Fátima Oliveira: A santa ardência da malagueta

Tempo de leitura: 2 min

A santa ardência da malagueta: comer pimenta é uma arte

Mas o turismo destrói nossos costumes alimentares

Fátima Oliveira, em O Tempo

Médica – [email protected]

Minhas filhas dizem que sou a única pessoa do mundo que come pizza com pimenta malagueta. Considero uma privação de prazer comer sem pimenta. Quando fui a Mar del Plata, em 1994, passei uma semana comendo “chilis” desidratadas. Certa vez, em Santiago do Chile, anos 2000, comi tabasco, melhor que pimentas desidratadas, mas não gostei. Passei a levar pimenta malagueta pra onde quer que eu vá. Quando vou comer em casa de pessoas amigas, indago se há pimenta. Algumas se espantam, outras riem. Em restaurante, após dizer o que desejo saborear, invariavelmente peço “pimenta de verdade”: a malagueta. É um ritual de “comfort food” (comida que conforta).

Para alguns, coisa de nordestino pobre – postura reveladora de ignorância gastronômica, pois comer pimenta é uma arte, desde tempos imemoriais. Há registros de seu uso há 9.000 anos a. C.. Hipócrates, o Pai da Medicina, acreditava nos princípios curativos da especiaria aromática picante. Estava certo: as pimentas não encerram apenas sabor e prazer, estimulam o apetite, auxiliam a digestão, possuem valor nutritivo e são fontes de vitaminas A, B, C e E, sendo que as vitaminas C e E e os carotenoides são antioxidantes naturais, sequestradores de radicais livres.

A capsaicina, que dá ardência às pimentas, aumenta a produção de endorfinas – substâncias naturais do organismo indutoras da sensação de prazer; é analgésica, anti-inflamatória e anticoagulante. Segundo pesquisas, na Tailândia e na África, o uso regular de pimentas é responsável pela menor taxa de fibrina no sangue (substância que participa da formação do trombo) e da baixa incidência de tromboembolismo.

A pimenta brasileira é um conjunto de 25 espécies de “capsicum”, com frutos de sabor picante similar ao da Piper nigrum (pimenta-do-reino), especiaria indiana, a rainha das pimentas, que de tão apreciada e valorizada pelo efeito conservante sobre a carne era aceita como moeda – daí a locução “pagar em espécie”.

Os índios brasileiros comiam pimentas e a chegada dos africanos, apreciadores dos sabores picantes, as sedimentou na culinária nacional.

Comer pimenta diz muito da culinária brasileira, menos em Natal (RN). No seminário de fundação da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB, 1994), diante de uma peixada cujo cheiro inebriava a alma, quase tive um troço ao pedir pimenta. A garçonete: “Num tem!”. Perdi as estribeiras: “Um restaurante nordestino sem malagueta?”. E ela balbuciou: “Senhora, aqui não é que nem na Bahia, não! Lá é que em tudo tem pimenta. Quase não usamos. É costume. E também os turistas não gostam!”

“A senhora acha que sou o quê? Eis uma turista que gosta de pimenta!”. E fiquei a esbravejar contra o turismo que destrói nossos costumes alimentares. Terminava o almoço quando a garçonete reapareceu: “Senhora, mandaram comprar a pimenta, mas não acharam. Amanhã comerá com pimenta”. No dia seguinte, estava lá um vidrinho vagabundo de pimenta.

Aprendi a comer pimenta ainda criança. Escondia a malagueta no arroz, já que só adultos e meninos podiam comer pimenta, pois “menina que come pimenta fica quente” – eis o mito do poder afrodisíaco das pimentas, origem da cultura que as interditava para as meninas.

A proibição continua! Não é que não como sem pimenta. Até como, mas tenho o hábito de “apimentar” qualquer comida de sal. Aprecio a santa capsaicina da malagueta e acho a coisa mais sem graça do mundo uma comida sem pimenta.


