detrimento do Lucro!

    Tudo acontece dentro de Mercados Florescentes, e o essencial é que eles não deixem de se expandir cada vez mais.

    Alguém nos explicará o quanto a sua prosperidade é indispensável para o emprego, para o bem-estar geral.

    A menos que julguem mais conveniente não explicar nada.

    Mas, como alternativa ao modo anglo-saxão, existe o modelo europeu.
    Aquele dos ‘luxos desenfreados’ de uma ‘ajuda social orgiástica’!
    O Estado-providência, como se sabe, freqüentemente contrata essas dançarinas em fim de carreira, desempregadas, sem domicilio fixo, que ele sustenta dentro de um luxo culpável.

    As Grandes Empresas e as Organizações Mundiais observam com reprovação
    essas ‘orgias de outra época’, responsáveis por todos os males:
    salário mínimo, descanso remunerado, alocações familiares, previdência social,
    renda mínima, loucuras culturais, para citar apenas alguns exemplos desse desperdício.

    Tantos fundos desviados das finalidades da Economia de Mercado
    para sustentar pessoas que nem pedem tanto.

    Procurar trabalho já basta para preencher uma vida.
    Não encontrá-lo, lhe dá mais tempero.

    Como não lamentar todas as “criações de riquezas” virtuais dilapidadas dessa maneira, lançadas por água abaixo, das quais todos evidentemente teriam tirado algum proveito, nem que fosse a partir das ladainhas sobre os empregos que delas certamente resultariam?

    É totalmente deplorável não poder erradicar mais rapidamente costumes tão vetustos.
    […]
    Os valores em jogo são enormes.

    Os Mercados sabem avaliar os seus. Eles têm os meios para defendê-los.

    Ou melhor – já que não estão mais nesse ponto –, para evitar que sejam freados em seu estupendo avanço.

    Dentro de suas redes, formam juntos uma força unida, poderosa como nenhuma outra coalizão jamais o foi.

    O álibi da concorrência e da competitividade, sempre colocado na frente, mascara,
    pelo contrário, um perfeito entendimento, uma coesão de sonho, um idílio absoluto.

    Sem dúvida, cada firma, e até cada país, finge estar às voltas com a cobiça de predadores congêneres e faz de conta que depende da conduta deles, que é arrastado por eles na sua fuga para a frente.

    São os outros, todos os outros, ouve-se dizer, que impõem a concorrência, suscitam a competitividade, obrigam a segui-los no caminho da desregulamentação geral que instituem: salários flexíveis, quer dizer, achatados, liberdade de demitir, uma série de liberdades usufruídas por todos, a tal ponto que ser diferente deles seria fazer o jogo dos rivais, ir à falência e (aquilo que se procura evitar a todo custo, o coração gela só de pensar) levar consigo… os empregos.

    Daí, para preservá-los, a necessidade imperiosa de demitir livremente (isto é, em massa), de “flexibilizar” os salários (isso está implícito), de deslocar as empresas etc.

    Em suma, de fazer como todo mundo, de seguir o movimento.

    Discurso geral tantas vezes proferido:
    “Sentimos muito, mas fazer o quê? Os outros estão lá fora, com as garras à mostra.
    Essa concorrência, esse mundo louco lá de fora é que nos obriga,
    se não quisermos desaparecer, e conosco os empregos!”.

    Discurso que pode ser traduzido por:
    “Graças aos nossos cuidados conjuntos, tudo se resume ao que julgamos
    racional, eqüitativo e rentável, e que nos une.
    Esse mundo da concorrência é o nosso – iniciado, controlado, administrado por nós.
    Ele impõe o que nós exigimos. Ele é inevitável e forma uma coisa só
    com todos nós que queremos, que podemos, que tomamos tudo, todos juntos”.

    Novo exemplo do “um por todos, todos por um”,
    ao qual corresponde
    o “nada por todos, todos por nada” mundial.

    E sempre aquele mesmo meio de chantagem: o mito dos empregos que, de qualquer maneira, vão se reduzindo; uma redução que seus pretensos defensores ativam com um zelo que não se desmente.

    Em lugar de supostos conflitos, joga-se aqui um único jogo, conduzido na verdade por vários, mas todos aliados em direção a uma mesma meta, dentro de uma mesma ideologia mantida em silêncio.

    Ele se desenvolve dentro de um mesmo clube, único e muito fechado.

