Álvaro Rodrigues: Todas as áreas de topografia suave podem ser consideradas seguras?

Tempo de leitura: 3 min

Colegas geotécnicos (geólogos de engenharia e engenheiros geotécnicos) e de demais especialidades implicadas:

Essas últimas tragédias têm nos chamado a atenção sobre a importância em termos mais cuidado em definir como geotecnicamente estáveis certas feições de relevo de topografia mais suave junto ao sopé de nossas regiões serranas tropicais.

Há duas situações típicas de áreas de topografia suave situadas nas bordas das serras:

a)  áreas imediatamente situadas ao final das encostas de alta declividade, iniciando-se a partir da ruptura de declive negativa da encosta. Essas áreas estão sujeitas a serem atingidas pelos escorregamentos da encosta contígua. Isso define que nessas condições a ocupação urbana deverá observar uma “faixa de segurança geotécnica” de em torno de 40 metros, contados a partir da base da encosta. Faixa idêntica deverá ser observada pela ocupação dos platôs mais planos superiores das encostas. As fotos abaixo (as duas primeiras de Nova Friburgo, a terceira, de Teresópolis)  são ilustrativas.

b)  áreas situadas à frente da “boca” de vales que demandam do alto da serra. São áreas de topografia suave, mas que estão sobre leques de deposição de detritos (solo, blocos de rocha, restos vegetais) formados e originados de pretéritas corridas de lama e detritos. Ou não se ocupa essas áreas, reservando-as para parques florestados, ou se libera a ocupação mediante a execução de avantajadas obras (diques de impacto e desvio) de contenção e proteção. Dado o fantástico poder destrutivo de uma corrida de lama e detritos, essa última opção deve ser vista com enorme cuidado. Revejam  a  foto ilustrativa, a da igrejinha. Pode-se dizer que esse é um flagrante geológico da formação de mais uma camada do leque de deposição já preteritamente existente no local.

Se vocês analisarem os leques de deposição ao sopé da Serra do Mar, especialmente frente à boca dos grandes vales que descem lá do alto da escarpa, terão uma pálida idéia do que foi e é a dinâmica geológico-geomorfológicos dessa nossa belíssima região.

Há cerca de 60 milhões de anos, no início do Terciário,  a escarpa (proto-Serra do Mar) estava a cerca de 50 Km à frente da atual linha do litoral sudeste. Sabem como ela chegou até a atual posição? À custa de muito escorregamento, muita corrida de detritos, muita erosão. Essa é nossa querida Serra do Mar, com sua história, suas leis, seus ritmos, seu calendário próprio, suas idiossincrasias…

Algumas das áreas planas que são dadas hoje como ótimas de se ocupar estão sobre esses leques. Compostos em profundidade por muita areia, blocos de rocha e, às vezes, até antigos troncos de árvores. Eles são a natureza nos dizendo: tomem cuidado, aqui tem passado a rota de muita corrida de detritos. A grande dificuldade de compreensão dessas coisas decorre dos diferentes calendários por que se orientam e se comportam o homem moderno e a natureza geológica. “Ahh…, mas minha família conhece isso aqui há mais de 100 anos e nunca aconteceu coisa parecida…”. O que são 100 aninhos para a Mãe Terra?

É possível que com o histórico das chuvas que caíram na região serrana nobre do Rio houvesse um grande evento natural de escorregamentos e corridas, mesmo sem a intervenção do homem. Como em 1967 aconteceu em Caraguatatuba e Serra das Araras. O homem potencializa e transforma, por sua presença, esses eventos em tragédias, como essa que estamos assistindo. De tantos em tantos anos, sabemos lá quantos, há a probabilidade de ocorrência de trombas d’água concentradas como essas. Não há nada de novo no quartel geológico de Abrantes.

Pode-se então perguntar, vamos tirar Teresópolis, Nova Friburgo e outras cidades serranas do lugar e botar em outro? Em parte sim, aliás já propus aos amigos locais pensar em extensão urbana que seria a Nova Nova Friburgo. Mas o essencial é organizar essas cidades espacialmente e em procedimentos de defesa civil em função exata do meio físico que elas ocupam.

Nada de culpar a Natureza, com suas encostas e suas chuvas. Ao menos nós, geólogos, não podemos proporcionar essa saída para a irresponsabilidade geral com que se lida com o meio físico geológico. Temos que dar um passo adiante, sermos mais ousados em nosso papel de profissionais compromissados com a boa técnica e com os interesses da sociedade brasileira.