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Comentários

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jose martins

Você não é a única, não, prezada Fátima. Tempero pizza com pimenta malagueta há 30 anos. Quem não come pimenta, não sabe o que perde. Só não como pimenta com bolo e canja de galinha.
Jose Martins

Flávio Lopes

Interessante o comentário sobre Natal não ter o hábito de comer pimenta. Será devido à 2ª Guerra Mundial que encheu a cidade de pilotos e técnicos de aviação na cidade?

Fátima Oliveira

Depois de tantos comentários de gente que gosta d epimenta, sinto que não estou só.

Edson Barbosa

2 coisas tão comuns que nas minhas ações: "pimenta na pizza" e "pimenta de verdade" que nem pensava que outros o fizessem. Felizmente num texto informativo e indignado encontramos nossos pares, mesmo à distância, via internet.

Zilda

Hmm, malagueta em pó é uma delícia! Basta deixá-la secar e passar na peneira. Na hora de comer é só salpicar sobre a comida. É um arraso!

Gerson Carneiro

É dois.
Sem farinha de mandioca e sem pimenta eu não como. Eu engulo.
E a danada da pimenta malagueta ainda protege do olho gordo.
Quando a Hebe disse que tinha muito olho gordo em cima da Dilma fiquei com vontade de presentear Dilma com um pé de pimenta, e presentear a Hebe com um pé de urtiga.

Ricardo Pereira

Fatima, vc parece um sanhaço, hein? rs
Eu curto pimenta como tempero de pratos nunca o suficiente para mascarar outros sabores. Gosto bastante da cumari, que os passarinhos espalham. Mas de uns tempos pra cá, to impedido de comer por problemas da parte sentante…rs…minha medica me mandou ficar longe de café, chocolate, derivados de leite e pimentas…olha que covardia, né??? Mas de qualquer forma, reconheço o poder e a beleza das pimentas e amei seu texto onde vc demonstra toda sua paixao. Abraçao, dra sanhaço..rs

J.L. Brandão Costa

Eu faço a mimha própria. Receita: pimenta malagueta, da verde e da vermelha, pimenta dedo de moça, e, principalmente a pimenta de cheiro, aquela que parace uma miniatura e abóbora; tem da amarela e da verde. Pnho ambas. E, para macerar, cachaça. Nada de azeite. E se mais variedades houver, tasco dentro tambem.
Obs. o azeite potencializa a força da pimenta, e pode estragar de tão forte que fica. Quem quiser, pode adicionar na hora, esmagando alguns frutos, E sai de baixo.

José Feitosa

Olá!!! Também sou um amante da pimenta, tanto que na minha casa sempre tem um pé, atualmente tenho alguns pés de dedo de moça e um pé de pimenta do reino.

JotaCe

Fátima, parabéns pelo teu maravilhoso artigo e que motivou tão interessantes comentários! E pra você, também, Azenha, que tem admitido no seu blog matérias tão especiais. Apenas para aduzir algo curioso sobre as pimentas em geral: testes conduzidos na Universidade do Novo México (USA), concluiram que a pimenta Bhu Jolokia, da região de Assam (Índia), bateu em 2007 o recorde de ardência (picância) com um milhão de unidades na escala de que a mede, a de Scoville. Certo que malagueta não tem (e nem precisa ter) tanta picância, mas suas propriedades medicinais e seu sabor são muito especiais! Abraços, JotaCe

José Luiz

Magaleta!!!!!!!! Tem alguma vantagem nisso? Pô, precisa experimentar a jalokia. Principalmente um pirão de jalokia com caldo de frango curtido em molho de cumari-do-pará. Aqui nos chamamos esse prato de "inchalingua".
E já tem tempo (uns 2 anos) que como sem jalokia. Na escala, a naga jalokia dá de 50 a 1 na malagueta.
Mas corrija uma informação aí: mesmo comendo pimentas desde criancinha, eu já tive dois AVCs.

