Barão da nova mídia, do eBay, ajudou a derrubar o governo da Ucrânia

Tempo de leitura: 13 min

Os Estados Unidos queriam Castelo Branco no poder: e ele assumiu! (Arseniy Yatseniuk, na Ucrânia)

4 de março de 2014.

Oligarcas  triunfantes

Ucrânia, Omidyar e a agenda neo-liberal

 CHRIS FLOYD, no Counterpunch

1.

A intervenção ocidental na Ucrânia deixou a região, agora, à beira de uma guerra. A oposição política ao governo do presidente Viktor Yanukovych – um regime corrupto e bandido, mas como tantos outros regimes corruptos e bandidos que se vê hoje em dia, eleitos democraticamente — foi financiado em parte por organizações do governo norte-americano ou associadas a ele, como a National Endowment for Democracy (um velho veículo de golpes pró-Washington) e a USAID. Também recebeu apoio financeiro substancial de oligarquias ocidentais, como do bilionário Pierre Omidyar, fundador do eBay e financiador exclusivo do novo meio jornalístico “adversário”, o First Look, como conta o Pandodaily.

Yanukovych inflamou protestos massivos no fim do ano passado, quando recusou um acordo financeiro proposto pela União Europeia e escolheu, no lugar dele, um pacote de ajuda financeira de US$ 15 bilhões da Rússia. O acordo da EU deixaria a Ucrânia, então desesperada por dinheiro vivo, em uma camisa de força financeira, como a Grécia, e na realidade sem promessa de um caminho para eventualmente ingressar na UE.

Havia outra cláusula na proposta de acordo da UE que raramente foi divulgada: ela teria proibido a Ucrânia de “aceitar futuras ajudas dos russos”, como salientou Patrick Smith em um importante artigo publicado no Salon.com.

Era um acordo brutal do tipo pegar ou largar que deixaria a Ucrânia sem margem de manobra, incapaz de usar sua posição única entre o Leste e o Oeste para sua própria vantagem no futuro, ou incapaz de conduzir sua política externa e econômica como achasse melhor. Yanukovych preferiu o acordo russo, que dava à Ucânia dinheiro vivo imediatamente e não impunha as mesmas restrições draconianas.

Foi uma decisão política. Pode ter sido a decisão política errada; milhões de ucranianos acharam que ele estava errado.

Yanukovych, que já não era popular antes do acordo, provavelmente seria expulso da presidência pela via democrática nas eleições nacionais marcadas para 2015. Mas as demonstrações de desagravo em relação a essa decisão política cresceram e se tornaram um grito pela mudança de governo.

Enquanto isso, nos bastidores, Washington estava manobrando para colocar no poder seu candidato predileto, Arseniy Yatseniuk, como ficou bem claro com o vazamento da conversa gravada entre a subsecretária de estado Victoria Nuland e o embaixador norte-americano na Ucrânia, Geoffrey Pyatt.

Vale à pena notar que quando Yanukovych finalmente caiu – depois que a oposição rejeitou o acordo fechado pela EU para instaurar um governo de coalização e marcar eleições para dezembro – Aseniy Yatseniuk efetivamente assumiu o controle do governo ucraniano, como planejado.

De acordo com todos os relatos, Viktor Yanukovych era um personagem repugnante que geria um governo repugnante, com o apoio de oligarcas repugnantes que exploram o país para seu próprio benefício e o deixam empobrecido e caótico.

Nesse aspecto, ele não era muito diferente de seus antecessores, ou muitos dos que o suplantaram e que também têm apoio dos oligarcas e conexões duvidosas (veja o adendo abaixo). Mas em muitos casos, a ideia de apoiar uma derrubada inconstitucional do governo ucraniano, eleito livremente, com uma revolta baseada exclusivamente nas voláteis distinções culturais e linguísticas que dividem o país, parece uma receita óbvia para o caos e a briga.

Era certo também que isso provocaria uma resposta da Rússia. Foi, em outras palavras, uma política monumentalmente estúpida (como destacou Mike Whitney).