Grande abraço aos amigos e companheiros de jornada,

Geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos
ARS Geologia Ltda
São Paulo – SP


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Comentários

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Ana

Sim, eu acho que tem que fazer o debate político sobre a necessidade de se consultar especialistas também da natureza, e não apenas da construção, antes das tragédias acontecerem. Porque há uma idéia de que se um engenheiro falou, está falado.
Queria também aproveitar e dizer que procuro uma análise feita por alguém que realmente entenda de rios e ocupação urbana uma análise, nesta mesma linha, considerando o espaço natural e sua dinâmica, sobre as enchentes em São Paulo, no centro e nas periferias.
Obrigada.

dukrai

Fiquei dando pitaco por aí sem ler este artigo. Teria poupado muito tempo pra mim especulando coisas que não conheço e não teria tomado tempo de quem ainda lê os meus palpites.

Jorge

Sou da área do autor da matéria e concordo com a opinião do amigo Elton, somos ouvidos apenas nas desgraças, isto quando somos.

O grande fato de todas estas histórias de catástrofes das águas nas regiões serranas tem a ver com custo. Se as propostas de geólogos e topógrafos forem consideradas, os custos nas intervenções irão encarecer de tal maneira determinados loteamentos que acabarão por inviabilizá-los para as metas econômicas, sejam elas das prefeituras como também dos empreendedores e seus possíveis compradores. De um lado existem interesses em evitar a expansão das cidades, já que estes casos levam a grandes dispêndios em investimentos de governo para dotar áreas afastadas de todos os equipamentos públicos necessários como redes de água e esgoto, arruamento, transporte público, iluminação, etc.. Do outro lado, tem-se não apenas o retorno do investimentos como também os interesses comerciais e de serviços, algo que não atende as necessidades imediatas de todos os parceiros, casos de bancos, comercio em geral, etc, todos eles eternos adoradores da concentração dos consumidores em áreas restritas.

Agora, a maior piada mesmo é ficar dando ouvidos aos agentes do PiG em suas reporcagens. Acompanhar então reportagens com pseudos-especialistas… Basta ver que a pouco tempo atrás, tivemos inclusive uma jornalista "especializada" do PIG – filial FSP, discorrendo dos temores ligados a uma trinca em uma turbina da Usina de Itaipu, como se isto fosse uma coisa não corriqueira.

Fato é que eles tem medo de que o PT fique mais 8 ou 12 anos no governo, precisam encontrar um culpado, estão a fim de "construir um a quem culpar" e precisam vender a idéia.

Pensamento deles – "O povo está aí e, se eles "comprarem" a idéia, atingimos nossos objetivos e vendemos bastante jornais e revistas".

A FSP não encerrou o jornal Notícias Populares, apenas trocou de roupa e enfrenta hoje novos concorrentes de peso – Globo e Estadão e alguns canais de televisão; quem paga pelo lixo somos nós.

    Alvaro Tadeu Silva

    Concordo com tudo o que disse o Jorge e gostaria de acrescentar um comentário sobre o "buraco" que se abriu numa estrada que liga Goiânia a Brasília. Estrada nova, com as chuvas, um pedaço de uns 20m da estrada desapareceu. Não conheço na legislação nenhuma exigência de equipe de geólogos em grandes obras de engenharia civil. Sem conhecer a história geológica do local, engenheiros fazem uns "furinhos" (sondagens) e se parece tudo bem, vão em frente. Assim falou Zaratustra, isto é, assim foi a tragédia do Metrô de São Paulo, na Estação Pinheiros. Sondagens em u'a malha de 50m na várzea de um rio (Pinheiros) é um convite ao desastre..

Pitagoras

Longe de qerer simplificar a complexidade desta tragédia, mas se as leis fossem levadas à sério nesse país de fancaria, não estaríamos assistindo pela enésima vez os infortúnios de tantos.

Há duas leis federais (leis nacionais) que impedem expressamente construções em encostas. O Código Florestal, Lei 4771-1965 e a lei de Parcelamento e Uso do Solo, Lei 6766 de 1979. Ambas tem de ser obedecidas em qualquer obra, antes mesmo de se conceder alvarás de construção. E devem ser fiscalizadas pelos governos estaduais, municipais, CREA's, e órgãos ambientais nas três esferas.
Mas o que ocorre no país da fraude? Com tantas leis e tantos órgãos, tudo não passa de um gigantesco embuste, onde as leis servem somente para uns sacatrapas ganharem suas remunerações, quando não propinas.

Este é o resumo da ópera trágica que nos é apresentada ad nauseam, ano após ano.
Muda Brasil, muda!

