Emmanuel Burdmann: “Mortalidade de pacientes em diálise está aumentando”

Tempo de leitura: 6 min

por Conceição Lemes

Os rins são os nossos filtros. “Limpam” o sangue, livrando-o de substâncias que, em excesso, são tóxicas ao organismo.

Funcionam assim. O sangue de todo o corpo (cerca de 5 litros num adulto) passa pelos rins uma vez e meia por hora. Ao final de 24 horas, cerca de 180 litros são “lavados”, resultando diariamente em 1 a 1,5 litro de urina, que é composta de água e resíduos. É através dela que eliminamos as toxinas, ou seja, o “lixo” resultante da depuração do sangue.

Mas os rins podem falhar devido a algumas doenças e uso prolongado de certos medicamentos, entre outros fatores. Quando a lesão renal é aguda, o rim pode recuperar a sua função.

Porém, um em cada dez adultos tem doença renal crônica. As lesões nesses órgãos viram cicatrizes e eles progressivamente deixam de funcionar. São cinco estágios. No quinto, a fase mais avançada da doença, a pessoa tem de fazer diálise ou transplante renal.

Há vários tipos de diálise, ou tratamento dialítico. No Brasil, utilizado em 90% dos casos é a hemodiálise. O sangue passa por uma máquina, que faz a sua “limpeza”, jogando o “lixo” e as substâncias em excesso (inclusive água) fora.

“A doença renal crônica é um problema de saúde pública”, alerta o médico nefrologista Emmanuel Burdmann, presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) e professor da Faculdade de Medicina da USP. “Em 2009, havia 77.589 pacientes fazendo diálise; o tratamento de 87% deles foi pago pelo SUS [Sistema Único de Saúde], os 13% restantes, por convênios.”

Os dados são do Censo 2009 realizado pela SBN, que enviou questionário às 626 unidades de diálise cadastradas na entidade e em funcionamento; 437 (69,8%) responderam. A maioria é terceirizada, apesar de o SUS ser o grande pagador. Os poucos serviços públicos estão ligados a faculdades de medicina.

“O número de doentes renais crônicos vem aumentado, mas o de unidades de diálise, não”, avança Burdmann. “Os insumos utilizados no procedimento são caros e o valor pago pelo SUS por sessão de diálise não é suficiente para cobrir as despesas para funcionamento das unidades. O valor mínimo seria ao redor de 100 dólares por sessão [dura 4 a 6 horas], enquanto o valor pago fica em torno de 80.”

“A taxa anual de mortalidade entre pacientes em diálise no Brasil está aumentando. Em 2006, era 13%. Em 2009, atingiu 17%”, atenta o presidente da SBN. “Ela ficava acima da japonesa, similar a européia e quase a metade da estadunidense. Atualmente, está mais próxima da estadunidense.” O dado é do censo da SBN de 2009.

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“Isso provavelmente se deve em parte ao estrangulamento econômico das unidades de diálise”, avalia Burdmann. “Verifica-se um progressivo sucateamento das máquinas e compra de material mais barato, muitas vezes de qualidade inferior. Profissionais de saúde mais experientes são substituídos por outros de formação inferior.”

O número de óbitos dos censos da SBN não coincide, porém, com os do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), vinculado à Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), do Ministério da Saúde.

Segundo Burdman, a diferença se deve à fonte de coleta: “Os dados do censo da SBN são obtidos diretamente das clínicas e referem-se a pacientes em diálise. Já os do Ministério da Saúde baseiam-se no diagnóstico de doença renal crônica como causa de morte no prontuário ou no atestado”.

90% DAS PESSOAS EM DIÁLISE SÃO DE BAIXA RENDA

A Sociedade Brasileira de Nefrologia levou essas questões ao Ministério da Saúde, que acaba de realizar um estudo para fazer o diagnóstico dos serviços de hemodiálise no SUS.

“Nos próximos dias o estudo será apresentado ao secretário de Atenção à Saúde do Alberto Beltrame”, informa ao Viomundo o Ministério da Saúde. “Ele irá avaliar a necessidade ou não de novas medidas para o setor, inclusive possíveis reajustes.”

