Chilenos votam domingo para enterrar Constituição neoliberal de Pinochet

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Da Redação

Os chilenos vão às urnas no domingo para votar no plebiscito que pode enterrar a Constituição herdada do governo ditatorial de Augusto Pinochet.

O plebiscito foi uma das consequências de massivas manifestações populares no Chile contra as políticas neoliberais escritas na Constituição.

Além de decidir se querem ou não uma nova Constituição, os chilenos vão definir se ela deve ser escrita de maneira mista, ou seja, com a presença de atuais legisladores, ou de forma “pura”, por 155 constituintes eleitos, sendo metade homens e mulheres.

O presidente neoliberal Sebastián Piñera só se manteve no cargo por causa da pandemia de coronavírus, que provocou uma pausa nas manifestações populares.

Plebiscito no Chile pode mudar constituição criada por Pinochet durante a ditadura

Por Mathias Boni*, no Humanista

Após mais de um ano de protestos populares, população chilena vai ainda em outubro às urnas para decidir se finalmente muda a constituição criada sete anos após o golpe de 1973.

Em outubro, a “Primavera Chilena” completa um ano. Foi neste mês, em 2019, que os primeiros protestos tomaram as ruas de Santiago.

O que iniciou como uma manifestação contra o preço das tarifas do metrô na capital chilena virou uma onda contra o governo do presidente Sebastián Piñera, pedindo reformas sociais e econômicas, que varreu o país e levou milhões de chilenos às ruas, produzindo imagens que rodaram o mundo todo.

O povo chileno alcançou conquistas concretas através das manifestações, e a principal delas provavelmente foi a convocação de um plebiscito para decidir pela renovação da atual constituição, elaborada em meio à ditadura de Augusto Pinochet.

Agora, em 25 de outubro, e pouco mais de 50 anos após a eleição de Salvador Allende, em setembro de 1970, os chilenos finalmente terão a chance de superar a Carta Magna criada para legitimar de 11 de setembro de 1973, liderado por Pinochet.

Em tempos de polarização política e retrocessos em democracias mundo afora, o Humanista foi saber como está sendo o processo que levará a população chilena a escolher o futuro do seu país em breve.

Protestos começaram em 2019

De forma similar com o que ocorreu com o Brasil em junho de 2013, os protestos de outubro de 2019 no Chile tiveram seu estopim através de manifestações contra o preço das tarifas do transporte público.

Após um confronto entre estudantes e carabineiros (como é conhecida a polícia por lá), em uma estação de metrô no dia 15, os protestos se transformaram em pedidos de profunda reforma social, econômica e política e tomaram conta do país todo.

A onda foi tão forte que, já no dia 18, o presidente Sebastián Piñera, um dos principais alvos dos manifestantes, declarou estado de emergência no Chile e, no dia 19, declarou toque de recolher em diversos locais, medidas que não eram tomadas desde a ditadura do século passado.

Mas essas ações não são os únicos fatores no atual contexto chileno que remetem ao período ditatorial que o Chile passou há algumas décadas.

A atual constituição do país ainda é a que foi criada justamente por Pinochet, em 1980, para legitimar as barbaridades do seu regime, e sua troca virou exigência dos manifestantes.

Além disso, eles também pediam a queda de Piñera e de seu braço direito, o Ministro do Interior, Andrés Chadwick. Os protestos continuaram crescendo com o passar das semanas, principalmente centrados na Plaza Dignidad, nome com o qual os manifestantes rebatizaram a Plaza Itália, em Santiago.

Durante as manifestações, tradicionalmente realizadas às sextas-feiras, destacava-se a violência da repressão dos carabineros, que causaram dezenas de mortes e milhares de outras agressões.

Mesmo assim, as manifestações continuaram crescendo e chamando cada vez mais a atenção mundial.

Grandes eventos internacionais marcados para acontecer no país começaram a ser cancelados, como a COP25 e a própria final da Copa Libertadores.

Piñera quase caiu, mas conseguiu se manter no poder, também ajudado, nesse aspecto, pela chegada do início da pandemia do coronavírus no país, já em março de 2020, que fez com que os protestos fossem suspensos.

