Fátima Oliveira e a biologia sintética

Tempo de leitura: 2 min

A biologia sintética projeta novas soluções ou problemas?

O feito que substituiu o DNA natural por um artificial

FÁTIMA OLIVEIRA
Médica – [email protected]

“Transformamos uma célula em outra. É a primeira forma de vida na Terra cujo pai é um computador”, falou John Craig Venter sobre o feito do seu instituto, que substituiu o DNA natural da bactéria Mycoplasma mycoides por um artificial, criado aleatoriamente por computador, e que assumiu o comando da célula!

A façanha é a primeira espécie criada por cientistas e consolida a biologia sintética: biotecnologia que, usando saberes da transgenia, da genômica e outros conhecimentos da biologia, da química, da física, da matemática, da engenharia, da biotecnologia e da informática, cria organismos sob medida: com um novo código genético, a partir de DNA artificial (“Science”, 20.5.2010).

Quem é John Craig Venter? Geneticista norte-americano, 63, fundador da Celera Genomics (1998, Rockville, Maryland, EUA), empresa privada que mapeou o genoma humano, competindo com o Programa Genoma Humano (PGH); é ex-chefe de uma das equipes do PGH, do qual se desligou alegando divergências “técnicas”, porém o centro das polêmicas era o patenteamento do genoma humano, que ele defendia.

Em 1992, esteve na Conferência Sul-Norte do Genoma Humano (Caxambu, MG), ocasião em já solicitara patentes de 3.000 genes, via Institutos Nacionais de Saúde. Declarou ao “Jornal do Brasil” que a pesquisa do genoma humano não era uma aventura para países pobres. Ao sair do PGH, fundou uma instituição beneficente de pesquisa, a TIGR, que sequenciou o genoma do Haemophilus influenza (1995), o primeiro ser vivo sequenciado. Desde então, recebeu financiamentos privados para competir com a equipe do PGH. E levou!

Ao criar a Celera Genomics, disse que com US$ 200 milhões, e em três anos, realizaria o sequenciamento total do genoma humano. Àquela época, o PGH consumira quase US$ 1 bilhão, entre fundos governamentais e doações, e prometia a sequência completa apenas para 2005. Venter acusou a equipe do PGH de desperdiçar dinheiro público, utilizando uma técnica lenta, quando já estava disponível um processo mais rápido, criado por ele… Em 2006, saiu da Celera Genomics e fundou o Instituto John Craig Venter; agora, é um dos deuses da biologia sintética.

Conforme Sílvia Ribeiro, pesquisadora do Grupo ETC, “a biologia sintética é uma nova rubrica científica e industrial cujo objetivo é criar formas de vida artificiais a fim de cumprir tarefas ao gosto do desenhista. Não satisfeitos com os problemas criados com os transgênicos – seres vivos nos quais se inserem genes de outras espécies -, trata-se agora de construir organismos vivos a partir do zero, desenhados a la carte, a partir da fabricação de módulos de DNA artificial, programados para serem montados uns com os outros” (“Em Biologia Sintética: A Vida Descartável”).

Para Charbel Niño El-Hani e Vitor Passos Rios, do Instituto de Biologia da UFBA, “a biologia sintética pode ser entendida como a criação de organismos feitos sob medida, sejam eles geneticamente modificados ou construídos a partir do zero (…)”. O principal objetivo da biologia sintética, bem como sua maior dificuldade, é domesticar o mecanismo de replicação e transcrição de DNA, de modo a controlar seu funcionamento, do mesmo modo que um engenheiro elétrico constrói e controla um circuito. É claro que essa empreitada traz consigo toda uma série de questões éticas e sociopolíticas, que não podem ser perdidas de vista (em “Vida Sintética: Uma Nova Revolução?”). Na mesa, novas soluções ou problemas?

Publicado em: 01.06.2010
www.otempo.com.br/otempo/colunas/?IdColunaEdicao=11834


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Comentários

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Erpino Faria

É muito estranha e temerosa a criação de um genoma artificial. Há necessidade urgente de uma legislação internacional para monitorar a manipulação de genes no mundo bioloógico. Precisamos da atuação de uma ONU independente para regulamentar e direcionar normas de pesquisas na área biótica e abiótica. O resguardo da vida é superior ao interesse comercial. Não é ético o que se viu na competição feroz entre cientistas, quando do trabalho "Decifrando o Genoma" de Kevin Davies. É com tristeza que vemos a ciência sendo envolvida por tantos interesses escusos. Por outro lado, é preciso muito cuidado com o uso das pesquisas em transgenia, onde a estrutura molecular dos seres vivos, estruturadas há milhões de anos, podem estar sendo alteradas por ineresses econômicos inconsequentes. Quem se responsabilizará pelas consequencias futuras no desmantelamento da biodiverdade e quebra da atividade dos ecossistemas naturais ?