    Nele, pode-se ganhar ou perder a partida, criar clãs, hierarquias, inventar regras inéditas, desfavoráveis para alguns, e até mesmo trapacear, colocar armadilhas ou ajudar-se mutuamente, promover querelas, no limite, até apunhalar-se, mas sempre entre si, e todos de acordo quanto a necessidade e bom fundamento do clube, número ínfimo de candidatos admitidos e sua própria preponderância.

    E também quanto à insignificância dos que não estão entre eles.

    A concorrência? A competitividade? Elas são internas ao clube,
    funcionam com a concordância de todos os seus membros. Um assunto íntimo.
    Fazem parte do jogo, que na verdade elas próprias comandam
    e que não interessa aos que são estranhos ao clube.

    Elas não põem em rivalidade uma população contra outra.

    Todas as populações, pelo contrário, têm em comum não fazer parte do clube,
    mesmo que, num súbito acesso de familiaridade, ele pretenda aceitá-las
    como aliadas, quase como sócias, ou até como cúmplices
    que teriam muito a perder ou a ganhar com um ou outro
    dos chamados pugilistas desses pretensos conflitos.

    A partida, na verdade, é jogada sem elas, para não dizer contra elas.

    Uma partida bem policiada, organizada de tal modo
    que os supostos adversários, todos juntos, ganham tudo.

    Concorrência e competitividade não agitam tanto quanto dizem,
    e sobretudo não como dizem, as Empresas e os Mercados.

    As Redes Mundiais, Transnacionais, são por demais imbricadas, entrecruzadas, ligadas entre si para que isso ocorra.

    Trata-se, mais propriamente, de álibis que recobrem um interesse
    que é comum a toda a Economia Privada, e que reside precisamente
    naquelas vantagens, privilégios, exigências, permissividades
    a que ela se diz obrigada por rivalidades terríveis, ameaçadoras,
    quando se trata principalmente de alianças dentro de um mesmo programa
    – de uma vontade comum, administrada de maneira magistral.

    As rivalidades exercem certamente um grande papel na Economia de Mercado,
    mas não nas esferas nem nos níveis que ela costuma indicar.

    O que ela dá como seu resultado provém, ao contrário, da vontade conjunta de todos.

    Composta de um único grupo, ela só poderia estar ainda mais dirigida
    para aquilo que a favorece:

    a exclusão desse mundo do trabalho com o qual não tem mais nada a ver.

    Daí a impaciência suscitada pelas ‘generosidades’ fora de lugar
    das proteções sociais e outras prodigalidades contestadas;
    protestos tão reiterados que acabaríamos aderindo a eles,
    de tanto que são insistentes e agressivos,
    se não nos lembrássemos de que eles não dão nenhuma importância
    àquilo que desaparece por detrás das estatísticas:
    a ampliação do abandono, a acuidade da miséria, a degradação da vida,
    o malogro de qualquer esperança.

    Ignoram também, ou silenciam, o fato de que os ‘auxílios’ em questão,
    essas ‘assistências’ vilipendiadas, expostas como dádivas reservadas
    a alguns privilegiados que deitam e rolam sem pudor nessas minas de ouro,
    são inferiores às despesas necessárias a uma sobrevivência normal
    e mantêm seus “obrigados” bem abaixo da linha de pobreza,
    do mesmo modo, aliás, que muitas aposentadorias e remunerações de estágios,
    contratos subvencionados e outros estratagemas invocados para “cortar as gorduras”,
    só que, desta vez, as lancinantes estatísticas do desemprego.
    […]
    Enquanto isso, há as liquidações.

    Praticam-se cortes enérgicos nos efetivos de todos os lados,
    embora proclamando e prometendo (sempre a gentileza) amanhãs de trabalho.

    Sabotam-se os níveis de vida fazendo apelo à confiança.

    Desintegram-se instituições, degradam-se conquistas sociais,
    sempre, porém, para preservá-las, para dar-lhes uma última oportunidade:
    ‘-É para melhor te salvar, meu filho!’.

    Tudo isso, sempre em nome de catástrofes suspensas, como espadas de Dâmocles
    com as quais somos entretidos sem muitos detalhes, a golpes de ‘déficits’,
    de ‘buracos’ a serem preenchidos com urgência.

    A inquietação administrada, mas em razão de quê?

    Onde foram parar aquelas supostas calamidades prestes a desabar sobre nós
    e nos devorar, se não nos deixamos devorar, antes, por aqueles
    que fizeram essa publicidade? Que precisões nos dão?

    Esse ‘déficit’, por exemplo, que monstro ele representa?

