A batalha do Paquistão

Tempo de leitura: 4 min

Tensão sobe um degrau no Paquistão, depois da visita de Hillary:

“Se não mudarem suas políticas, preparem-se para a batalha.”

21/7/2010, Syed Saleem Shahzad, Asia Times Online

Syed Saleem Shahzad é editor-chefe da sucursal no Paquistão de Asia Times Online

A descoberta de uma “shaped charge” [aprox. ‘carga modelada’[1]] – carga explosiva modelada de modo que o material explosivo é dirigido em determinada direção – na cena de recente ataque no Paquistão fez subir as suspeitas de que a al-Qaeda está alterando sua estratégia, de ataques terroristas com alvo definido, para um tipo de guerrilha de nível superior, uma modalidade de guerrilha urbana.

Alto funcionário do serviço paquistanês de contraterrorismo confirmou para esse jornal que foi encontrado fragmento de aparelho de “shaped charge” depois dos ataques conjugados, esse mês, no santuário de um santo sufi em Lahore, na região leste do Paquistão, que deixaram mais de 40 mortos e cerca de 200 feridos.

Essas ‘cargas modeladas’ são usadas tradicionalmente para penetrar veículos blindados, mas os guerrilheiros no Iraque costumavam usá-las com sucesso em suas bombas de fabricação artesanal, que os norte-americanos chamam de IEDs [ing. Improvised Explosive Devices].

“Evidentemente, se tratam dos primeiros movimentos de guerrilha urbana no Paquistão, introduzidos aqui exatamente como a al-Qaeda já os introduziu, antes, no Iraque”, disse o mesmo funcionário.

No Iraque, Abu Musab al-Zarqawi, ligado à al-Qaeda, organizou vários ataques a santuários dedicados aos descendentes do Profeta Maomé. Essas ações contribuíram muito para acirrar as guerras sectárias que por pouco não racharam o Iraque ao meio, e que, por outro lado, abriram o espaço pelo qual a al-Qaeda conseguiu entrar no Iraque para operar contra os exércitos de ocupação.

Os serviços de segurança lançaram ofensiva massiva depois dos ataques em Lahore, prendendo centenas de militantes, o que não impediu outros atentados. Semana passada, houve duas explosões de baixa intensidade em Internet-cafés em Lahore, o que obrigou ao fechamento de todos os estabelecimentos desse tipo na cidade. No domingo, um homem-bomba explodiu-se numa mesquita xiita em Sargodha, cidade localizada entre Islamabad e Lahore; o suicida morreu e houve no mínimo 15 pessoas feridas.

O Paquistão tem papel crucial em todo o cenário de guerra no sul da Ásia; em termos resumidos, quanto mais estável o Paquistão, mais o país consegue conter com eficácia os militantes internos, e melhor para os EUA na guerra no Afeganistão.

Não foi coincidência, portanto, que pouco antes da recente visita da secretária de Estado dos EUA ao Paquistão, o recém empossado ‘n. 3’ da al-Qaeda e chefe de operações no Afeganistão, Sheikh Fateh al-Misri, tenha enviado carta ao comandante do exército paquistanês, general Ashfaq Parvez Kiani. A carta dizia, sem meias palavras: “Já conhecem nossa força. Agora, decidam de que lado estão. Se não mudarem sua política [de aliança com os EUA], preparem-se para batalha.”

Fazendo a ação seguir o discurso, os militantes paquistaneses organizaram vários ataques em toda a região tribal, inclusive em Bajaur, Baixo Dir, Swat e Charsadda. Na 2ª-feira à noite, um comboio militar foi emboscado no Waziristão Norte, onde se supunha que houvesse, vigente, um acordo de cessar-fogo. Quatro soldados foram feridos.

Na 3ª-feira, houve um ataque a um centro punjabi em Mardan na província pashtun Khyber (Khyber Pakhtoonkhwa, antes chamada de Província da Fronteira Noroeste). Morreram dois suicidas-bombas e quatro soldados foram feridos.

Houve operações militares bem sucedidas nas áreas tribais em 2008 e 2009, na medida em que conseguiram expulsar os militantes para longe das áreas urbanas; e a manutenção da paz em termos de mais longo prazo foi entregue à polícia e aos governos locais – esses, porém, infiltrados e enfraquecidos pela corrupção.