Fabio

Azenha esta já é a terceira grande tragédia , vc sabe o que foi feito nas cidades de Blumenau, Angra e Niteroi ,São Luis do Paraitinga estão ocupando novamente as áreas de risco foi feito algum planejamento? Enfim a informação ajuda muito neste tipo de debate , pois nínguem informa as soluções adotadas .

fernandoeudonatelo

Outro ponto, é a necessidade de se construirem moradias populares em áreas que se não próximas das fontes de renda das populações removidas, que sejam o mais integradas aos seviços públicos básicos possíveis, incluindo boa rede de transporte coletivo.

Um processo de desconcentração espacial de municípios, redistribuindo mais igualmente a população pelo território local/regional, obvimente, fazendo políticas públicas que direcionem investimentos em infra-estrutura para as regiões geográficas do estado de acordo com suas vantagens comparativas.

fernandoeudonatelo

Em particular, acredito que deva haver uma ação articulada de contenção de encostas não apenas por reflorestamento, mas por barreiras em áreas geológicas específicas, como por exemplo em corredores logísiticos que permitam a passagem de equipes de segurança e emergência pública, além dos que permitam a cidade não ficar literalmente isolada das regiões-chave do Rio (Metropolitana e Baixada).

Assumir estratégias conjuntas de evacuação e extração, para antes, durante e após os incidentes. Tendo os meios disponíveis e especialmente, homens e equipmantos o suficiente entre as esferas municipal e estadual. Senão, como ocorreu quando o Inmet estadual informou com antecedência sobre o excesso de chuvas localizadas, mas os municípios assim como a defesa civil, geotecnicos e bombeiros não mobilizaram-se com urgência.

No final das contas, é como o autor mostrou não adianta culpar Deus ou a natureza.

Siron

Excelente texto! Finalmente uma posição racional sobre o ocorrido. Agora, só discordo de um ponto: não acredito que aquele volume de lama que invadiu Nova Friburgo, por exemplo, seja somente resultante de uma concentração de trombas d'água. Aquilo pode ser resultado de assoreamento de rio. O local é a principal região de abastecimento do estado do Rio. É preciso ver com atenção.

JOSE DANTAS

Essa é a opinião de quem é do ramo e sem interesses políticos e pessoais.

Tirar essas populações de áreas de risco não é fácil. A medida que os problemas surgem, fica muito mais fácil evitar a expansão urbana nessas áreas.

Retirar pessoas de perto dos seus interesses existentes há décadas é como tirar o sapo da beira da lagoa e isso só é possível criando-se uma outra lagoa no mínimo igual.

Os riscos de uma guerra nuclear no Planeta, são muito maiores para a humanidade toda e bastaria um mínimo de bom senso entre os povos para que iesse risco fosse zero, bastando que se destruisse as armas nucleares, ocorre que a ganância faz com que cada vez mais elas proliferem.

Mário SF Alves

Esta correspondência, a meu ver um importante chamado à reflexão, reforça o que há alguns dias chamava-me a atenção. Ou seja, se já não seria hora de revermos nosso conceito de estabilidade de encostas.
Li a consideração e hipótese do Jesus Villar. Segui o link sugerido (Wikipedia) e vi que a informação dá conta de forte assoreamento do leito da represa Morro-Grande. Assoreamento este cuja causa, lógico, deve ser exaustivamente conhecida. Porém, quanto à relação estabelecida entre possibilidade de transbordamento da represa e a tragédia causada pelos deslizamentos de terra, creio que dada a distância (23,5 Km) e a geomorfologia local tal relação seria praticamente nula.
Ainda em termos de escala, e tendo como referência as distâncias, as massas terrestres e a geomorfologia envolvidas, e, com o devido respeito ao colega Álvaro Rodrigues, – e, claro, eu gostaria de estar enganado – mas, entendo que teoria da acomodação por corrimento de lama e detritos é muito ampla para uma, vamos dizer, assim tão particular, tão local e tão restrita condição. Assim, creio que estejamos mesmo a jogar muitas fichas e a acreditar demais no poder de contenção de encostas de vegetação existente, plantada ou não.
Cordialmente,
Mário.

Pode-se dizer que esse é um flagrante geológico da formação de mais uma camada do leque de deposição já preteritamente existente no local.

    dukrai

    O Álvaro Rodrigues não falou na contenção de encostas pela vegetação existente, ao contrário, ele prevê que "a ocupação urbana deverá observar uma “faixa de segurança geotécnica” de em torno de 40 metros, contados a partir da base da encosta."