Smith acrescenta:

“A panelinha que dirige a política externa (dos Estados Unidos) continua totalmente comprometida com a propagação da ordem neoliberal em escala global e não admite exceções. Essa é a política norte-americana no século XXI. Ninguém pode alimentar ilusões (como essa coluna confessa já ter feito) de que a conduta dos Estados Unidos no exterior possa mudar por conta própria em resposta à leitura inteligente da ordem que veio à tona depois da guerra fria. Impor a ‘democracia’, ao estilo norte-americano, era a história dos Estados Unidos desde o começo, com certeza, e tem sido a missão desde que [presidente Woodrow] Wilson a definiu e mesmo antes que ele chegasse à Casa Branca. Quando a guerra fira acabou, nós começamos a década do bullying triunfalista – guerra econômica travada sob a égide do ‘Consenso de Washington’ – o que era a mesma coisa”.

A política norte-americana é baseada em – e depende de – uma ignorância arrogante, furiosa e obstinada a respeito das outras pessoas, de outras culturas, da história em geral, e até mesmo da história recente da própria política externa norte-americana.

As relações históricas e culturais da Ucrânia com a Rússia são altamente complexas.

A Rússia tem uma identidade nacional que vem da cultura que se desenvolveu em torno do que hoje é Kiev; de fato, de várias formas, a “Rússia” nasceu em Kiev.

Ainda assim, um dos primeiros atos dos revolucionários apoiados pelo Ocidente foi passar uma lei declarando o ucraniano como única língua oficial, apesar da maior parte do país falar russo ou Surzhyk, “uma mescla de ucraniano e russo (muitas vezes com pitadas de húngaro, romeno e polonês)”, como Peter Pomerantsev, do LRB, detalhou em excelente artigo sobre a riqueza e a complexidade linguística e cultural da Ucrânia.

Isso não significa dizer que os ucranianos não têm motivos para se preocupa com um abraço russo. Milhões de ucranianos morreram nos anos 30 por causa da fome causada por políticas desumanas impostas pelo governo de Moscou (apesar de o governo ser dirigido por um representante da Georgia, em nome da ideologia transnacional). Complexidade e volatilidade sempre estiveram presentes. Hoje, como diz Smith, muitos ucranianos enxergam espaço para relações mais próximas com o ocidente; os mais sensatos parecem preferir uma “terceira via”, nada de isso ou aquilo. Muito poucos querem uma ruptura definitiva com a Rússia.

Ainda assim, a todo o momento, o novo governo de Kiev, que tem o apoio do Ocidente, tem pressionado essas divisões voláteis defendendo políticas estritamente anti-russas enquanto os governos ocidentais fazem de conta que isso não terá consequências, nenhuma reverberação em Moscou.

E mais: as facções neofascistas que desempenharam um papel preponderante na revolta agora estão reivindicando que a Ucrânia se torne uma potência nuclear, depois de ter aberto mão das armas nucleares soviéticas em seu território, em 1994.

De fato, o líder da direita radical Oleh Tyahnybok fez do rearmamento nuclear sua plataforma presidencial para as eleições de poucos anos atrás. Agora o partido está dividindo o poder com o governo apoiado pelo Ocidente; será que em breve veremos uma Ucrânia somada ao ranking das nações nucleares? Com uma fronteira eriçada com a Rússia – como o holocausto por um fio entre a Índia e o Paquistão?

Mais uma vez vemos a cegueira estúpida da arrogância, quando o elitismo neoliberal do “consenso de Washington” continua a cometer seus erros pelo mundo afora.

2.

Agora nós estamos à beira de uma guerra pela Criméia. Aqui também existem complexidades históricas que são totalmente ignoradas pela narrativa da mídia.

A Criméia não era considerada parte da Ucrânia até que foi transferida por ordem administrativa do governo soviético em 1954, removendo-a das “repúblicas socialistas” russas e transferindo-a para a jurisdição das “repúblicas socialistas” ucranianas.

Quando houve o colapso da União Soviética, a Criméia se tornou uma república autônoma que operava sob a constituição da Ucrânia. Sua população é composta por 60% de russos, mas ainda assim o idioma dessa maioria perdeu status oficial por parte do governo em Kiev que tomou o poder por meios não constitucionais.

Nada disso justifica a mão pesada que Putin está adotando. Mas a Rússia dos tempos pós-soviéticos, sem ideologia transnacional, se tornou um estado altamente nacionalista.

Putin é um líder autoritário que agora baseia sua argumentação furada na “legitimidade” – e na dominação de sua panelinha brutal – da defesa do nacionalismo russo e de “valores tradicionais”.