Engolir o sapo

A maioria das indicações para a polícia no Paquistão são feitas mais por critérios de indicação política do que por méritos. Sabendo disso, as agências norte-americanas e as principais agências de segurança do Paquistão tentaram assegurar que todas as indicações para a região crucial da província Khyber Pakhtoonkhwa fossem feitas por mérito.

Os quadros médios e superiores foram selecionados por currículo, sobretudo por experiência anterior em unidades de contraterrorismo. Os militares norte-americanos e paquistaneses ofereceram recursos financeiros e programas de treinamento para a polícia da província, considerada principal frente de combate aos militantes e à al-Qaeda.

Pelo que já se sabe, contudo, grande parte dos fundos foram desperdiçados pelo próprio comitê local de polícia, principalmente ao comprar munição para os rifles AK-47 pelo dobro do preço de mercado, e na compra de milhares de cartuchos que, de fato, eram gratuitos. O comitê também constatou a compra de equipamentos de detecção de explosivos, coletes à prova de bala e rádios de qualidade inferior (muitos dos equipamentos sem-fio exibiam adesivos da fábrica Motorola, norte-americana, embora fossem fabricados na China.)

O assunto está sendo investigado pelo serviço secreto do Paquistão (Inter-Services Intelligence) e por investigadores norte-americanos, porque os EUA são o principal doador de equipamento dessa polícia de fronteira.

Em dezembro de 2008, o Departamento de Defesa dos EUA (DoD) constatou corrupção semelhante no Afeganistão, quando o Comando Central dos EUA impôs procedimentos bem definidos de alto controle sobre todo o armamento. De 2005 a 2008, os EUA forneceram ao Exército Nacional Afegão o equivalente a $3,7 bilhões em armas e equipamentos. O Departamento de Defesa não tem dúvidas de que muitas dessas armas foram vendidas aos guerrilheiros, depois de oficialmente declaradas perdidas ou destruídas. Essa corrupção de baixo nível foi fator de peso no processo pelo qual os EUA perderam completamente o controle nas províncias do leste do Afeganistão.

O que o Paquistão menos deseja é ver mais armas voando para a mão dos guerrilheiros. E o fato de já ter sido usada uma “shaped charge” também no Paquistão é sinal claro de que se deve esperar ação intensa da al-Qaeda. Daqui em diante, a tensão só aumentará, se o Paquistão insistir em manter-se como aliado dos EUA na Região.

[1] Sobre “shaped charge”, ver Enciclopaedia Britannica


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Comentários

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Luis

Parece-nos que até agora só encontram essa tal de al-Qaeda onde desejaram, não é?

luiz claudio

Isto se chama arrogância,e toda arrogância será castigada,eles atingiram um caminho sem volta,para pessoas arrogantes claro,pois os humildes sempre encontram saídas para seus impasses,sendo uma o ceder,reconhecer a derrota e o erro,mas para os americanos isso é inaceitável,pois eles são a terra dos livres e bravos,os perfeitos ,os certos ,errados são os outros.Por isso companheiros,vejo um horizonte sombrio para eles,de muito sangue e dor.

Hans Bintje

A observação de Marat merece destaque:

– O mais legal de tudo é quando a resistência usa as armas do invasor… nada paga isso!!!

Esse fato já tinha sido destacado por Robert Fisk em "A câmara flagrou" – http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/fisk-a-ca

Trecho:

"O repórter da rede al-Jazeera conseguiu entrar no posto abandonado há poucos dias, com um grupo de suspeitíssimos Talibã – os quais, com grande júbilo, descobriram que os norte-americanos saíram tão depressa que deixaram para trás muita munição sobressalente."

Os EUA estão engolindo o próprio veneno!

    Marat

    Saíram depressa – MEDO – rsrsrs… tire a tecnologia desses caras e eles não ganham uma!!!!!!!!!!!

carmen silvia

As quedas dos grandes impérios quase sempre estão associadas a uma variável importante,dentre tantas que motivaram o seu declínio,os gastos com guerras intermináveis é uma delas.Qual o custo real dessas guerras pra econômia norte americana?.Outra questão relevante é o fato dos gurrilheiros sempre terem uma causa,diferente do soldado profissional americano,apesar de uma parcela deles acreditarem que estão combatendo pra defender seu país é diferente de se combater por uma causa e um exemplo é o que ocorreu no Vietnã.Tem ainda uma outra questão,apesar de todo o dinheiro e tecnologia de que dispõem os EUA ,quem conhece bem a geografia do lugar são os nativos e isso pesa a favor deles,mais uma vez vale lembrar os combates nas selvas quentes do Vietnã.A arrogância e a prepotência americana podem mais uma vez conduzi-los para um fracasso.Me parece que para os americanos a história não passa de uma professora velha que deve ser desqualificada,não devendo portanto tirar dela nenhuma lição.

