Fátima Oliveira: Sobreviver ao jaguncismo exige arte e muita manha

Tempo de leitura: 3 min

Eduardo Cunha

Sobreviver ao jaguncismo exige arte e muita manha

Fátima Oliveira, em OTEMPO

[email protected] @oliveirafatima_

Para especular sobre o que agosto trará na política brasileira, urge recorrer à psicologia do jagunço. Há seis meses, o Brasil vive sob a batuta do sistema jagunço, sem que as forças políticas constituídas pelo voto popular esbocem qualquer coisa que possa ser chamada de resistência.

A impressão é que se quedou ao jaguncismo político até quem não concorda com suas práticas brutas. O jaguncismo mete medo. Vivemos dias de muita tensão. E, pior, não aparece saída no horizonte. Todavia, reli diariamente trechos de “Grande Sertão: Veredas” por acreditar que precisava entender mais da psicologia do jagunço.

Para M. C. Leonel & J. A. Segatto, em “Política e violência no sertão rosiano”: “O universo do grande sertão de Guimarães Rosa expressa um complexo de elementos fundamentais que vigem nas relações humanas e sociais do país e as perpassam historicamente. O ‘sertão aceita todos os nomes: aqui é o Gerais, lá é o Chapadão, lá acolá é a caatinga’ (Rosa, 1978: 370)”.

No último dia 17, o sistema jagunço de poder sofreu um abalo, com a rendição do seu chefe à oposição ao governo diante da possibilidade de a sua vida ser examinada com rigor em busca de rastros, porque até agora ele tem sido o bom caminhante de Lao-Tsé – célebre filósofo da China antiga, autor do “Tao Te Ching”, a obra basilar da filosofia taoista.

Disse Lao-Tsé: “Um bom caminhante não deixa rastros”. A hora do vamos ver é quando agosto chegar. O futuro político do Brasil está em suspenso até lá. Temos tempo para apreender o que quis dizer Guimarães Rosa ao escrever que “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”.

Elizabeth Hazin, professora da UnB, autora da tese de doutorado “No Nada, o Infinito” (da gênese de “Grande Sertão: Veredas”, 1991), diz que “Guimarães Rosa preocupava-se com o fato de serem os jagunços invariavelmente vistos apenas como seres sanguinários, vingativos, sem estofo algum de natureza mais nobre. Era preciso revelar – e só a literatura seria capaz disso – o drama existencial daqueles homens: seus anseios, angústias e inquietações” (“O aproveitamento de resíduos literários no Grande Sertão”, 2008).

Daí porque o velho Rosa é o melhor celeiro para apreendermos a psicologia do jagunço e aquele olhar obsedado que chamou a minha atenção na última eleição da presidência da Câmara dos Deputados, sobre a qual escrevi: “Se Severino Cavalcanti tinha aquele olhar de paspalhão, o de Cunha é puro Hermógenes, um chefe jagunço de ‘Grande Sertão: Veredas’, de Guimarães Rosa, que sequer respeitava as normas/leis da jagunçagem, como disse Riobaldo Tatarana: ‘O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado’” (“Uma República democrática e laica sob o sistema ‘jagunço’”, O TEMPO, 17.2.2015).

Para Riobaldo, o “sistema jagunço” é: “Ah, a vida vera é outra, do cidadão do sertão. Política! Tudo política, e potentes chefias”. E, para quem não leu “Grande Sertão: Veredas”, ou não lembra, Renata de Albuquerque, em “Diadorim e Hermógenes: Jogo de duplos e espelhamento em ‘Grande Sertão: Veredas’”, relembra: ‘‘Hermógenes é ‘fel dormido’. Até porque Hermógenes não precisa ‘impor-se mau’, pois ele assim o é por si mesmo (e por resultado do pacto que fez). Assim, Hermógenes aparece-nos como a excrescência do ambiente do sertão, pois estão nele concentradas, justamente, todas as características que aparecem, por vezes isoladamente, em cada homem da jagunçagem”.

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Comentários

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Urbano

Os bandidos da oposição ao Brasil na verdade são capangas, pois trabalham sempre a soldo…

    Urbano

    Substituamos o ‘pois trabalham sempre a soldo’ por ‘pois trabalham na base do aluguel’.

Loreta Vargas

A ideia de que vivemos sob o jaguncismo político é exata. O texto explica bem. É uma tristeza que o Governo Dilma não consiga comprar a briga contra detratores da democracia. Eduardo Cunha está isolado e vai cair, o intrigante que pelas próprias mãos. Já está pagando o preço de sua arrogância fundamentalista. Não só tem ar de louco, é um louco

andre dias

http://br29.com.br/jurista-diz-que-afastamento-de-cunha-esta-mais-proximo-do-que-se-imagina/
Jurista diz que afastamento de Cunha está mais próximo do que se imagina
Luiz Flávio Gomes, jurista e mestre em Direito Penal pela USP , utilizou sua página do Facebook para divulgar artigo no qual elenca os dez passos que podem levar Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à prisão caso sejam comprovadas as acusações que pesam sobre ele. Na visão de Gomes, ainda que isso demore a acontecer, o afastamento do deputado da presidência da Câmara é iminente. Confira:

Da revista Fórum

1. Julio Camargo (lobista das empreiteiras envolvidas no escândalo da Petrobras), em delação premiada, diz que pagou 5 milhões de dólares de propina ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Fernando Baiano teria levado outros 5 milhões. O doleiro Alberto Youssef já tinha mencionado o deputado como beneficiário de corrupção.

