Fátima Oliveira e a santa capsaicina

Tempo de leitura: 2 min

Os saberes popular e científico sobre a santa capsaicina

Depois do sal, é o ingrediente culinário mais usado

Fátima Oliveira, em O Tempo

Médica – [email protected]

Os saberes popular e científico sobre a santa capsaicina

Deu o que falar a “A santa ardência da malagueta: comer pimenta é uma arte” (Opinião, 22.2). Desde indagações sobre o valor nutricional, medicinal e afrodisíaco das pimentas sobre diferenças medicinais entre pimenta-do-reino, malagueta e demais do gênero “capsicum”. Recomendo o livro “Pimenta e seus Benefícios à Saúde”, do homeopata e especialista em saúde pública Márcio Bontempo (Editora Aalúde), disponível na internet. Lê-lo fascina pela riqueza dos aprendizados, pois “Depois do sal, a pimenta é o ingrediente culinário ou tempero mais usado no mundo”.

São mais conhecidos dois gêneros de pimentas: o pipere e o “capsicum”. Das piperáceas, originárias do Oriente, a mais famosa é a pimenta-do-reino (Pi-per nigrum), cujo princípio ativo é a piperina; de acordo com a época da maturação, há pimenta-verde, pimenta-branca e pimenta-preta, cujo princípio ativo é a piperina.

Do gênero capsicum conhecemos cerca de 27 espécies, que têm como princípio ativo mais importante a capsaicina, que não se modifica com o calor, álcool, vinagre ou óleo. A malagueta Capsicum frutescens, apreciada nas versões malaguetinha, ou malagueta silvestre ou caipira, e híbrida – maior e mais robusta -, é a mais usada em conservas. Há capsaicina (0,005% a 0,1%) no pimentão Capsicum annuum, o vegetal com mais alto teor de vitamina C, do qual é feita a especiaria páprica (pimentão seco e moído).

As pimentas, além do valor nutritivo, são alimentos funcionais – contêm nutrientes e substâncias de ação protetora e terapêutica. São tidas também como alimentos termogênicos, isto é, que ajudam no metabolismo, queimando calorias com maior rapidez. A pimenta-do-reino apresenta propriedades medicinais semelhantes às “capsicum”. E foram usadas, pelo alegado poder antisséptico, nas fórmulas de embalsamamento das múmias no Egito. No Oriente, há milênios é usada como expectorante e vermífugo, além de remédio para indigestão crônica, febre, sinusite, alterações metabólicas, obesidade, dores musculares e cefaleias.

Há registros de que os incas, astecas, maias, tupis e guaranis usavam pimentas como alimento e remédio. A capsaicina é uma das substâncias objetos de inúmeras e promissoras pesquisas na última década; até para descobrir se atua em cânceres, tendo sido comprovada sua eficácia como analgésico, anti-hipertensivo, redutor de colesterol e anticoagulante, indicado na prevenção de infartos, trombose e acidente vascular cerebral (AVC).

No mercado, há capsaicina em creme e em pomada para artrites (as “antigas dores nas juntas”), sendo muito prescrita na medicina esportiva para tratar lesões, torções e nevralgias.

O uso das pimentas como afrodisíaco é antigo, remonta ao século XVI. Na Renascença, era interditada aos jovens, por ter fama de ser o tempero do amor, capaz de aguçar a sensualidade. Durante séculos, para evitar o desejo sexual, as pimentas em geral eram proibidas a monges, sacerdotes, discípulos e religiosos celibatários. Indianos e chineses alegam que a raridade dos casos de infertilidade masculina entre eles deve-se ao uso regular das pimentas.

Na Calábria (Itália), onde o hábito de comer pimenta “in natura” é a regra, os homens possuem taxas de espermatozoides bem superiores à média mundial. É de lá a receita da medicina tradicional que indica “a ingestão de uma a duas pimentas pequenas (tipo malagueta) por dia, às refeições, sem mastigar, como se fossem pílulas, para casos de esterilidade ou baixa contagem de espermatozoide”.