    Carlos

    Quanto maior a arrogância, maior o tombo, Carmen.

monge scéptico

Tudo que ocorre de ruim no mundo, tem o dedo ianque no meio. Se a USA deixasse esses povos
seguirem sseu próprio modo de viver, será que teriamos tanta violência por lá? Querendo ser polí-
-cia do mundo, os ianques matam e são mortos e, as industrias de armas aplaudem esse aparen-
-te desatino.

[email protected]

HUUUUMMM,TO SENTINDO UM CHEIRO DE VIETNAM 2 NESSA HISTORIA,RSRSRS!!!

O Brasileiro

Hum! Agora eu entendo porque o Paquistão tem bombas atômicas.

dextervicente

a prova viva de que a realidade dialética é que o maior inimigo da maior superpotência bélica, conservadora e liberal na economia é uma organização guerrilheira que é quase tão conservadora em seus desejos quanto a maior parte do eleitorado da superpotência.

    Marat

    Quase tão conservadora, mas não sai por ai invadindo outros países. Essa é a raiz do problema…

    rafael

    Porque não pode.

    E a propagação de suas teses? Não conta?

    Marat

    Minhas teses não são nada, comparadas ao poderio assassino do Império do IV Reich… Eles simplesmente eliminam quem não acata suas "ordens"…

    rafael

    Falou e disse.

Heleno S. Camargo

Inestimável serviço público presta o Blog do Azenha, com publicar essas matérias. Acho que esse blog é a única página, no mundo, que publica matérias importantes, em português, sobre aquele pedaço do mundo que é, hoje, o pedaço mais importante do mundo. Trabalho jornalístico de primeira qualidade!

Se houvesse jornalismo no Brasil, alguém mais já teria pensado em esquecer as agências 'ocidentais' de repetição de material produzido nos EUA, e em publicar material traduzido do Asia Times Online. Grande Azenha!

Eclécio MontSerrat

É uma loucura os combates no Afeganistão. Os suprimentos e os combates só podem ser aéreos, porque terrestres é um suicídio para os Norte americanos. Aquilo ali é tudo região de montanhas não há a menor segurança de um comboio por mais bem armado que estiver. Eles guerrilheiros conhecem bem aquelas montanhas e são capazes de ficarem entrincheirados por semanas naqueles lugares inóspitos. Não há como vencé-los, Os guerrilheiros tem somente uma filosofia: Eles não querem vencer a guerra, o que eles querem é que os Norte Americanos sejam derrotados por si mesmo como no Vietnan. Vejam se não é isto? Com os Russos foram do mesmo jeito!

Leider_Lincoln

E andam dizendo que eles estão pensando mesmo em invadir o Irã, 3 vezes mais populoso e muito mais resistente a estrangeiros. O que conseguirão é formar um corredor de combate de 3 mil km entre a Síria, na fronteira ocidental do Iraque e a China, na fronteira oriental do Afeganistão. Só olhar no mapa. São mesmo uns imbecis.

    Marat

    Querem guerrear com todo mundo para impor suas regras… suponhamos que todos os países e todos os povos prosternem-se para eles… e dai? Como vão vender armamento? Esse império, em sua essência, é autodestrutivo. Bem que essa destruição poderia se dar logo, para vivermos realmente em paz e com respeito ao exótico, ao diferente ou ao que pensa de maneira independente!

Marat

O mais legal de tudo é quando a resistência usa as armas do invasor… nada paga isso!!!

Marat

É necessário que a resistência melhore suas táticas e que consiga expulsar o invasor… O mais importante, a meu ver, é melhorar o armamento antiaéreo. Abater helicópteros estadunidenses é bom, pois,no chão, os soldados do Tio Sam morrem de medo, mesmo com toda tecnologia do mundo.
Também é louvável o trabalho da resistência ao destruir caminhões de suprimento. É necessário deixar o inimigo debilitado!

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