    Exatamente que desastre, o que seria pior que os desastres fomentados pelas medidas destinadas a evitá-lo?

    Não existe uma alternativa pelo menos possível de ser considerada,
    nem que fosse para voltar atrás depois?

    O que se tem em vista? O bom andamento dos Mercados
    ou o Bem-Estar, a Sobrevivência das Populações?

    E, depois, esse dinheiro que está faltando, ele existe!

    Distribuído de maneira muito particular, mas existe.

    Não insistiremos nisso, seria pouco ‘correto’.
    Trata-se de uma simples observação – de passagem, e a passos largos…

    ¿Não se deve antes de tudo
    respeitar o princípio essencial:
    não perturbar a opinião pública?

    Não perturbar o seu silêncio.
    Esse silêncio que se pergunta como foi obtido…
    […]
    Sabemos, por experiência própria, que a barbárie, sempre latente,
    combina de maneira perfeita com a placidez daquelas maiorias
    que sabem tão bem amalgamar o pior com a monotonia ambiente.

    Como se vê, ante certos perigos, virtuais ou não, ainda é o sistema baseado no trabalho (mesmo reduzido ao estado atual) que faz o papel de muralha, o que talvez justifica nosso apego regressivo a algumas de suas normas que não estão mais em vigor.

    Mas esse sistema não deixa de assentar-se sobre bases carcomidas,
    mais permeável do que nunca a todas as violências, todas as perversidades.

    Suas rotinas, aparentemente capazes de atenuar o pior e retardá-lo,
    giram no vazio e nos mantêm entorpecidos naquilo que em outro lugar
    eu chamei de “Violência da Calma” (Forrester, 1980).

    É a mais perigosa, a que permite que todas as outras se desencadeiem sem obstáculo;
    ela provém de um conjunto de opressões oriundas de uma longa, terrivelmente longa, tradição de leis clandestinas.

    “A calma dos indivíduos e das sociedades é obtida pelo exercício de forças coercitivas antigas, subjacentes, de uma violência e de uma eficácia tal que passa despercebida”, e que, no limite, não é mais necessária, por estar inteiramente integrada; essas forças nos oprimem sem ter mais que se manifestar.
    Só aparece a calma a que fomos reduzidos antes mesmo de nascer.

    Essa violência, escondida na calma que ela própria instituiu, sobrevive e age, indetectável.

    Ela cuida, entre outras coisas, dos escândalos que ela própria dissimula,
    impondo-os mais facilmente e conseguindo suscitar uma tal resignação geral
    que já não se sabe mais ao que se está resignando:
    de tão bem que ela negociou seu esquecimento!

    Não existe arma contra ela, a não ser a exatidão, a frieza da constatação.

    VIVIANE FORRESTER
    (“O Horror Econômico”. UNESP. 1996)

    http://marcoalexandredelimasilva.blogspot.com.br/2011/10/horror-economico-de-viviane-forrester.html
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    FrancoAtirador

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    A SERVIDÃO E A ‘DOR NORMAL’

    Hoje, o discurso da competência, expresso, por exemplo,
    em revistas vendidas em bancas de jornais
    [como as das Editoras Abril e Globo]
    se põe a serviço da “violência da calma”,
    dando ‘dicas’ sobre como sobreviver
    nesse mundo competitivo,
    prescrevendo desde cursos e MBAs
    até modos de apresentação pública
    por ocasião de uma entrevista
    de seleção para o emprego.

    Mesmo nos momentos de lazer, dizem essas revistas,
    deve-se buscar a atualização profissional.

    O lazer, afinal, pode, também, ser ‘capitalizado para o trabalho’.

    Frente à ameaça do desemprego é possível suportar trabalhar em empregos e em atividades nos quais é difícil identificar qualquer traço de dignidade, de humanidade.
    E, ainda, naturalizar a dor e o sofrimento impostos pelas condições de trabalho, como evidenciado, por exemplo, no depoimento de uma trabalhadora com Lesão por Esforço Repetitivo (LER) que dizia ter sentido uma “dor normal” no início da síndrome.

    Esse contexto torna-se propício ao não-estranhamento de situações degradantes de trabalho, tais como passar 8 horas por dia cortando a asa direita do frango ou catando papel e latinhas na rua.

    Se se aceita trabalhar e ver pessoas trabalhando nessas condições é porque a ética protestante é forte o suficiente para sustentar a calma, nesta violência.