2. A delação só se converte em prova válida quando confirmada por outras provas. A palavra isolada do delator não permite nenhuma condenação. Se tudo for confirmado em juízo (de acordo com o direito vigente), Eduardo Cunha (certamente)irá para a prisão (por muito menos vários deputados petistas passaram pela chamada universidade do crime). A questão é saber quanto tempo isso vai demorar (com a Justiça morosa que temos).

3. Mas não cabe prisão preventiva contra deputados e senadores, desde a expedição do diploma respectivo (CF, art. 53, § 2º). Só podem ser presos em flagrante, em crime inafiançável. Fora do flagrante, nenhuma outra prisão cautelar (antes da sentença final) cabe contra deputado ou senador, os quais compõem uma das castas mais protegidas do país. São (quase)intocáveis.

4. E se Eduardo Cunha (ou qualquer outro parlamentar) ameaçar testemunhas ou delatores ou tentar ocultar provas? Esses são os principais motivos constitucionais para se decretar a prisão preventiva de qualquer mortal, salvo de alguns acusados privilegiados, como os parlamentares(que são tratados como cidadãos distinguidos – trata-se do direito penal “muy amigo”).

5. O que cabe imediatamente contra Eduardo Cunha que estaria se valendo do seu poder (do seu cargo) para coagir testemunhas ou seus familiares e ocultar provas? A polêmica é grande, mas não há dúvida que ele poderia ser afastado da presidência da Câmara, nos termos do art. 319, VI, do CPP (a medida só poderia ser decretada pelo STF, a pedido do Procurador-Geral da República) (o justo receio do uso do cargo para a prática de infrações penais seria o fundamento).

6. Em nenhum país do mundo menos corrupto (os 10 melhores colocados no ranking da Transparência Internacional) a presidência da Câmara dos Deputados seria ocupada por alguém acusado (com provas mínimas válidas) de ter recebido 5 milhões de dólares de propina. A cultura desses países (do império da lei e da certeza do castigo) é totalmente distinta da permissividade que vigora nos países plutocratas, oligarcas e cleptocratas como o Brasil (onde está difundida a ideia e a ideologia de que os privilegiados estão acima da lei).

7. A prisão de Eduardo Cunha (se todas as acusações ficarem provadas) só deverá ocorrer depois de condenação criminal com trânsito em julgado. Antes disso, tem que acontecer uma acusação formal (denúncia) do Ministério Público. A denúnciadeve ser formalmente recebida pelo Pleno do STF. Enquanto os deputados e senadores são julgados pelas Turmas da Corte Máxima (1ª ou 2ª: o caso Petrobras está na 2ª), o presidente do Senado ou da Câmara é julgado pelo Pleno (11 ministros).

8. Ninguém pode ser condenado criminalmente sem provas válidas. As provas são produzidas dentro do devido processo legal. Depois da condenação penal definitiva cabe à Câmara decidir sobre a perda do mandato parlamentar (CF, art. 55, § 2º).

9. Na condenação o STF define o tempo de duração da pena de prisão assim como o regime cabível (fechado, semiaberto ou aberto).

10. Logo após o trânsito em julgado a Corte Suprema emite a carta de guia e o condenado começa a cumprir sua pena, em estabelecimento penal compatível com o regime fixado.

Luiz

Maravilhosa análise. Aliás, buscar inspiração em Guimarães Rosa é sempre bom. Cada vez que buscamos nele essa experiência, nos deparamos com um outro olhar sobre as “Gerais”. Como dizia o próprio Rosa: “jagunço é assim, quando não padece, amolece”.
VIVA O BRASIL.
Para finalizar, parafraseando Catulo da Paixão Cearense: “O cangaço continua, de gravata e jaquetão, sem usar chapéu de couro e sem bacamarte na mão, e mantando muito mais, ta cheio de Lampião”. “Qual o bão entre vocês, de vocês qual o direito, qual o homem de questão, qual o homem de respeito, de cabo a rabo na vida, não tem um homem perfeito.”

Alberto Furtado

Um artigo perfeito! Eduardo Cunha é um jagunço da política, daqueles bem ordinário

Ronan Pimenta

Excelente texto!

FrancoAtirador

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Jagunço em Copacabana?
Na Tijuca? Quem diria?
E até Coronel Bacana
Praia do Leblon teria?
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Uma Profecia Popular
Bem dizia a Maldição:
“O Sertão Vai Virá Mar
E o Mar vai Virá Sertão”
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