É inconcebível que ele não fosse considerar as interferências óbvias do Ocidente na Ucrânia como um ato de provocação e atitude temerária que tem como alvo ele e seu regime, e que ele não reagisse à altura.

Então, aqui estamos. Caos, briga, ameaça de guerra – e a pesada fumaça da ignorância cobrindo tudo isso. Andamos novamente como sonâmbulos em direção ao desastre.

Deliberadamente promovendo tumulto sem a mais vaga preocupação com as consequências, ou com o sofrimento que ele causa agora e talvez a gerações futuras. (Pense no Iraque, por exemplo, ou na propagação da violência e do caos que já se alastrou por vários países a partir da intervenção nos assuntos internos da Líbia).

Mas por que estamos aqui? Ganância. Ganância e a sede de dominação.

Não vamos falar em “poder” porque essa palavra tem conotações positivas e pode também incluir um elemento de responsabilidade.

Mas os oligarcas e ideólogos, os militaristas e ministros que fazem parte desse episódio do Grande Jogo, de métodos duvidosos, não querem poder no sentido amplo e profundo.

O que eles querem é dominação, ser senhores de todos – fisicamente, financeiramente, psicologicamente. Entre os que estão no topo dessa situação, de todos os lados, não existe a menor preocupação com o bem comum dos demais seres humanos – nem mesmo daqueles com os quais têm alguma ligação por mero acidente histórico ou geográfico: idioma, nacionalidade, etnia.

A sede de tomar tudo e dominar supera todo o resto, apesar de toda a devoção que destila da retórica de todos os lados.

E se a guerra for evitada, qual é o provável resultado para a Ucrânia (além de viver em tensão eterna com um vizinho autoritário, ameaçado e cheio de ódio ao norte)? Smith nos diz: traição.

“Imediatamente após Yanukovych ser escorraçado de Kiev, a sedução começou a se transformar em traição. Os norte-americanos e europeus começaram a bater os pés com relação ao que fariam pela Ucrânia agora que a Rússia tinha fechado a torneira dos US$ 15 bilhões. Acontece que agora ninguém quer pagar a conta. Washington e a União Europeia estão empurrando o Fundo Monetário Internacional para a posição de líder do socorro do Ocidente. Se o passado serve de guia, os ucranianos vão conhecer agora a ‘terapia de choque’ que o economista Jeffrey Sachs tanto defendeu na Rússia, na Polônia e em todos os lugares depois do colapso da União Soviética. Sachs depois negou (desonestamente) ter feito este papel – é de se compreender dados os resultados calamitosos, notadamente na Rússia – mas a receita neoliberal é aplicada sem levar em conta realidades locais e os ucranianos estão a ponto de tomar sua dose”.

“É errado, como todo pensamento não histórico é. As ex-sociedades comunistas, especialmente no contexto Oriental, devem logicamente avançar primeiro para alguma forma de democracia social e então decidir se querem levar as coisas mais para a direita. O medo de Washington, evidente durante a guerra fria, era de que as democracias sociais provassem que elas funcionam – o que apresentaria uma ameaça ainda maior, paradoxalmente, do que o modelo soviético. Os ucranianos que são a favor da inclinação para o ocidente, que idealizaram a União Europeia, parecem supor que eles vão desenvolver um sistema mais ou menos entre o dos escandinavos e a Alemanha, como os europeus do leste previram anteriormente. Eles então vão ficar realmente chocados com o acordo do FMI. Será amargo, depois das promessas traiçoeiras cuidadosamente apresentadas”.

Aconteça o que acontecer, parece certo que as oligarquias – ocidentais, ucranianas, europeias ou russas continuarão exercendo dominância – porém, algumas das que defenderam com veemência o lado perdedor podem ser afastadas. Ainda assim, a maior parte dos oligarcas, em todas as nações, é, em geral, especialista em jogar dos dois lados ou em trocar de lado quando necessário.

O Murdoch do século 21

É tentador ver esse princípio aplicado ao caso de Pierre Omidyar, proeminente financiador privado dos esforços americanos de custear e dirigir a oposição ucraniana ao poder, como reportou Pandodaily.

Omidyar, que criou o eBay e agora é dono do PayPal, se tornou muito conhecido recentemente – e foi universalmente elogiado – por ter se comprometido com US$ 250 milhões para o First Look, um grupo editorial dedicado ao jornalismo antagonista.

