Elaine Tavares: Progresso de quem, cara pálida?

Tempo de leitura: 4 min

Aprovada a destruição. Que fazer?

por Elaine Tavares, do  Iela

Vivemos um eterno retorno quando se trata da proteção aos latifundiários e grandes empresas internacionais. No Brasil contemporâneo, pós-ditadura, nunca houve um governo sequer que buscasse, de verdade, uma outra práxis no campo. Todos os dias, nas correntes ideológicas do poder, disseminadas pela mídia comercial – capaz de atingir quase todo o país via televisão  – podemos ver, fragmentadas, as notícias sobre a feroz e desigual queda de braço entre os destruidores capitalistas e as gentes que querem garantir vida boa e plena aos que hoje estão oprimidos e explorados.

Nestes dias de debate sobre o novo Código Florestal, então, foi um festival. As bocas alugadas falavam da votação e dos que são contra o código como se fossem pessoas completamente desequilibradas, que buscam impedir o progresso e o desenvolvimento do país. Não contentes com todo o apoio que recebem da usina ideológica midiática, os latifundiários e os capatazes das grandes transnacionais que já dominam boa parte das terras brasileiras, ainda se dão ao luxo de usar velhos expedientes, como o frio assassinato, para fazer valer aquilo que consideram como seu direito: destruir tudo para auferir lucros privados.

Assim, nos exatos dias de votação do novo código, jagunços fuzilam Zé Claudio, conhecido defensor da floresta amazônica. Matam ele e a mulher, porque os dois incomodavam demais com esse papo verde de preservar as árvores. Discursos tolo, dizem, de quem emperra a distribuição da riqueza, deles próprios, é claro. E o assassinato acontece, sem pejo, no mesmo dia em que os deputados discutem como fazer valer – para eles – os seus 30 dinheiros sujos de sangue.

Imagens diferentes, mas igualmente desoladoras. De um lado, a floresta devastada e as vidas ceifadas à bala, do outro a tal da “casa do povo”, repleta de gente que representa, no mais das vezes, os interesses escusos de quem lhes enche o bolso. Pátria? País? Desenvolvimento? Progresso? Bobagem! A máxima que impera é do conhecido personagem de Chico Anísio, o deputado Justo Veríssimo: eu quero é me arrumar!

No projeto construído pelo agronegócio só o que se contempla é o lucro dos donos das terras, dos grileiros, dos latifundiários. Menos mata preservada, legalização da destruição, perdão de todas as dívidas e multas dos grandes fazendeiros. Assim é bom falar de progresso. Progresso de quem, cara pálida? Ao mesmo tempo, os “empresários” do campo, incapazes de mostrar a cara, lotam as galerias com a massa de manobra. Pequenos produtores que acreditam estar defendendo o seu progresso. De que lhes valerá alguns metros a mais de terra na beira de um rio se na primeira grande chuva, o rio, sem a proteção da mata ciliar, transborda e destrói tudo? Que lógica tacanha é essa que impede de ver que o homem não está descolado da natureza, que o homem é natureza.

Que tamanha descarga de ideologia os graúdos conseguem produzir que leva os pequenos produtores a pensar que é possível dominar a natureza, como se ao fazer isso não estivessem colocando grilhões em si mesmo? Desde há muito tempo – e gente como Chico Mendes, irmã Doroty e Zé Claudio já sabia –  que o ser humano só consegue seguir em frente nesta terra se fizer pactos com as outras forças da natureza. E que nestes pactos há que se respeitar o que estas forças precisam sob pena de ele mesmo (o humano) sucumbir.

O novo código florestal foi negociado dentro das formas mais rasteiras da política. Por ali, na grande casa de Brasília, muito pouca gente estava interessa em meio ambiente, floresta, árvore, rio, pátria, desenvolvimento. O negócio era conseguir cargo, verba, poder. Que se danem no inferno pessoas como Zé Cláudio, que ficam por aí a atrapalhar as negociatas.  Para os que ali estavam no plenário da Câmara gente como o Zé e sua esposa Maria não existem. São absolutamente invisíveis e desnecessárias. Haverão de descobrir seus assassinos, talvez prendê-los por algum tempo, mas, nas internas comemorarão: menos um, menos um.

