Claudio Puty: Ruralistas querem abrandar conceito de trabalho escravo
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Avanços no combate ao trabalho escravo
por Claudio Puty, enviado pela assessoria, via e-mail
Às vésperas da comemoração do 125º aniversário da abolição da escravidão no Brasil, o jornal Valor Econômico publicou uma alentada reportagem sobre o avanço do combate ao trabalho escravo no país. De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, entre 1995 e meados de 2013, nada menos que 46 mil pessoas foram resgatadas de condições degradantes de trabalho.
Essa situação de flagrante violação dos direitos humanos ainda persiste no Brasil e o Pará, infelizmente, lidera o registro de denúncias de trabalho escravo, com 295 investigações em andamento, segundo o Ministério Público Federal. Minas Gerais tem 174 investigações; Mato Grosso, 135 casos e São Paulo, 125. Juntos, os quatro Estados têm 729 apurações e 1.480 investigações, representando quase 50% do total.
Grande parte das denúncias de servidão vem da área rural, principalmente das atividades de carvoaria, pecuária e desmatamento, mas nos últimos anos o problema do trabalho escravo começou a assombrar também as grandes metrópoles e, paradoxalmente, está concentrado na cidade mais rica do país, São Paulo, principalmente nas indústrias de confecção – com predominância de mão de obra imigrante, sobretudo boliviana – e na construção civil. Mas também há registros de trabalhadores em condições análogas às da escravidão em cidades de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. De acordo com dados oficiais, desde 1995 1.066 trabalhadores foram resgatados de áreas urbanas, em 45 operações.
Os trabalhadores sujeitam-se a esse tipo trabalho porque não têm alternativas, estão passando fome e têm famílias para sustentar. Como disse o procurador-geral do Trabalho ao Valor: “Já vi gente pedindo para não se fechar o lugar onde trabalhava porque ali, apesar dos pesares, a pessoa conseguia comer”.
O trabalho degradante em regiões urbanas revela uma lógica perversa, na qual empresas ultramodernas reproduzem relações arcaicas de trabalho, na medida em que contratam empresas terceirizadas que exploram trabalhadores em condições análogas às dos escravos. A persistência dessas relações arcaicas em economias modernas exemplifica a tese, defendida por alguns economistas, historiadores e sociólogos marxistas, de que, em países periféricos, o capitalismo cresce recriando relações não-capitalistas de produção, como a servidão e formas análogas à escravidão.
A reportagem do Valor enfatiza, no entanto, que essa situação degradante vem mudando nos últimos anos em razão da atuação decisiva do Estado brasileiro. O procurador-geral do Trabalho, Luís Antônio de Camargo Melo, disse ao jornal que considera a situação do trabalho escravo no Brasil contemporâneo muito grave, mas avalia que já foi infinitamente pior. “O Estado brasileiro se comprometeu com essa tarefa (de erradicação do trabalho degradante) e estamos muito melhor do que há 20 anos, pois temos uma atuação articulada (entre Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho, polícias estaduais e entidades civis) e um tratamento sigiloso das denúncias”, diz o procurador.
O jornal também lembra que, nos últimos anos, a Justiça começou a atuar para punir os responsáveis por essa prática degradante. O caso mais emblemático, segundo profissionais da área trabalhista, foi em 2012, quando o Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve decisão de segunda instância que determinou à Construtora Lima Araújo e à Lima Araújo Agropecuária o pagamento de danos morais coletivos de R$ 5 milhões por trabalho escravos em fazendas do grupo no Pará por práticas reiteradas, que iam desde a falta de água potável até a venda de equipamentos de proteção individual, atraso nos pagamentos e inexistência de folgas. Foi a primeira vez que um processo de trabalho escravo transitou em julgado, isto é, foi julgado em última instância.
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Apesar dos avanços, a luta contra o trabalho escravo continua. Tivemos muitas vitórias, mas sofremos alguns reveses, como em 2013, quando a tentativa da Câmara dos Deputados de investigar essa situação por meio de uma CPI foi torpedeada pela bancada ruralista.
Hoje, no Senado, esses setores trabalham para alterar na legislação brasileira a definição de trabalho escravo limitando aos casos em que há ameaças e violência física direta, ignorando os casos de degradação humana, ainda recorrentes no país.
A votação, em segundo turno no Senado, da Proposta de Emenda à Constituição 57, conhecida como PEC do Trabalho Escravo está sendo condicionada ao abrandamento de um conceito já reconhecido e elogiado por instituições como a Organização Internacional do Trabalho (OIT). A mudança de entendimento do que é trabalho escravo vai de encontro à PEC que busca o endurecimento das leis com desapropriação de terras e propriedade daqueles que forem condenados por exploração de trabalho escravo.
Claudio Puty é deputado federal (PT-PA), vice-líder do governo no Congresso Nacional.
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