Ele montou uma equipe de estrelas para sua empreitada, incluindo Glenn Greenwald, Matt Taibbi, Jeremy Scahill, Marcy Wheeler e outros de reputação semelhante. Não seria exagero dizer que ele se tornou um genuíno herói da esquerda, que tendeu a desconsiderar qualquer crítica ou questionamento a respeito de sua nova iniciativa, ou de suas operações mais amplas, como reclamação de perdedores invejosos – ou como ação disfarçada do Estado que estaria tentando tirar do eixo essa perigosa ameaça ao governo da elite.

Ainda assim, as amplas operações de Omidyar – incluindo as da Ucrânia – não casam bem com a imagem de paladino dos antagonistas ou de perigo para o sistema.

Deixando de lado as circunstâncias problemáticas do ativismo antagonista se tornar dependente das vontades pessoais de um bilionário, existe o fato de que a visão filantrópica de Omidyar se baseia em grande parte na financeirização dos esforços para aliviar a pobreza – de transformá-los de programas de caridade ou do governo em iniciativas que visam fazer dinheiro e premiam investidores com bons retornos enquanto quase sempre deixam os recipientes em situação ainda pior do que estavam antes.

De acordo com a reportagem da nsfwcorp.com, aí se incluem iniciativas de microcrédito na Índia que levaram a suicídios em massa entre os devedores pobres e programas “empreendedores” que deram a favelados direito de posse de pequenos lotes – ainda em situação de penúria, eles os vendem por uma ninharia a grandes operadores que então eliminam os guetos para erguer projetos lucrativos enquanto os pobres têm que procurar outra favela.

Nesse projeto, Omidyar se associou a Hernando de Soto, um direitista seguidor da “doutrina do choque” que foi conselheiro do ditador peruano Alberto Fujimori; de Soto também é aliado dos irmãos Koch [bilionários de extrema-direita dos Estados Unidos]. Omidyar também jogou dinheiro em esforços para lucrar com a privatização da educação pública dos Estados Unidos e de outros lugares, forçando as crianças de lugares pobres do mundo a pagar pela educação fundamental – ou ficar sem ela.

Então, Omidyar parece ser parte integrante da “ordem neoliberal” que, como Patrick Smith mostrou acima, os Estados Unidos estão promovendo “em escala global, sem admitir exceções”.

Assim, não é surpresa vê-lo tentando fazer esse papel de levar essa ordem à Ucrânia de acordo com os esforços declarados e as maquinações de bastidores do governo dos Estados Unidos.

Omidyar é, abertamente, um firme defensor da ordem neoliberal – privatizar bens públicos para o lucro individual, converter caridade e ajuda estatal em empreendimentos lucrativos para um grupo seleto de investidores e trabalhar para eleger ou apoiar governos que comunguem dessas políticas.

Nenhuma dessas atividades é ilegal. Nenhuma delas necessariamente impede que ele também financie o jornalismo independente. Mas não posso achar insensato trazer esses fatos à tona.

Não acho insensato aplicar a este oligarca bilionário a mesma desconfiança que você aplicaria a qualquer outro.

Por exemplo, se um website do First Look publicar uma forte denúncia a respeito das terríveis maquinações de outros oligarcas ou empresários, não acho insensato as pessoas procurarem saber se o alvo por acaso é um rival de Omidyar de alguma forma ou se a remoção ou humilhação dele ou dela de alguma maneira beneficiaria os negócios e os interesses políticos de Omidyar.

Se faz o mesmo com o New York Times e sua agenda óbvia pró-establishment, ou com os jornais de Rupert Murdoch, e assim por diante; o contexto mais amplo ajuda o leitor a colocar os artigos em perspectiva, e dar a eles o peso correspondente.

Isso não significa que os fatos desta ou daquela matéria não sejam verdadeiros; significa que não devem ser engolidos crus, sem visão crítica, sem a consciência de que existem outros interesses em jogo.

Isso parece tão básico que quase dá até vergonha apontar. Ainda assim, quase todo mundo que levantou essas dúvidas a respeito do investimento de Omidyar em mídia foi logo execrado, às vezes ferozmente, por aqueles que em outras situações têm desconfiança evidente com relação ao Grande Dinheiro e suas agendas.

Muitos dos que estão atacando a reportagem do Pandodaily sobre Omidyar e a Ucrânia dizem que “este é o mundo em que vivemos” – um mundo dominado pelo Grande Dinheiro – e você tem que fazer o melhor possível com essas más condições.