    A “Violência da Calma” é sintônica
    com aquilo que Dejours (1987)
    chama de “Ideologia da Vergonha”,
    a qual visa encobrir o fato de se estar doente
    e faz suportar condições adversas de trabalho
    em nome do ‘corpo útil’ ao ‘trabalho útil’.

    Uma pesquisa desenvolvida por alunos de graduação em psicologia mostrou que o ‘discurso da competência’ [Meritocracia] alcança os estratos populares (Ackermann et al., 2003).

    Neles, há pessoas que passam de dois a três dias por semana procurando emprego em serviços públicos de recrutamento;
    outras, ainda, dedicam-se a fazer vários cursos de requalificação profissional.

    É possível pensar que essas atividades protegem os indivíduos da angústia frente à ausência de emprego, ocupando-lhes o tempo que seria dedicado ao trabalho, mas, simultaneamente, servem ao tamponamento da reflexão e apreensão crítica de sua situação.

    Alguns entrevistados manifestavam incômodo e receio quando solicitados a pensar sobre o seu desemprego, configurando a suspensão do cotidiano de busca por emprego propiciado pela entrevista como momento de angústia.

    O mesmo discurso da competência está por trás da competição instaurada entre parte dos indivíduos que vivem o desemprego.

    É de se supor que a solidão e a competição incrementem o sofrimento, reforçando as explicações que culpabilizam o indivíduo, fechando o círculo que retém a pessoa na busca de soluções individuais.

    No entanto, esta mesma pesquisa mostrou que há outros modos de enfrentamento do desemprego, norteados por outra lógica, em que a solidariedade, as redes de apoio e o uso do tempo – ausência de dicotomia entre tempo de trabalho e tempo de lazer; uso do tempo, igualmente, em atividades consideradas úteis ou não – se contrapõem ao discurso da competência.

    Estas formas contra-hegemônicas calcadas na cooperação, na solidariedade, na vinculação a redes de apoio, na não-dicotomização de trabalho e lazer, útil e não-útil são preciosas como inspiração para uma psicologia do trabalho e uma clínica psicológica também contra-hegemônicas.

    O sofrimento no desemprego advém do fato de se viver num mundo em que a ideologia burguesa de trabalho é a explicação hegemônica.

    Será que haveria sofrimento relacionado à ausência de emprego numa sociedade na qual o tempo livre, a preguiça e o ócio fossem virtudes?

    A centralidade do trabalho para explicar a sociedade e para compreender a identidade e a subjetividade precisa recuperar a largueza do trabalho como atividade genérica em que o homem inscreve a sua subjetividade no mundo, furtando-se à visão utilitarista.

    Leny Sato; Maria Luisa Sandoval Schmidt
    Universidade de São Paulo
    (Estud. psicol. (Natal) v.9 n.2 Natal maio/ago. 2004)

    http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-294X2004000200019&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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Lafaiete de Souza Spínola

“A recuperação da competitividade da indústria brasileira vai ter que ser buscada pelo aumento do investimento, a inovação tecnológica e a redução de custos dos serviços, inclusive de infraestrutura.”

Se a inovação tecnológica é um fator importante para a recuperação da competitividade da indústria brasileira, precisamos investir alto na educação, principalmente no ensino básico, assunto que tem sido de pouca relevância para governos, para a classe média e muitos que discutem nossos males, mas não apresentam um projeto para transformar o Brasil, começando por essa péssima educação básica.

Alguns, felizmente, têm essa visão:

“No Brasil acompanhamos, nos últimos anos, um ciclo de crescimento econômico
oportunizado pela melhor distribuição de renda, pela melhoria do salário mínimo, pela extensão da previdência para todos, pelo crédito popular e por outras políticas econômicas e sociais. Daqui para a frente, contudo, creio que o crescimento só ocorrerá se houver melhoria na educação. O crescimento pode estancar sem a melhoria na educação.” COEB-2013.

Minha sugestão:

https://www.facebook.com/lafaiete.spinola.3/posts/239669346190481

FrancoAtirador

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DINHEIRO DO PAÍS ESCOANDO PELO RALO PARA OS RICOS NO EXTERIOR

Déficit externo brasileiro em 2014 passou de US$ 90 bi, ou 4,1% do PIB

REMESSAS DE LUCROS E DIVIDENDOS DAS CORPORAÇÕES TRANSNACIONAIS QUE OPERAM

NO BRASIL ATINGIU A CIFRA DE US$ 26,5 BILHÕES DE DÓLARES NO ANO PASSADO.

(Hora a Hora – Carta Maior)
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