Assim, por 410 x 63, venceram os destruidores. Poderão desmatar a vontade num tempo em que o planeta inteiro clama por cuidado. Furacões, tsunamis, alagamentos, mortes. Quem se importa? Eles estarão protegidos nas mansões. Não moram em beiras de rio. Dos 16 deputados federais de Santa Catarina apenas Pedro Uczai votou não. Até a deputada Luci Choinacki, de origem camponesa votou sim, contrariando tudo o que sempre defendeu.

Então, na mesma hora em que a floresta chorava por dois de seus filhos abatidos a tiros, os deputados celebravam aos gritos uma “vitória” sobre o governo e sobre os ecologistas. Daqui a alguns dias se verá o tipo de vitória que foi. Mas, estes, não se importarão. Não até que lhes toque uma desgraça qualquer. O cacique Seatlle, da etnia Suquamish, já compreendera, em 1855,  o quanto o capitalismo nascente era incapaz de viver sem matar: “Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver.

Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exaurí-la, ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus fil hos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende”.

Zé Claudio e Maria eram assim, vistos como “selvagens que nada compreendem”. Mas, bem cedo se verá que não. Eles eram os profetas. Os que conseguiam ver para além da ganância. Os que conseguiam estabelecer uma relação amorosa com a terra e com as forças da natureza. Eles caíram à bala. E os deputados vende-pátria, quando cairão?

Já os que gritam e clamam por justiça, não precisam esmorecer. Perdeu-se uma batalha. A luta vai continuar. Pois, se sabe: quem luta também faz a lei. Mas a luta não pode ser apenas o grito impotente.

Tem de haver ação, organização, informação, rebelião. Não só na proteção do verde, mas na destruição definitiva deste sistema capitalista dependente, que superexplora o trabalho e a terra. É chegada a hora de uma nova forma de organizar a vida. Mas ela só virá se as gentes voltarem a trabalhar em cada vereda deste país, denunciando o que nos mata e anunciando a boa nova.

Elaine Tavares é jornalista. Texto publicado originalmente no Boletim do Instituto de Estudos Latinos (Iela), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)


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Comentários

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Messias Macedo

[Sobre a (inexorável) dinâmica da história, utopia e – em nossas plagas – o que poderá germinar a superação do modelo petista da governança…]

Embrião de uma nova esquerda?

Por Antonio Martins, com pesquisa de Luís F. C. Nagao, Outras Palavras
em http://www.escrevinhador.com.br – ínclito, impávido, lúcido e competente jornalista Rodrigo Vianna
Internet » Juventude – seção Outras Palavras
publicada segunda-feira, 23/05/2011

(…)
Queremos que as pessoas esqueçam suas divergências ideológicas e se aproximem desse fórum comum à margem de partidos e de sindicatos.” afirma Dans: “uma de nossas razões de existir é a saturação que havia nos canais tradicionais de participação política que representam partidos políticos e grandes sindicatos.”
(…)

World de ‘Nois’ Bananas
Bahia, Feira de Santana
Messias Franca de Macedo

Marcelo de Matos

Belo texto, mas, as coisas não são tão simples assim. Não adianta sairmos por aí clamando contra os “agrotóxicos”. A luta contra a fome sempre foi o maior problema da humanidade e produzir sem o uso de defensivos é a maior das utopias. Em meu quintal, lá no interior, plantei seriguela e graviola, mas, só colhi bichos. Os europeus conseguem produzir açúcar a partir de um tipo de beterraba branca, muito doce, mas que, para ser protegida dos bichos, requer muito veneno. Não foi por maldade que os franceses começaram a produzir açúcar dessa forma: o cerco britânico os impedia de importar açúcar da América. O grande dilema é: ou produzimos, ou morremos de fome. E os bichos também querem se alimentar…

    Jorge

    Ja ouviu falar de producao organica… Esta meio desinformado, e pior, tem mao podre para o plantio…
    E produzir de forma inteligente, sustentavel, nao eh utopia…

    Maria Libia

    Resposta como a sua demonstra um total desconhecimento do que é plantar. A produção orgânica, apesar de ser mais cara porque requer muita atenção e acompanhamento, está conseguindo tornar-se um ótimo negócio. Sobre a França, me perguntava porque ela importa, tb do Brasil, produtos orgânicos. Vc me respondeu. Estamos caminhando para sermos os maiores exportadores de orgânicos do Mundo. Só não entendo por que as pessoas não se dão conta que poem em suas mesas venenos para suas crianças, para suas famílias. Talvez não gostem de pensar, achando que o governo resolve tudo. São simplesmente OMISSOS.

beattrice

Excelente texto, doloroso, mas excelente.

carmen

A jornalista Elaine Tavares traduziu neste texto toda a minha indignação.Precisamos retornar urgentemente as mobilizações populares,temos que ganhar as ruas senão o trator que hoje derruba as árvores vai passar solenemente sobre nossas cabeças,quer seja no sentido figurado ou mesmo literalmente.