E também, as empresas de notícias sempre foram propriedade de ricos e poderosos, o First Look não é diferente.

Exatamente. Então o First Look – propriedade exclusive de um bilionário neoliberal que, como disse Jeremy Scahill, tem muito interesse nas atividades diárias de sua organização de mídia – deve ser objeto do mesmo padrão de escrutínio usado para avaliar qualquer outra empresa de mídia dos ricos e poderosos. Mas isso não parece estar acontecendo. Na verdade, é bem o contrário.

Acho que talvez haja um erro categórico aqui. Por causa da reputação dos que assinaram contrato com Omidyar, se cristalizou a ideia de que Omidyar está interessado em lançar luz sobre as maquinações secretas do estado de segurança nacional e suas tiradas imperialistas pelo mundo.

Mas as declarações de Scahill indicam que a “visão” de Omidyar é bem mais limitada. A entrevista de Scahill ao Daily Beast, citada pelo Pandodaily, é bastante reveladora. Abaixo, um trecho um pouco mais longo do que o reproduzido pelo Pando:

“O empreendimento terá uma separação menor entre o proprietário e o jornalista do que existe na mídia tradicional. Omidyar diz que quis fazer o projeto porque estava interessado em temas ligados à Quarta Emenda e eles estão contratando equipes de advogados não apenas para evitar que os funcionários sejam processados, mas também para pressionar ativamente os tribunais em relação à Primeira Emenda, para “forçar o confronto com o estado nesses temas”.

“(Omidyar) me parece sempre meio político, mas acho que a estória da Agência de Segurança Nacional (NSA) e das guerras se expandindo colocou a política em uma posição bem mais proeminente na existência dele. Esse não é um projeto paralelo que ele está tocando. Pierre escreve mais no nosso sistema interno de mensagens do que qualquer outro. E ele não está micro administrando. Esse cara tem uma visão. E a visão dele é confrontar o que ele vê como um assalto à privacidade dos norte-americanos”.

Omidyar tem uma preocupação apaixonada com as interferências do governo na privacidade, diz Scahill, enquanto nota – meio abominavelmente – que o projeto terá uma “separação menor entre dono e jornalista do que na mídia tradicional”.

Você imaginaria que isso seria suficiente para fazer soar o alarme de um jornalista antagonista de longa data como Scahill, mas aparentemente não.

Em todo caso, toda a ideologia neoliberal de Omidyar se baseia na habilidade de indivíduos ricos em operar livremente, sem controle de governos, enquanto correm o mundo em busca de lucro. (E também, se acontecer, alguns benefícios sociais; mas se a iniciativa com fins lucrativos de um acaba levando centenas de pessoas ao suicídio, bem, c’est la vie, eh?).

Naturalmente, indivíduos ricos também querem viver livres da espionagem do governo enquanto conduzem seus negócios. Eles cooperam de bom grado com o Estado de Segurança Nacional quando os benefícios são mútuos, no caso de Omidyar e seus parceiros do governo na Ucrânia – mas eles querem que tudo seja feito nos termos deles.

Querem que as informações deles sejam mantidas sob o controle deles.

A deposição de um governo estrangeiro, a invasão de terras estrangeiras, o assassinato extrajudicial de pessoas pelo mundo, a militarização da política e da sociedade norte-americanas – isso realmente não os preocupa.

Na verdade, isso ajuda a expandir os parâmetros de negócios deles e a expandir sua ideologia neoliberal. Mas a ideia de que o governo talvez também os esteja espionando – ora, isso é intolerável.

A isso se deve resistir, deve haver “confronto” a respeito desse comportamento.

Eu tenho certeza de que os jornalistas contratados pelos 250 milhões de dólares do Omidyar produzirão um trabalho de valor, levantarão fatos úteis.

O Times também faz isso, e o Washington Post, propriedade de um oligarca também, assim como de vez em quando os jornais do Murdoch.

Mas não acho que o empreendimento do Omidyar foi criado para desafiar o status quo ou representar uma “ameaça” ao sistema que os veneradores deste herói estão procurando.

Por sinal, até mesmo Greenwald pede apenas “reformas” do sistema, “monitoramento real” do Estado de Segurança Nacional por parte dos legisladores – os mesmos comprados, vendidos, acovardados e dominados pelo Grande Dinheiro.

