A riqueza da diversidade na experiência do sagrado

Tempo de leitura: 2 min

Candomblé é religião e um terreiro é um templo

FÁTIMA OLIVEIRA, no jornal O Tempo

Médica – [email protected]

“Formação de Professores e Religiões de Matrizes Africanas: um Diálogo Necessário”, livro do sacerdote da religião de matriz africana, professor Erisvaldo Pereira dos Santos, da Universidade Federal de Ouro Preto, preenche uma lacuna, pois a bibliografia na área é escassa e a implementação da lei nº 10.639/03 e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira exigem suporte acadêmico confiável para enfrentar ignorâncias e preconceitos contra as religiões de tradição oral, como as expressas no candomblé das nações ketu, efon, ijexá e xambá, que cultuam orixás; e angola e jeje, que, respectivamente, veneram inquices e voduns. Logo, os candomblés são muitos.

O vocábulo candomblé é de origem bantu: ca = uso, costume + ndomb = negro, preto + lê = lugar, casa, terreiro e/ou pequeno atabaque, significando “lugar de costume dos negros”. Candomblé é religião e um terreiro de candomblé é um templo, um local sagrado. Num contexto de recrudescimento de intolerância religiosa, é louvável um livro que aborda a tolerância religiosa como a valorização do sagrado do outro. Um ponto fascinante é a abordagem da oralidade, “uma marca das culturas de raízes africanas”, que para Juana Elbein dos Santos, autora de “Os Nàgó e a Morte”, é mais que uma pedagogia: “é instrumento a serviço da estrutura dinâmica nagô”.

E o autor acrescenta: “Mesmo reconhecendo o valor da importância da oralidade no processo de transmissão dos conteúdos sobre as heranças africanas, assumi o desafio de contribuir mais efetivamente para a formação de professores, através da escrita (…), em prol do respeito, do diálogo e do acolhimento à diversidade religiosa brasileira”.

O livro do pai de santo Erisvaldo – Babá Mejeuí, “Erisvaldo d’Ogum”, filho da yalorixá Lídia de Oxalá – é significativo para quaisquer comunidades religiosas, pois, como ele diz, “não é possível construir atitudes de respeito e valorização do sagrado do outro sem que se conheça a história, os valores e o sentido inerentes à experiência de sagrado presente na religião. O êxito dessa tarefa está relacionado a dois fatores significativos: o primeiro é uma formação de professores com sólidos embasamentos teóricos e comprometidos com os objetivos de uma educação democrática e republicana, fundada em princípios éticos.  O segundo diz respeito ao exercício do ofício das lideranças religiosas, no sentido de contribuir para a construção de convivência respeitosa e pacífica entre adeptos de diferentes crenças”. Ah, o livro é da Editora Nandyala Livros e Serviços Ltda, de Belo Horizonte!

Admiradora do patrimônio cultural do povo de santo, sou figurinha fácil nas festas do Ilê Axé Ogunfunmilayo – Casa de Cultura e Tradição Afrobrasileira de Minas Gerais, no Quintas Coloniais, em Contagem. É um deslumbre religioso e gastronômico o Caruru de Cosme e Damião, no dia consagrado a eles, 27 de setembro. Uma festa linda e doce – uma vitrine do sincretismo religioso, como fala Lecticia Cavalcanti: “A devoção nos foi trazida pelo colonizador português, tendo sido a primeira igreja, em honra deles, construída em Igaraçu-PE (1530). Os escravos que aqui vieram, todos da África Ocidental (Angola, Costa do Marfim, Guiné e Congo), mantiveram os rituais religiosos e a fé nos deuses de sua terra distante. Inclusive nos orixás-meninos (ibejis). Mas aprenderam a sincretizar com os santos católicos, cujos cultos lhes eram impostos”.

Publicado em: 04/05/2010


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Comentários

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Paulo Fernandes

A discussão sobre a intolerância religiosa no Brasil e a postura contra ela precisa ser fortalecida como uma necessidade da democracia. Gostei da afirmação que os Candomblés são muitos. E são. Erisvaldo em um professor doutor e pesquisador das religiões. É um nome sério e importante. O seu livro é uma grande contribuição em si ao
debate democrático.

Glecio_Tavares

Eu acredito na reencarnação. Ao meu ver a única explicação lógica para um mundo que inclui Deus e ele é um ser justo.
Sem a reencarnação e as vidas sucessivas as diferenças natas seriam uma injustiça total com os seres humanos.
Como o rico poderia um dia entrar no paraíso? Alguém que nasce sem condições de fazer o mal, como um deficiente com paralisia cerebral teria muito menos dificuldade de entrar no paraíso que uma pessoa fisicamente linda. As tentações seriam muito maiores no caso do rico ou da linda. Não que não seja nossa obrigação tentar igualar as oportunidades, pois o objetivo do homem na terra não é apenas evoluir, o objetivo é que este grupo inteiro de espiritos evolua para a próxima etapa. Estamos todos ligados.