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Comentários

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JotaCe

Caro Hans,

Parabéns! O trabalho que você apresenta aduz importantes informações aos textos maravilhosos da Dra. Fátima Oliveira, que sabe reunir a arte de escrever bem com aquela de curar ou alimentar bem. Mas, há um outro ponto nele ainda: é que o seu texto, além de acrescentar, desperta também a atenção para aspectos um tanto esquecidos e que muito interessam à nossa cultura. Pode ser visto como uma porta que se descerra para que os profissionais de algumas carreiras, agronomia, por exemplo, continuem no Brasil a memorável obra de De Candolle e escrevam mais sobre a história das nossas plantas cultivadas. Abraços,

JotaCe

Marcelo de Matos

Quem gosta de pimenta é sabiá. Tome cuidado porque se ele sujar em cima do seu carro a pintura fica queimada.

bissolijr

1. médicos não têm cadeiras de nutrição enquanto estudam (claro, o que não os impede de se especializarem nesse estudo específico depois).
2. existem evidências de certos tipos de câncer estomacal em mexicanos, que comem pimenta até como doces.
3. livro de Bontempo que recomendo é "Estudos atuais sobre os efeitos da maconha", de 1980.
5. aaahhhhhhhhhhhhh, valeeeeeuuuu

Hans Bintje

Para complementar o artigo da Fátima Oliveira, texto da BBC ( http://www.bbc.co.uk/blogs/portuguese/amesa/2010/… ):

"Essa é boa, enfim, para contar quando o assunto for pimenta: 500 anos antes da era da globalização, a pimenta ganhou o mundo, levada à Europa por Colombo e depois pelos portugueses à Índia. (…)

Porque arde, a pimenta criou em bela confusão. Culpa de Cristóvão Colombo.

Até o descobrimento das Américas, o nome em espanhol pimiento designava a pimenta-do-reino, fruto seco moído da trepadeira Piper nigrum.

E quando Colombo conheceu a fruta vermelha da planta Capsicum annum, que os indígenas na América Central cultivavam havia milhares de anos, resolveu dar-lhe, por ser ardida, justamente o mesmo nome genérico de pimiento.

Essa é a fruta que conhecemos hoje como pimenta, que tem dezenas de variedades ardidas (malagueta, comari, dedo-de-moça, murupi, scotch bonnet, etc), ou pimentão (que, aliás, é a única Capsicum que não produz capsaicina, o componente natural que dá a sensação de ardor no contato com as membranas mucosas).

E por isso temos hoje duas 'pimentas' distintas (a do reino e a Capsicum) entre os três ou quatro condimentos mais usados no mundo.

Mas curioso mesmo é observar a trajetória pós-Colombo da pimenta Capsicum.

Das Américas (onde era cultivada do México ao norte da América do Sul) ela foi trazida para a Espanha, onde descobriram (nos monastérios, aparentemente) o seu potencial na culinária como excelente substituto para a pimenta-do-reino, então uma especiaria cara e importada.

Os navegadores espanhóis e portugueses levaram a Capsicum para a Ásia, por onde se espalhou e se transformou em um ingrediente popular e querido, do Paquistão às Filipinas.

As cozinhas tailandesa e indiana, por exemplo, seriam outra coisa não fosse essa pimenta – chamada em inglês de chilli pepper. O Sudeste Asiático e o sul da Ásia produzem e exportam hoje vários tipos de chilli peppers – lá no meu supermercado, por exemplo, a tailandesa é a mais comum.

Da Índia vem hoje a pimenta tida como a mais ardida do mundo. Aliás, o prato mais ardido que comi na minha vida foi justamente num restaurante indiano aqui em Londres. Fiz a besteira de pedir um prato descrito no cardápio como very hot, e veio um curry que, mesmo sendo macho pacas, eu não consegui encarar até o fim.

Da Ásia, via Oriente Médio, a pimenta se espalhou para a Turquia e a Hungria, que desenvolveram variantes de pimenta em flocos ou em pó (mencionadas no post sobre o cilbir).

Na minha opinião, a pimenta turca em flocos, também conhecida como aleppo, de ardor moderado (há uma escala para isso, sabiam? a escala Scoville), vai conquistar o mundo. Ela já faz sucesso no Mediterrâneo e no Oriente Médio, e seu uso vem crescendo nos Estados Unidos. Ela é versátil, eu substituo pimenta-do-reino pela aleppo em vários pratos – até na pizza.

Mas voltando à trajetória da pimenta, queria apontar para a teoria que diz que ela chegou à Índia trazida pelos navegadores portugueses – os mesmos que a trouxeram ao Brasil."

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