Eu honestamente não penso que o poder constituído se sinta ameaçado por um empreendimento montado por um dos seus que se limita e pedir “reformas” por “dentro” – especialmente quando seu único proprietário continua colaborando com os irmãos Koch, com ideólogos radicais de direita como Hernando de Soto e até mesmo com o Estado de Segurança Nacional em suas aventuras subversivas no exterior.

Os objetivos de Omidyar são limitados: proteger a privacidade dos indivíduos da intromissão do governo. Esse é um objetivo nobre e que vale à pena.

Mas com base em suas atitudes, ele está perfeitamente satisfeito se esse indivíduo, com sua privacidade protegida, avançar a penosa agenda neoliberal no resto do mundo, e em casa, em conluio com o Estado Nacional de Segurança se necessário.

Se Greenwald, Scahill, Taibbi, Wheeler e os demais estão também de acordo com esta agenda, isso é algo que vamos descobrir nos próximos meses.

***

Atualização: Por falar em oligarcas triunfantes, depois que este artigo foi escrito, a seguinte notícia me chegou pelo New York Times:

“O gabinete do Presidente Oleksandr V. Turchynov anonciou duas indicações, no domingo, de dois bilionários – Sergei Taruta em Donetsk e Ihor Kolomoysky em Dnipropetrovsk – e outros estavam sendo considerados para posições nas regiões do leste do país”.

“A estratégia é o reconhecimento de que os oligarcas representam a elite industrial e de negócios do país e exercem grande influência sobre milhares de trabalhadores no leste. Oficiais disseram que a esperança é de que eles possam dissipar desejos separatistas no leste”.

Como sempre, a situação é de vitória dos oligarcas desde mundo.

Chris Floyd é colunista do CounterPunch Magazine. O blog dele, Empire Burlesque, pode ser acessado aqui: www.chris-floyd.com.

Leia também:

Mike Whitney: Ucrânia, o plano mais idiota de Obama


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Comentários

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Andre

Ligações Perigosas:
Seria uma simples coincidencia o fato de Gleen Greenwald que defendeu nazistas gratuitamente nos EUA quando atuava como advogado ter sido chamado para trabalhar no projeto jornalistico de Omydiar que financiou o golpe neonazi na UcrÂnia???

Isidoro Guedes

Hoje a ex-primeira dama Hillary Clinton com a empáfia peculiar dos norte-americanos afirmou que Vladimir Putin está agindo tal como Adolf Hilter em relação a Ucrânia.
Ora, ora, ora… miss Clinton só se esqueceu de um pequeno detalhe: quem fez acordos com os insurgentes ucranianos (repletos de neonazistas) para levar adiante um golpe de Estado na Ucrânia foram justamente os norte-americanos. Portanto os EUA tem pouca moral para falar de comportamento nazista, quando eles mesmos fazem acordos com a extrema-direita para atingir fins geopolíticos.
Se falam são no mínimo cínicos e incoerentes.

Bonifa

Há uma coisa que o governo brasileiro precisa entender, e esta coisa diz respeito à necessidade imperiosa de manter as Forças Armadas em excelentes condições para defender o país. A marinha e as forças armadas da Ucrânia passaram por longo período de deterioração progressiva, fruto dos desastrosos aconselhamentos de FMI e outros, verdadeiro sucateamento em razão de cortes neoliberais de orçamento. Já as forças russas, pelo contrário, sofreram um súbito choque de aumento de salários em 2011 e 2012, o que certamente elevou o moral de todo o sistema de defesa da Rússia. Se os oficiais da marinha ucraniana na Crimeia aderiram em massa à ideia de uma força independente do poder central de Kiev, passando para o lado que quer independência total da República da Crimeia, foi em boa parte porque se sentiam humilhados diante de seus colegas russos que, no mesmo porto de Sebastopol, falando a mesma língua, frequentando os mesmos bares, lhes pareciam muito superiores. Com efeito, um capitão-de-mar-e-guerra ucraniano hoje ganha menos que um sargento da marinha russa.

    Bonifa

    Cansados de aguardamos moderação. O que é que há? Tudo o que dissemos está na imprensa internacional, nada inventamos.

