Fátima Oliveira: Como se sentiria se sua mãe fosse à Justiça por você não ser aquilo que ela encomendou?

Tempo de leitura: 3 min

Jeniffer e paytonJennifer Cramblett e a filha Payton, que nasceu de inseminação artificial com o sêmen de um doador negro (Foto: Jennifer Crambett/Arquivo pessoal/AP)

Bebês sob encomenda: o caso Payton Cramblett Zinkon

Fátima Oliveira, em O TEMPO
Médica – [email protected] @oliveirafatima_

Jennifer Cramblett e Amanda Zinkon são casadas e residem em Uniontown, cidade com cerca de 3.000 habitantes, dos quais 98% são brancos, no Condado de Stark, Ohio (EUA). Há três anos decidiram ter filhos. Em setembro de 2011 foram ao Midwest Sperm Bank, em Grove Downers, em Ohio, e compraram seis frascos de esperma do doador escolhido por elas: branco, olhos azuis e cabelos louros. Era o lote de número 380.

Jennifer foi inseminada em uma clínica em dezembro de 2011 e no Natal já comemorou a gravidez. Em abril de 2012 decidiram que Amanda deveria engravidar também. Encomendaram oito frascos do doador 380: queriam gerar irmãos biológicos por parte de pai.

Foram surpreendidas pelo comunicado de um “engano” no banco de esperma! Consta no processo judicial: “O erro ocorreu porque o banco de esperma mantém escrita à mão em vez de registros eletrônicos. Um funcionário da clínica fez confusão e utilizou o frasco número 330”, cujo doador é um afro-americano!

O Midwest Sperm Bank enviou uma carta pedindo desculpas e anexou “um cheque correspondente ao reembolso para os seis frascos de esperma incorretos enviados em setembro de 2011”! O advogado de Jennifer é taxativo:

“Eles cometeram um erro que um banco de esperma não pode cometer. Ela não estava pedindo uma pizza”.

“Em 21 de agosto de 2012, Jennifer deu à luz Payton, uma bela, e obviamente mestiça, ‘baby girl’”. Como não recebeu corretamente o que comprou e pagou, um bebê branco e louro, a mãe está processando o banco de esperma. Ressalta que ama muito a filha, mas está cobrando os danos morais (violação de garantia) porque “vive cada dia com medos, ansiedades e incertezas sobre o seu futuro e o de Payton”.

Um exemplo das dificuldades arroladas por Jennifer de ter uma filha negra é que “até mesmo o corte de cabelo da filha é algo não muito fácil de ser feito, já que deve ir até um salão de beleza de um bairro onde vivem mais pessoas negras, e não se sente bem-vinda no local”.

Na justificativa do processo a mãe informa que antes de ir para a universidade “nunca tinha tido contato com pessoas negras”, que ela e a filha sofrem preconceitos dos intolerantes habitantes de Uniontown (98% de brancos) e que o grande temor do casal é que Payton seja estigmatizada porque será a única criança negra da escola.

Jennifer teme também que Payton seja rejeitada por sua família, que é racista e conservadora em temas morais, pois nunca aceitou o fato de ela ser lésbica. E conclui que sofre ao pensar que o conjunto das circunstâncias possa “ter um efeito negativo sobre a sua filha”. Foi aconselhada por terapeutas que, “para ela e para o bem-estar psicológico da filha, ela deve mudar-se para uma comunidade racialmente diversificada, com boas escolas”.

É um imbróglio em que danos já são incomensuráveis na vida de Payton, cujo enredo dá um “romance triste” sob o signo do racismo, que é o eixo do processo que está sendo movido, embora a mãe não tenha coragem de admitir!

O caso Payton, que será julgado em 17.12.2015, merece abordagem de múltiplas faces, pois envolve outras questões bioéticas de vulto, além do racismo, pertinentes aos bebês sob encomenda. As Novas Tecnologias Reprodutivas Conceptivas (NTRc), incluindo a inseminação artificial com esperma comprado em balcões de bancos, tornaram obsoletos os bebês feitos em casa e trouxeram problemas com os quais é difícil de lidar e para os quais é complicado emitir juízo de valor.

Como você se sentiria se soubesse que a sua mãe comprou uma briga judicial porque você não é exatamente aquilo que ela desejou e escolheu para a sua aparência?