@NilvaSader

Qual vitória sobre o governo? A base aliadapraticamente inteira votou a favor do novo Código. Vão me dizer que a Dilma foi golpeada? Que os 2/3 do PT se sublevaram? Não foi isso o que aconteceu. Foram negociados pontos de discórdia e a votação não foi adiada porque não havia mais tempo e a Dilma vetárá os excessos. Agora, eu não acredito em traição, foi quase consensual. Está mais para intriga que verdade. O que foi votado foi consensual. Os tópicos de divergência serão reanalisados, vetados e voltam po Congresso. Eu li tanta coisa nesses dois anos, houve muita discussão, o Aldo apelou, foi cínico, teve que voltar atrás em alguns pontos, e, como a Dilma disse, o que ela não concordar será vetado e ponto. Não sou profeta do apocalípse. As mortes no campo, a indução dos trabalhadores rurais pelos latifundiários, tudo isto deve ser punido. Mas não acredito em traição total da base aliada.

Pitagoras

Pela comemoração ruidosa da canalha ruralista, representante do agro-tóxico-negócio (que não representa os agricultores familiares, responsáveis pela maior parte dos alimentos consumidos na mesa dos brasileiros), dá para saber a extensão do estrago.
Moral da estória: no Brasil o crime compensa. Quando a lei é fraca, passam por cima; quando é forte passam por baixo. Se a lei é forte mas não há fiscalização, deixa pra lá; Se a lei começa a incomodar aqueles marginais que deviam nos representar, revoga-se ou derroga-se a lei.
Taí o Pimenta que só vai cumprir no máximo dois anos de xilindró. Compensou eliminar a namorada.
E esse foi condenado. Os milhares que violam a lei, nem de longe temem um punição, nada sofrem, exceto se forem P.P.P.
Agora vê se essa corja vai votar o projeto do Cristóvão Buarque para obrigar aos agentes públicos a matricularem seus mauricinhos em escola pública; ou o da Erundian para submeter aumento de remuneração dos congressistas ao crivo popular.. Nem pensar. Vai tudo engavetado.
Nada surpreendente diante da omissão, pusilanimidade, alienação, falta de culhão de um povo que nasceu escravo.

Pitagoras

E ainda há quem acredite que vivemos uma democracia. Tá mais prá plutocracia, cleptocracia, canalhocracia,
Pelo menos na estratocracia sabíamos que tirania nos oprimia.
Ou será que estamos mesmo é numa acracia?

Mas o mais comovente é ver o deputado comuno-ruralista baldo robalo abraçado à senadora ambiento-ruralista cacha abriu.

Como alguém já bem analisou, a religião predominante no mundo é a individualistico-consumista, a mais fundamentalista de todas. E a única verdadeiramente democrática: do zé-mané ao mega-bilionário, todos a praticam fervorosamente. E o mundo que se exploda!

francisco p. neto

Só para reflexão.
O Globo não suporta mais um EUA e Europa juntos, com o mesmo nível hoje de desenvolvimento.
E a China com os seus 1,2 bilhões de famintos correndo pelo acostamento, atropelando todo mundo para ocupar o mesmo pedestal.
Deu para entender o que acontece no Brasil hoje?

    betinho2

    Não, sou muito curto das idéias. Dá pra explicar melhor?

    francisco p. neto

    Pobrema seu!!!

FrancoAtirador

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COMO FUNCIONAM OS PARTIDOS POLÍTICOS BRASILEIROS

A maioria dos eleitores não sabe como funcionam os partidos políticos,
tanto interna quanto externamente, porque não participa da militância partidária.

Internamente, em todos os partidos políticos, existem diversas correntes e facções
e, em geral, as correntes majoritárias são as que definem as diretrizes partidárias
e a nomeação dos correligionários para cargos executivos e legislativos.