Marcus Vinicius

enquanto isso na Venezuela, um padre da Igreja Católica da Venezuela (via Twitter) usando imagem de Pinheirinho e diz que é a resistência do povo venezuelano contra Maduro… lamentável !!

fonte: pic.twitter.com/Nsi0KdYpSS

    Bonifa

    Só há uma explicação: É o Demônio. Como já foi sondado no Vaticano, o Demônio sentiu a possibilidade de poder dominar a Terra agora, neste momento, e está ativo operando por toda a parte. Pessoas ótimas de repente se transformam em monstros.

Luís Carlos

Governo biônico ucraniano chegou ao poder por golpe armado. Hoje Ucrânia é terra sem lei, como nazistas ameaçando e perseguindo todos que discordam deles, especialmente russos e judeus.

Narr

Cabe um peraí na análise.
Acusa o magnata americano de apoiar dois programas de direita: o que dá propriedade ao favelado (que logo depois ficou sem casa porque vendeu) e o do microcrédito (que levou ao suicídio de milhares de inadimplentes).
Ora, título de propriedade para moradores de comunidades e microcrédito são defendidos pela esquerda brasileira!
É a direita assumida brasileira que os critica.
O erro está em não contextualizar as medidas.
Só se pode compreender o sucesso ou fracasso (sob este ou aquele ponto de vista) dentro do contexto de sua aplicação.
Nas condições brasileiras, o microcrédito dinamizou o consumo e surgimento de várias pequenas empresas familiares.
Nas condições brasileiras, o título de propriedade é reivindicação antiga dos moradores de comunidades e de posseiros camponeses.
Temos que tomar cuidado porque nós da esquerda facilmente sucumbimos à falácia da má companhia , ou seja, aquela que serve para “provar” que Hitler era comunista ou que Churchill era lacaio de Stálin.

    abobrinha

    concordo, mas leve em conta que esses programas por ai afora são privados e não públicos como no nosso país…

    renato

    É pequena esta diferença.
    Da água para o vinho.
    Dilma 2014 13

    Luís Carlos

    Crédito com situação de pleno emprego como ocorre no Brasil é bem diferente de crédito com altas taxas de desemprego e baixíssima distribuição de renda sem estado de bem estar social com polīticas públicas universais, como por exemplo, saúde (SUS) e previdência.

carlos

Algo preocupante é verificar que os imperialistas americanos querem criar no mundo uma ordem neoliberal, sem exceções. Aquele governo que não consentir será derrubado através das manifestações violentas. E esta panelinha organizada está no mundo inteiro fomentando a divisão entre os povos. O Brasil que se cuide; porque isso é real. Esta aí o motivo deste ÓDIO reinante aqui e no mundo inteiro. E um aviso importante para aqueles que temem, por questões religiosas, um governo único mundial. O perigo não vem do comunismo, como são induzidos a pensar; mas vem da ganância de domínio do capitalismo neoliberal.

Urbano

O fascismo mundial está crescendo mais do que ovos batidos para omelete…

Luís Carlos

Como todo saqueador, os EUA empurraram Ucrânia tendo no comando ultradireitistas e nazistas para abismo. Seduziram com possíveis apoios financeiros (Kerry já anunciou ajuda de um bilhão de dólares apenas sendo que a Rússia disponibilizaria quinze bilhões de dólares sem imposições feitas pelos EUA e UE). Agora virá o saque e a pilhagem, via FMI, com toda desgraça que isso significa ao povo ucraniano, além da tentativa de bases militares dos EUA e da OTAN, que não serão tolerados pela Rússia.
Quanto ao Ebay e seu mega bilionário, como todos demais, é outro saqueador de nações.

augusto2

A reaçao obamo americana após a forte reaçao russa na Crimeia,logo nos suscitou uma FORTE dúvida.
Nao deu ainda para defini-la.
Nao se sabe se é um cinismo hipócrita.
Ou se apenas uma hipocrisia muito cinica.

lukas

Parece que a Rússia tem um direito natural sobre a Ucrânia e que Putin tem pouco a ver com a crise. As críticas são unilaterais.

    Gabriel

    Sr. Lukas, por favor, releia o texto. Não há nada sobre um “direito natural” acima e o papel de Putin está sim bem delineado. O foco, no entanto, é outro: é a mídia, as oligarquias que as controlam, a agenda neoliberal e todo o caos e destruição que eles promovem em terras “estrangeiras” – ou seja, não alinhadas com essa agenda (seja isso bom ou ruim).

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