    Mário SF Alves

    Olá, Duka!
    Só agora estou lendo sua resposta. É claro que não "blasfemei" contra o texto do Geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos. Seria uma impertinência. O que eu quis dizer foi que o remedinho ou a leitura técnica simplificadora de que "basta" a cobertura vegetal florestal (nativa ou não) para se ter o aval de segurança ou estabilidade nessas encostas, possivelmente, já não se aplica mais. Estamos vivendo um período de distúrbio climático considerável, e é nesse sentido fiz menção à hipótese de necessidade de revisão de conceitos.
    Seja como for, grato pela sua observação.
    Att.,
    Mário.

Elton

Sou Geógrafo e posso afirmar que só somos "ouvidos" nessas horas, depois de tudo já ter ocorrido. Mas mesmo havendo em muitos municípios um planejamento e leis que disciplinam o uso do solo urbano isso se torna "letra morta" diante da voracidade do mercado imobiliário. Já citei aqui mesmo um caso ocorrido em Curitiba (PR) há cerca de cinco ou seis anos, que foi o da autorização da construção de imenso shopping center sobre área de manancial hídrico. É espaço de nascentes e vertente fluvial, de pequena inclinação mas originalmente a área deveria ter sido DEIXADA para preservação.

Pedro Luiz Paredes

Já que falamos de topografia poderíamos começar a arrancar os topos dos montes!
Do chão não passa;
… e acaba o problema!
Ao invés das pessoas ficarem ajudando os desabrigados porque não demitem eles?
Não vão correr o risco de perder caseiros e capatazes.
Isso, já que reclamam do preço da doméstica, dos programas de distribuição de renda façam o favor de não se aproveitarem da situação.
Falando nisso, cade a ajuda das pessoas jurídicas que mais lucram com a mão de obra desqualificada e extremamente barata?
Além de corromperem o judiciário e do legislativo para manterem o direito consumerista à distância?
Porque não aumentam os salários da base da pirâmide ao invés de dar esmola depois que acontece a tragédia?
Esqueci, porque senão eles vão comprar carro, ai já viu né!
Outro dia vi o Armininho falando em educação. O que ele quer?
Se ele não conseguiu convencer um sociólogo porque acha que vai conseguir convencer a massa cheirosa?
É verdade, o mercado agora precisa né?
A rede bobo da um empurrãozinho e vamo que vamo!

sergiopamplona

Certamente. Essa definição de ocupação deveria passar sempre por profissionais de várias áreas: geólogos, arquitetos, urbanistas, engenheiros. E não por empresários do ramo imobiliário, ou politicos. Ali pode, ali não pode, e ali já encheu, não pode mais. E acabou.

Eleonora Vaz

Minha opinião é que a culpa por a terra ter deslizado é, no máximo, da força da gravidade: água em cima, seeeeeeeeeeeeeeeeeempre desce. É fatal.

Esse professor aí PENSA igualzinho ao professor da UFRJ que ouvi ontem (mas jamais ouvira antes) na [tesconjuro!] GloboNews. OK. Então, parece que já temos universidade melhorzinha. Cadê o jornalismo melhorzinho? E por que, antes, esses professores JAMAIS foram entrevistados no Estadão, na FSP, na rede Globo e coisa e tal? Aliás… o que garante que voltarão a ser convocados para falar sério… depois que 'a situação' se 'normalizar' (por critérios de Zileide Silva, William Waack, o Bonner & a Patroa, D. Danuza e coisa-e-tal)?!

    Alvaro Tadeu Silva

    Eleonora, quando a PETROBRÁS descobre petróleo sob a camada de sal na Bacia de Santos, chamam a Eliane Catanhêde, suprema especialista em Asneiralogia, para dizer suas besteiras registradas. Quando chamam os geólogos na TV, é que já morreu muita gente.

Jesus Villar

Caro Sr. Alvaro rodrigues,
Qual a possibilidade da represa do Morro Grande ter transbordado e levado consigo a base desses morros? causando assim todo esse avalanche terra.
Ver.: http://wikimapia.org/16035527/Represa-Morro-Grand
Obrigado,
Jesus Villar

@stelles_13

Excelente texto, acho que mais do que procurar punir X ou Y, tem que se rediscutir todo o planejamento sobre o que pode ser considerado área de alto e médio risco, e fazer um plano nacional de erradicação da ocupação de áreas de alto risco e planos locais de fuga e alerta para as áreas de médio e baixo risco. Enxurradas são a nossa parcela da "fúria" da natureza a qual a gente sempre diz que o Brasil não está sujeito, por não ter desertos, terremotos ou vulcões. Mas temos a força das águas e elas podem provocar essas tragédias de elevada escala, também, e cada vez o farão mais por conta do aquecimento global.

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