Irene Macedo Costa

Gostei doa rtigo. Nunca tinha ouvido falar em Biologia Sintética. Gostei. Acho que será um caminho promissor para a medicina, mas vejo que ainda é inseguro. Ninguém pode dizer que não tem problemas no horizonte. Há também o caráter de mercantilização da vida. É uma vida industrializada, então pode ser objeto de patentes? O presidente Baracak Obama está certo de acionar a Comissão de Bioética do presidente para avaliar a novidade.

Sergio C Morales

Não podemos ser obscurantistas. As pesquisas com a biologia sintética podem ser impostantíssimas para a medicina. A questão é tirá-las da mão de figuras gananciosas como Venter.

Defendo a pesquisa em projetos coletivos como foi a empreitada da decifração do genoma humano feita pelas universidades públicas.

    Valéria Menezes

    Caro Sérgio, não se trata de ser obscurantista pedir precaução com as coisas novas que a ciência faz, mas exigir um mínimo de segurança. Todos os novos sabres e inventos da área das ciências biológicas possuem duas faces. A humanidade precisa da boa, ou não? Os cuidados, o medo e o pedido de precaução é só em busca do bem. Quanto ao Craig Venter, ele não conehce porteiras e nem reconhece fronteiras. Alguém precisa contê-lo. Acho que somos nós, a sociedade

Lucas Cardoso

A técnica que eles usaram (sintetização de um cromossomo a partir do código no computador, e sua inserção numa célula) produz resultados semelhantes à transgenia, apenas com a vantagem de ser muito mais flexível. Um código conhecidamente viável ainda é necessário para se produzir qualquer coisa.

É possível que essa tecnologia seja usada para o mal, mas também é possível usar facas para o mal (com a vantagem de que facas são muito mais baratas e fáceis de ser fabricadas). Facas não são universalmente condenáveis. Deve-se legislar e fiscalizar contra o mal uso, mas o mal não é inerente à tecnologia.

Essa tecnologia é promissora. Aperfeiçoada, pode trazer grande benefício para a humanidade. Sem falar que, já que ainda não conseguimos as roupas prateadas e os carros voadores, é o primeiro sinal de que estamos chegando no futuro.

francisco.latorre

os caras são doidos. e com muita grana na história.

lembram das pesquisas pra criar órgãos humanos em porcos?.. pra transplante.

absurdo cósmico.

pois foi longe.. até esgotar a verba.

depois admitiram que provocaria 'a' pandemia.

mas passou perto.

..

é aritmético. vai contaminar o ambiente com monstrinhos da tal engenharia genética.

'engenharia genética'. 'biologia sintética'. e bilhões pra pesquisa.

não vai dar certo.

melhor.. tem tudo pra dar errado.

..

Jairo_Beraldo

"Na mesa, novas soluções ou problemas?"
Penso que problemas. Como disse na frase anterior, "essa empreitada traz consigo toda uma série de questões éticas". O que o ser humano está carente é exatamente disso…ética! E o desejo de não usar a ciencia para fazer o bem.

voxetopinio

Me lembrei diretamente de Fritjof Kapra e seu Ponto de Mutação. É complicado. Por essas e outras se percebe que a hiperespecialização, criticada por tantos hoje em dia, ainda é uma realidade na maior parte da academia – mesmo sendo a própria academia sua principal crítica. Me pego voltado ao mesmo ponto de outros comentários: Uma crise + mudança de paradigma moral/ético é que são necessárias

Napoleão

Como esses cientistas falam bobagens. Tá cada vez pior. Os cientistas não criaram coisíssima alguma, Apenas TRANSFORMARAM um célula já existente em outra coisa. Nada de espantoso. Queria ver é criar uma célula do nada. Tem muito é retórica nessas questões!

monge scéptico

É um feito e tanto, para o conhecimento. Mas que de útil isto vai fazer? Eliminar a fome n'africa?
Os apresentadre da globo saudaram isto, como se os "deuses" ianques tivessem criado algo
que outros pesquisadore do mundo tanto perseguem , não com a intenção de serem os pri-
–meiros, como esses brincalhões do "meu é maior que o seu".Baba menos globo!