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Comentários

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Elias

A frase principal do artigo é: “Ressalta que ama muito a filha”. Pronto. Se Jennifer ama Payton, sua linda filhinha, o resto se resolve na justiça. Há erros na medicina que levam à morte, este levou à vida. Mamãe Jennifer tem mais é que abraçar o Acaso e oferecer a Payton carinho, educação e o verdadeiro amor de mãe.

Ivo

Quando duas lésbicas processam uma empresa por quê tiveram uma filha negra e tem “temores” de que a criança venha a ter problemas em uma comunidade preconceituosa de brancos, onde está a falha moral? Coitada dessa criança, tem duas mães imbecis….basta processar a empresa pelo erro e pronto… mas há nitidamente uma tentativa de enriquecer com o que aconteceu. Elas vem com esse discurso hipócrita sobre a comunidade…se a comunidade fosse tão ruim, elas já teriam saído. Duas pessoas que declaram abertamente que escolheram um bebê branco, olhos azuis e cabelo louro…duvido que amem essa criança, são duas canalhas.

Fernado Garcia

Acho que vocês estão tirando conclusões precipitadas… você precisam ir até as fontes principais e entender qual a natureza do processo. No processo, Jennifer Cramblett e Amanda Zinkon fazem uma afirmação que me parece razoável: para oferecer condições iguais à sua filha negra, elas precisam de mais recursos exatamente porque a filha delas irá passar por muito mais dificuldades. Pessoas racistas, ou contra medidas de ação afirmativa, nem mesmo reconhecem estas dificuldades. Leiam o artigo em inglês e tirem suas conclusões.

No mais, o comentário do colega José Carlos Vieira é bastante racista na minha opinião, talvez uma péssima tentativa de humor, mas racista ainda sim.

    Mário SF Alves

    “No mais, o comentário do colega José Carlos Vieira é bastante racista na minha opinião, talvez uma péssima tentativa de humor, mas racista ainda sim.”
    __________________________
    Infelizmente, não Feranando; nem racista, nem humorado.

Marcelo Gaúcho

“Medos, ansiedades e incertezas”…. racismo mudou de nome.

Luiz Fonseca

A menina tem chance de ser mais bonita que a mãe…

José Carlos Vieira Filho

Puro Orwell. Comprou um alfa+ e recebeu um beta-.

    tari

    É Huxley.

    Roberta

    Acho que vc confundiu Huxley com Orwel…

    Kiko Paroli

    Seu comentário foi bem racista… Ou vc quis dizer segundo o entendimento dela?

    Felipe

    Aí seria Aldous Huxley, não Orwell…

    Mário SF Alves

    Admirável Mundo Novo, ou, em inglês, Brave New World, o “novo” que já nasceu mais velho do que o arrogante, pretencioso, ultra-racista e tirânico III Reich!

FrancoAtirador

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(http://imgur.com/Dmc7Wh5)
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Edgar rocha

É por causa da grandeza moral gays e de seu movimento que Israel faz uma das maiores paradas GLBT do mundo e se mostra um país moderno, livre de preconceitos e aberto à diversidade. Parabéns aos GLBT por ter uma consciência tão ampla e irrestrita do direito à liberdade e da recusa à injustiça e à discriminação. O mundo capitalista agradece pela imagem descolada e borboletante que vocês oferecem ao sistema. Com tanta solidariedade e consciência social ninguém no mundo há de se acabar na punh*ta.

    Edgar rocha

    A propósito, que o diga a Marta Suplicy. Com certeza, muitos libertários do arco-íris votarão nela. Pela defesa do mundinho, uni-vos.

fausto

O mundo está ficando um lugar cada vez mais estanho para se viver…

FrancoAtirador

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“Nos Estados Unidos da América
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Os Brancos do Sul permitem
que Negr@s se aproximem,
desde que não cresçam demais.
.
Os Brancos do Norte permitem
que Negr@s cresçam,
desde que não se aproximem demais.”
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Bessie Smith
Negra do Tennessee
Cantora de Blues
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(http://www.adorocinema.com/filmes/filme-229210)
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FrancoAtirador

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Exemplo Cruel do Tal Libertarismo do Tea Party
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que é, a um só Tempo, UltraLiberal e Nazi-Fascista.
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    Bacellar

    De fato. Liberalismo é o fascismo que escuta o dept. de marketing….

    FrancoAtirador

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    É, Bacellar.
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    Ultraliberais são aqueles que tratam
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    o Semelhante como Material Humano
    .
    e vêem o Mundo se olhando no Espelho.
    .
    .

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