“Em 2008, fizemos dois reajustes nos procedimentos de hemodiálise, e a sessão passou a custar R$144,17”, ressalta o Ministério da Saúde. “Ao longo dos últimos nove anos, além da ampliação de volume de diálises, os recursos destinados ao custeio dessas ações aumentaram. Em 2000, os gastos giravam em torno de R$ 600 milhões. Em 2009, chegaram a R$ 1,7 bilhão. Um aumento acima de 150%.” O SUS paga R$144,17 por sessão. A SBN reivindica R$ 176,00 (ao dólar de 22 de julho). Usualmente, são três sessões de diálise por semana; cada uma dura de 4 a 6 horas.

“É preciso um reajuste emergencial de, no mínimo, 5%, 6%”, diz Burdmann. “Dos pacientes em diálise pelo SUS, 90% são pobres, estão na faixa dos 50-60 anos, sem poder de pressão na sociedade. No fundo, essa é a questão mais importante. Se nada for feito, milhares deles poderão ser prejudicados.”

Considerando que a doença renal crônica é problema de saúde pública e raramente é assunto na mídia, conversamos um pouco mais com o doutor Burdmann.

Viomundo – No início, o senhor disse que o número de pessoas com doença renal crônica está aumentando no Brasil. Esse fenômeno é brasileiro?

Emmanuel Burdmann – Não. Isso está acontecendo no mundo inteiro.

Viomundo – Por quê?

Emmanuel Burdmann – Provavelmente devido a mudanças dos hábitos e estilo de vida, favorecendo a hipertensão arterial, ou pressão alta, a diabetes, que é o aumento de “açúcar” no sangue e a obesidade. Diabetes e hipertensão são as principais causas de doença renal crônica. Idade acima de 55 anos é outro fator de risco importante.

Viomundo ­ — Quer dizer que quanto maior a ocorrência de obesidade, diabetes e hipertensão maior o número de casos de insuficiência renal crônica?

Emmanuel Burdmann – Seguramente. Essas doenças causam vários desequilíbrios e lesões orgânicas, inclusive nos rins. Daí o aumento de casos de doença renal crônica no mundo inteiro.

Viomundo – Que outros fatores contribuiriam?

Emmanuel Burdmann – O envelhecimento da população. Hoje se discute também se o fato de o indivíduo ter sido acometido por lesão renal aguda não é um fator de risco para desenvolver doença renal crônica no futuro.

Viomundo – Antes a insuficiência renal crônica era rara?

Emmanuel Burdmann – Não, mas era muito menos comum do que hoje. Antigamente, boa parte das doenças renais crônicas era causada por glomerulonefrites (afetam os glomérulos, as unidades filtrantes do rim), doenças relativamente pouco freqüentes na população.

Viomundo – A insuficiência renal crônica tem cinco estágios. É possível evitar que a pessoa evolua para o nível 5 e precise de diálise ou de transplante renal?

Emmanuel Burdmann – A doença renal crônica é evolutiva. A partir do momento em que atinge o nível 5, não tem recuperação. No lugar nos glomérulos, surgem cicatrizes. O sangue deixa de ser filtrado. Porém, se detectarmos a doença precocemente — estágios 2 e 3 –, é possível postergar a diálise ou transplante e até evitá-los com tratamento adequado.

Viomundo – De que maneira?

Emmanuel Burdmann – Mantendo sob controle o peso, a pressão arterial e os níveis de “açúcar” no sangue. Isso significa ter alimentação saudável, diminuir a ingestão de sal, exercitar-se regularmente, deixar de fumar e consumir bebidas alcoólicas com moderação. O uso de medicamentos para reduzir a pressão arterial sistêmica e a pressão dentro dos glomérulos retarda de forma efetiva e até mesmo pode paralisar a progressão da doença. Agora, mesmo que não impeça a diálise, o acompanhamento adequado faz com a pessoa inicie o tratamento ou faça o transplante em melhores condições clínicas.

Viomundo – Como eu posso saber se tenho doença renal crônica?

Emmanuel Burdmann ­– Fazendo dosagem anual de creatinina no sangue e exame de urina. Esses dois testes avaliam eficientemente a função renal, são muito baratos e disponíveis em toda a rede pública de saúde. A creatinina é uma substância produzida pelos músculos e eliminada pelos rins. O seu aumento, mesmo que dentro da faixa considerada “normal”, indica lesão renal. O objetivo do exame de urina é verificar a presença de proteína, hemácias e leucócitos. Em quantidade anormal, também indicam lesão renal. Esses dois exames detectam a doença renal crônica nas suas fases iniciais.