Gisele A. Ferreira

IMACULADA CRIAÇÃO: O NASCIMENTO DA PRIMEIRA CÉLULA SINTÉTICA
Células sintéticas me lembram do monstro Frankenstein! Elas são seguras?

Sim. A equipe de Venter tirou os genes que permitem a M. mycoides causar doenças em cabras. A bactéria também foi enfraquecida. Alguns cientistas estão preocupados que organismos sintéticos podem escapar para o meio ambiente ou ser usados por bioterroristas.
Ellington descarta essas preocupações: "Não é uma ameaça real", diz ele. "A menos que você seja Craig Venter com uma equipe de 20 pesquisadores com pós-doutorado, você não vai fazer isto."
George Church, pesquisador de biologia sintética da Harvard Medical School, pede maior vigilância, exigência de licença para trabalhar com biologia sintética e medidas adicionais para prevenir que a vida sintética escape do laboratório. "Todo mundo no ecossistema da biologia sintética deveria ser licenciado, assim como todo mundo no ecossistema de aviação precisa ser licenciado."

Por New Scientist http://www.gizmodo.com.br/conteudo/imaculada-cria

Gisele A. Ferreira

IMACULADA CRIAÇÃO: O NASCIMENTO DA PRIMEIRA CÉLULA SINTÉTICA

O que fez a equipe de Craig Venter?
A célula foi criada costurando o genoma de um patógeno de cabra, chamado Mycoplasma mycoides, a partir de pedaços menores de DNA sintetizados em laboratório, e inserindo o genoma no citoplasma vazio de uma bactéria semelhante. O genoma transplantado se ativou na célula-hospedeiro, e então se dividiu várias vezes para gerar bilhões de células de M. mycoides.
Craig Venter e sua equipe do Instituto J. Craig Venter em Rockville, Maryland (EUA) e San Diego, Califórnia, já tinham alcançado os dois feitos – criar um genoma sintético e transplantar um genoma de uma bactéria para outra – mas desta vez eles combinaram os dois.
"É a primeira célula autoreplicativa no planeta cujo pai é um computador", disse Venter, referindo-se ao fato que a equipe dele converteu o genoma de uma célula que existia como dados em um computador em um organismo vivo.

11:55 – 21 de Maio de 2010
Por New Scientist http://www.gizmodo.com.br/conteudo/imaculada-cria

Caetana Campos

O impacto da biologia sintética
"O Prêmio Nobel de Medicina de 1975, o americano David Baltimore, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). "Para mim, Craig exagerou um pouco a importância do trabalho", disse ao The New York Times. Ele acredita que a criação do genoma sintético foi mais um "tour de force técnico", uma questão de escala, do que uma descoberta científica revolucionária. "Ele não criou vida, apenas a imitou". De qualquer forma, é inegável que o trabalho de Venter sinaliza um aumento da capacidade de o homem manipular o DNA de organismos. Por tratar de um tema polêmico, capaz de criar novos dilemas morais, o artigo científico de Venter na Science levou ontem mesmo o presidente norte-americano Barack Obama a encomendar um estudo à comissão de bioética da Casa Branca, que terá seis meses para produzir um relatório sobre as implicações éticas da biologia sintética." http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=6464&am

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[…] This post was mentioned on Twitter by Blog Arlesophia, Robson França. Robson França said: Fátima Oliveira e a biologia sintética – http://tinyurl.com/36r7aap (via @viomundo) […]

Giovani Montagner

recebi essa noticia de um amigo biólogo faz uma semana, segue o link da coletiva em inglês e sem legenda: http://www.ted.com/talks/craig_venter_unveils_syn
agora pretendo conversar com esse meu amigo para ter mais esclarecimento sobre o assunto, tenho a mesma dúvida solução ou problema?

    Caetana Campos

    Giovani, tudo isso é um espanto! Craig Venter desde muito tempo é execrado pela comunidade científica, por achar que tudo o que se sabe fazer deve ser feito. Por defender patentes para a vida. É preocupante. Ele sabe fazer, mas será que sabe desmanchar se der errado, se o experimento ficar fora de controle?

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