Laurindo

Fátima, adorei o artigo. Sou de uma família de dez comedores de pimenta. Aliás, só nove, porque justo eu, por culpa da diverticulose – cólicas intestinais fortes – estou, miseravelmente, parando com esse consumo. Com 79 anos, essa é a minha grande tristeza do momento, mas meu filhos e netos têm me compensado dessa abstenção, consumindo parte da minha parte.
A pimenta, como fruto vermelho, entre outros benefícios, ajuda na prevenção do câncer da prostata, conforme você deixou implícito.
Para mim, a malagueta é a rainha delas todas. Um abraço e obrigado pelo texto.

Klaus Balogh

Eu adoro pimenta de tudo quanto é tipo! Como pimenta em tudo, inclusive geléia de pimenta no sanduíche de mortadela no pão francês fica uma delícia! A pessoa que eu presenciei que comia mais pimenta foi justamente um tia de um grande amigo que era de Natal, a tia. Nunca vi nnguém comer tanta pimenta e com tanto prazer! Sou daqueles que ao ver um vidro de pimenta já começo a salivar!

Raimundo Andrade

Eita,também aprendi comer pimenta muito novinho.Minha mãe me ensinou a saborear um malaqueta verdinha.
É muito bom, principalmente com comida ruuim.

Tania

Fátima concordo com vc em relação ao poder e sabor da malagueta e tb estive em Natal no mês de Janeiro deste ano e não encontrei pimenta em nenhum restaurante e nem, pasmem,,, suco de nehuma fruta regional.

lucia

Fátima,
Apimentar a comida é uma arte.É uma experiênciam sensorial A pimenta acentua o sabor e perfuma o alimento. A pimenta de cheiro e malagueta em pratos com frutos do mar, fazem a diferença. Feijoada, sem um bom molho lambão é incompleta, uma pizza de calabreza apimentada…. huuum! Tenho pena daqueles que não sabem apreciá-las. E ainda faz bem à saúde. Bem, por acaso, sou baiana.

dukrai

Fátima, vc deu azar e é pra matar de raiva, mas não tem um restaurante em Natal que não coloque a pimenta como acompanhante de peixadas, carne de sol e outros pratos regionais. Vc tem certeza que não era uma pizzaria rs ?
Por vias das dúvidas e acontecer um terremoto, tsunami e emergência nuclear, eu tenho dois pés de pimenta malagueta na minha varanda e vou completando o meu vidro conserva com a produção da minha "lavoura".

    Fátima Oliveira

    Dukrai, estive num dos bons hotéis de Natal, quase uma semana

    Klaus Balogh

    Aí a Senhora tocou num ponto importante! Acredito que nos hotéis "bons" (estrangeiros) realmente deve ser difícil achar boa pimenta! A Senhora deveria ter ido na barraca da Dalila no mercado de Teresópolis! Lá te pimenta!

    dukrai

    de onde vc menos espera, é de lá mesmo que não sai nada rs

    Gerson Carneiro

    Agora eu sei "óclinho", porque quando estive em Belo Horizonte tu não me convidou pra ir na tua casa.

drinkamigo

Fátima, não se se você conhece, mas a pimenta comari ( ou cumari, ou combari, já vi muitas variáveis do mesmo nome) é muito boa também, tanto conservada no azeite como no vinagre!

Bem ardida e saborosa!

Vale a pena!!

Antonio Morais

Gostaria de saber se quem tem problema de estômago (gastrite, azia, úlcera, etc) pode comer pimenta.
Agradeço.

    Antônio Aparecido

    Estou com 51 anos. Desde os 12 anos sofri com gastrite e consequentemente úlceras. Me diziam não coma pimenta, nem café nem isso nem aquilo… diziam que leite era bom. Até que conheci o Dr. Sonda, de cascavel PR, acumpunturista, há uns 12 anos atrás. Ele me tratou dois anos, me ensinou a comer e foi a partir daí que minha vida melhorou. Hoje como pimenta, tomo café, tomo vinho, wiski e como carnes a vontade. O veneno para mim era o leite e comer alimentos na sequência errada. Pimenta é bom, pricipalmente a malagueta.

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