Externamente, nas relações interpartidárias, no Congresso Nacional,
os partidos se aproximam ou se distanciam, de acordo com a matéria proposta.

Por isto, os partidos que circunstancialmente apóiam o governo
não têm posição unânime em determinadas questões específicas,
notadamente aquelas que atendem às conveniências dos cartéis
e das corporações formadas dentro do Poder Legislativo.

Na realidade, não existe uma "base aliada" coesa,
mas eventualmente coincidências de interesses corporativos.

Assim é que, desta forma, o interesse público é desprezado
em favor de grupos que têm maior força política e econômica,
como é o caso dos ruralistas.

A votação do "Novo Código de Desmatamento"
é só mais uma a comprovar este descalabro nacional.

Virão outras votações desse tipo, muitas outras…
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Elton

Muito apropriada a menção no artigo do comportamento dos deputados catarinenses. Digo há algum tempo aqui que o conservadorismo desta terra impulsiona o desenvolvimento para trás. De que adianta ministrar aulas de educação ambiental nas escolas e depois fazer um papelão desses? De que adianta o eterno blá-blá-blá para agradar a classe média urbana ao ensiná-la a reciclar lixo, a consumir produtos oriundos da agricultura orgânica e depois compactuar com o discurso dos "graúdos". Santa Catarina está "CEGA" com o argumento de que a aprovação desse lixo de Aldo Rebelo é para "proteger" a agricultura nacional e local, haja visto o fato de que em 2009 aprovou-se LOCALMENTE a ampliação da destruição de matas ciliares como "impulso" ao produtor familiar. Aqui como no Rio Grande do Sul e Paraná tem muitos proprietários de terras que possuem extensões não tão grandes assim mas que têm um olho permanente na amazônia, onde a realidade é outra, pois possuem milhares de hectares. Ninguém é bobo, entre eles, é claro!

    beattrice

    Os mesmos que declaram guerra à "sacolinha plástica" dos supermercados, defenderam ardorosamente o código do desmatamento, e viva o BRASIL.

    Elton

    Esse é o "ecologismo de classe média", prende-se a minúcias mas é contra o que protege a natureza em larga escala.

betinho2

Não sei se todos, como eu, ficou com uma terrível sensação de impotência diante da aprovação do Código da Impunidade Florestal.
Esse excelente artigo da jornalista Elaine Tavares representa toda minha revolta e o que penso a respeito do crime de acobertamento dos crimes já praticados contra o meio ambiente.
Como tal, sugiro que esse artigo seja transformado em carta aberta aos Parlamentares, antes porém aberto a ser subscrito por todos que defendem nosso meio ambiente e concordam com o referido texto.
Após seria encaminhado, sugiro que através do deputado Brizola Neto, caso ele se disponha a fazer a distribuiçao de uma cópia a cada um dos parlamentares. Uma cópia também aos senadores.
Além disso, repassar esse texto para nossa lista de contatos, divulgar através de twitter, Facebook, etc….
Ou nos nos mobilizados ou teremos que abrir a goela e engolir quieto essa escrecência, pois passará no Senado e se vetado pela presidenta, o veto será tambem derrubado.
"Quem sabe faz a hora"…acrescento, FAZ AGORA, antes que seja tarde.
E vamo que vamo.

GSG

No Sentido Figurado, PAU NELES, vamos invadir as páginas dos nobres deputados que votaram a favor desta barbárie, especialmente Manuela e Protógenes!!!

    carlos coelho manaus

    a grande maioria deles sao eleitos com a forca do dinheiros antes esses ditos esquerdistas ganhava eleicao com o voto consiente hoje eles se metem em todo tipo de falcatruas e tambem usam o rolo compressou do dinheiro

ricardo silveira

Muito bom o texto, parabéns! Me impressionou muito o resultado da votação 410 x 63, cadê a base do governo? Não há a mínima coesão política. Li no PHA que o Lula esteve no Congresso para ajudar o Palocci, por que não se empenha em ajuda a Dilma numa votação como essa?

    Marcelo de Matos

    Ricardo, você frequenta o blog do PHA? Eu não frequento, nem consigo entender o ideário desse ex-global. Sei que ele tem ojeriza por algumas coisas e pessoas, por exemplo: urna eletrônica, martini seco com uma gotinha de martini doce, FHC e agora Palocci. Às vezes defende, às vezes desanca com Lula. Vá entender.

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