Melissa Costa

Azenha, há dois comentários repetidos. O meu e o do Hans Bintje. Dê uma olhadinha. Fico pensando se as pessoas não se interessam pela discussão sobre a intolerância religiosa se não é por ignorância, como se não fosse um assunto relevante para a democracia num país constitucionalmente laico. Fico besta com esse silêncio, a desimportãncia do assunto. Enquanto isso a intolerância campeia. E há presidenciáveis que botou a viola mo saco quando o Plano Nacional de Direitos Humanos abordou o assunto. Esqueceram?

    Luiz Carlos Azenha

    Ok, já retiramos. Obrigado, abs.

Klaus

Se alguém entrar aqui e falar do candomblé metade do que se fala da igreja católica, ele será acusado de racismo. Se ele falar do islamismo, será tachado de sionista. O budismo não conta, é café com leite.

Arthur Schieck

Religião é sempre um atraso. Pode ser Candomblé, Cristianismo, Islamismo, judaismo, Budismo ou o Escambal: só servem para atrapalhar o desenvolvimento científico e humano pois toda religião tem preconceito contra as outras.
O fato de ser praticada por minorias não torna o Candomblé especial.

Melissa Costa

Num país que tem a liberdade religiosa na Constituição, é dever de todos nós o devido respeito às várias fés. Ler o artigo de Sílvia Campolim ajuda.
"CANDOMBLÉ

Os navios negreiros que chegaram traziam mais do que africanos para trabalhar como escravos no Brasil. Em seus porões, viajava também uma religião estranha aos portugueses. Considerada feitiçaria pelos colonizadores, ela se transformou, pouco mais de um século depois da abolição da escravatura, numa das religiões mais populares do país…
(…) O candomblé, com seus batuques e danças, é uma festa. Com suas divindades geniosas, é a religião afro-brasileira mais influente do país.
Não existem estatísticas que dêem o número exato de fiéis. Os dados variam. São índices ridículos se comparados à multidão que lota as praias na passagem de ano, para homenagear Iemanjá, a orixá (deusa) dos mares e oceanos (…) os índices dos institutos não refletem exatamente a realidade: Os próprios fiéis evitam assumir, por medo do preconceito.
http://super.abril.com.br/superarquivo/1995/conte

francisco.latorre

os candomblés são muitos.

inumeráveis deuses.

axé babá.

..

Hans Bintje

"Experiência do sagrado"… isso me lembrou um artigo que Emiliano José, de Salvador (BA), escreveu para a revista Carta Capital (1):

"Não se queira compreender isso. Pretenda-se, diante do altar do poeta, imaginar, dar asas à imaginação. A poesia só tem sentido quando, diante dela, não se quer compreender. Deixar-se levar pelas asas da imaginação, não se incomodar com os 90 por cento de invenção, nem com os 10 por cento de mentira. 'Eu sou quando uma árvore' dá para compreender? Só dá se o espírito estiver livre para ouvir os muitos passarinhos em torno. Só dá se você se sentir quando uma árvore. (…)

Assim como compreender que uma senhora de nome Ana Belona, de um lugarejo chamado Desprezo, 'queria ser árvore para ter gorjeios'? E por que ela queria ser isso? 'Ela falou que não queria mais moer solidão'. E tinha razão: é muito ruim moer solidão. Cansa. Melhor ser árvore e ter gorjeios. (…)

Desfazer o normal há de ser uma norma. Pois eu quisera modificar nosso idioma com as minhas particularidades. Eu queria só descobrir e não descrever. O imprevisto fosse mais atraente que o dejá visto. O desespero fosse mais atraente do que a esperança.

Um homem que diz isto não é normal. É poeta. Nunca descrever. Só descobrir. O susto, o alumbramento vem do descobrir. E só se descobre apalpando com as mãos e a imaginação. E nada se descobre com palavra do tanque: 'as palavras do tanque são estagnadas, estanques, acostumadas'.

E anotem: palavras do tanque 'podem até pegar mofo'. Para o descobrir só um 'idioma de larvas incendiadas', palavras de fontes e não de tanques. Tudo isso é dito como lições de um professor de latim, Mestre Aristeu. Mas ninguém sabe se a referência se enquadra nos 90 por cento de invenção ou nos dez por cento de mentira, e isso pouco importa.

O que interessa mesmo é que a vida é feita do descobrir e não do descrever. É o descobrir que nos assusta e nos deslumbra, nos dá a permanente surpresa do viver, sem o que morremos. Por isso, o poeta diz que aprendeu tanto com Sócrates, que 'aprendia melhor no ver, no ouvir, no pegar, no provar e no cheirar'."

Nota:

(1)http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2

Glauco Lima

Existem muitos (a maioria, com certeza) que ainda acreditam na fé e nas religiões (todas).

É preciso libertar Deus da religião e a humanidade de Deus!

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