Viomundo – Todo mundo tem de dosar creatinina?

Emmanuel Burdmann ­– Depende da situação. Toda pessoa que vai se submeter a cirurgia de médio ou grande porte ou precisa usar medicamentos que podem afetar os rins, como antiinflamatórios não hormonais, contraste iodado e alguns antibióticos, deveria dosar a creatinina. Parentes de primeiro grau de pessoas com doença renal crônica também.

Porém, a dosagem de creatinina e o exame de urina são obrigatórios pelo menos uma vez por ano para quem tem diabetes, hipertensão arterial ou mais de 55 anos. São os grupos mais vulneráveis ao desenvolvimento da doença renal crônica. Se isso fosse feito de rotina, diagnosticaríamos muito mais casos de doença renal crônica nas suas formas iniciais, com óbvio benefício para a população e para o governo.

Viomundo – Qual a conseqüência de não se dosar regularmente a creatinina em diabéticos e hipertensos?

Emmanual Burdmann – Provavelmente muitos pacientes morrem sem saber que são doentes renais crônicos. No Hospital das Clínicas, sou um dos responsáveis pela emergência nefrológica. Todo dia atendemos no pronto-socorro duas ou três pessoas cujo diagnóstico é de doença renal crônica em fase dialítica e elas sequer sabiam que estavam doentes. A grande maioria é diabética e/ou hipertensa, e muitas estavam sendo acompanhadas em apostos de saúde ou ambulatórios.

Viomundo – A doença renal crônica então evolui silenciosamente como a hipertensão?

Emmanual Burdmann – Exatamente. Está havendo uma verdadeira epidemia silenciosa de doença renal crônica. Por isso, a minha sugestão a todos os diabéticos, hipertensos e indivíduos com mais de 55 anos: peça ao seu médico para incluir a dosagem de creatinina e o exame de urina entre os seus exames de rotina.

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Comentários

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alexandre smoes

qual o melhor e menos perigoso tratamento para doença renal cronica, dialise ou hemodialise,

Nivaldo

Minha mãe é hipertensa e diabética e faz acompanhamento em uma unidade de psf em Guarulhos. Só fez exames de creatinina e de albuminúria (proteínas na urina) porque sou enfermeiro em nefrologia e pedi a médica que os incluíssem na lista de exames, e aparentemente ela não gostou da minha sugestão. Felizmente os resultados estavam normais.

Jordam

Conceição Lemes você está de parabéns em falar de um tema tão necessário para saúde, concordo com tudo que li, minha mãe sofria de insulficiencia renal cronica e passou por Dialise e Hemodialise, conseguiu um doador que foi sua irmã, mas é verdade também que os governos descuidaram em muito, temo hoje pelos que não tem condições de receberem a doação de órgão, e principalmente para o acesso aos medicamentos que são caros e muitas vezes não conseguem pegar gratuitamente por falta.
Vi neste período muitas pessoas jovens definharem até morrer, por que quanto mais tempo na homdialise, mais frágil fica seu corpo, sua imunidade baixa muito, quero ressaltar o brilhante trabalho que faz trazendo estas informações para nós, me comoveu demais ler este artigo.

Ed.

Durante algum tempo fui doador semanal de sangue (plaquetas). No período conheci muitas pessoas e histórias de "hemodialistas" que lá ficavam comigo… melhor dizendo, eu ficava entre eles…
Eu investia cerca de 1 a 2 horas, uma vez a cada semana ou duas, conectado nas "maquininhas", e aprendi um pouco sobre as vidas, bem humoradas, dependendo daquelas sessões naquelas máquinas.por uma vida…
Ou até que a medicina tenha melhores soluções para todos (transplantes, celulas tronco, etc.). Tomara logo!

george dreux

Sou renal crônico em Rio Claro/SP e já percebo que a qualidade do atendimento piorou muito nos últimos 4 anos, pricipalmente com a substituição de enfermeiras experientes por enfermeiras iniciantes e visivelmente despreparadas. Por 2 vezes, durante a rotina de diálise, tive que interferir para salvar minha vida. Trataram do assunto como se fosse coisa corriqueira, mas eu sei que minha vida esteve "por um fio". Realmente esta situação tem mudar e logo! Parabéns pela matéria.

Nereu

Geralmente notícias sobre saúde/doencas tem enfoque sensacionalista.
Parabéns pela maneira clara e objetiva da abordagem.

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