Porém, Andrés Chadwick saiu do governo, assim como uma série de outros ministros, e um plebiscito para mudar a constituição do país também foi finalmente agendado.

A atual Constituição chilena

Assim como no Brasil, os militares chilenos também mudaram a constituição do país depois que instauraram o período ditatorial.

Entretanto, poucos anos após o fim da ditadura brasileira, foi criada uma nova constituição, promulgada em 1988.

Os chilenos não fizeram isso depois do fim da ditadura de Pinochet, em 1990.

Apesar de ter sofrido reformas, a atual constituição chilena ainda é a que foi criada por Pinochet, sete anos após o golpe militar chileno.

E a constituição chilena ainda tem uma outra peculiaridade: além de suprimir as liberdades e os direitos conquistados após um período de ganhos sociais vivido pelo Chile entre a década de 1940 e a década de 1970, culminando na eleição de Allende, a Carta Magna tem um viés altamente neoliberal, característica marcante do regime econômico de Pinochet à frente do Chile.

Esse é um ponto central no atual movimento de mudança constitucional chileno.

Junto com a falta de legitimidade que uma constituição promulgada em um período ditatorial possui, a orientação econômica neoliberal que o documento impõe são os dois principais aspectos que os chilenos desejam mudar em relação à atual constituição.

Portanto, além de possuir diversos enclaves autoritários, a constituição chilena estabelece um modelo econômico neoliberal, favorecendo uma série de privatizações de serviços essenciais no país, inclusive na Saúde, na Educação e até na água.

Por isso, remover as amarras neoliberais e reverter a lógica do estado mínimo estabelecida atualmente é também uma das principais reivindicações em relação ao plebiscito constitucional dos próximos dias.

O tão aguardado plebiscito

O plebiscito constitucional havia sido marcado inicialmente para o dia 26 de abril. Porém, acabou inicialmente adiado por causa da pandemia, sendo remarcado mais tarde para 25 de outubro.

No dia da votação, os chilenos deverão indicar se “aprovam” ou “rechaçam” a mudança da atual constituição.

Se vencer o apruebo, uma nova constituição será elaborada, devendo ser ratificada pela população ainda em outro plebiscito. 2021 promete ser um ano bem agitado no Chile, já que o país ainda passará por eleições parlamentares e presidenciais.

Se a pandemia de Covid-19 num primeiro momento foi favorável a Piñera por não permitir mais aglomerações nas ruas e arrefecer o clamor popular por sua saída e pelo sucesso inicial do presidente no combate ao novo coronavírus, esse quadro reverteu-se totalmente.

Hoje, o país é um dos com o maior número de mortes causadas por Covid-19 por habitante no mundo.

Além disso, assim como nos seus vizinhos, a crise sanitária também proporcionou uma grave crise econômica, e os chilenos possuem atualmente mais de dois milhões de desempregados, sendo que a população total do país é de 18 milhões de habitantes.

Ainda por cima, nos últimos meses, o povo voltou às ruas para manifestar opinião favorável à mudança constitucional – assim como a violenta repressão dos carabineros.

Em toda e qualquer manifestação na Plaza Dignidad, a polícia chilena aparece pelo menos com seus tanques e jatos de água para dispersar a população.

Às vezes, a brutalidade é ainda maior, como ocorreu no último dia dois, quando um carabinero empurrou um manifestante de apenas 16 anos de cima de uma ponte no rio Mapocho.

Por muita sorte, o jovem não morreu, mas foi internado em estado grave num hospital e precisou passar por cirurgias por causa das inúmeras lesões e fraturas.

Por esses motivos, quem acompanha um pouco mais de perto a situação do Chile sabe que razões para mudar a atual constituição do país não faltam.

Seja por sua ilegitimidade, pois foi criada em meio a um período ditatorial, que ainda se manifesta muito presente através da atuação repressiva da polícia chilena, seja por sua orientação econômica, que estabelece uma atuação precária do estado até em serviços altamente essenciais.

*Mathias Boni é advogado, com especialização em Direito Internacional e Direitos Humanos e Mestrado em Migração Internacional e Direito dos Refugiados. É aluno do curso de Jornalismo da Fabico/UFRGS e mantém coluna sobre assuntos internacionais no portal Humanista ao longo de 2020. Contato: [email protected].


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