Weissheimer: O passado e o presente da imprensa brasileira

Tempo de leitura: 4 min

O passado e o presente da imprensa brasileira

A revista Época fez o que se espera da Globo, um dos pilares de sustentação da ditadura militar: resgatou a agenda da Guerra Fria e destacou na capa o “passado de Dilma”. O ovo da serpente permanece presente na sociedade brasileira. O que deveria ser tema de orgulho para uma sociedade democrática é apresentado por uma das principais revistas do país com ares de suspeita. Os editores de Época honram assim o passado autoritário e anti-democrático de sua empresa e nos mostram que ele está vivo e atuante. No RS, jornal Zero Hora aplaude suspensão de indenizações às vítimas da ditadura e fala do risco de instituir uma “bolsa anistia”.

Marco Aurélio Weissheimer, na Carta Maior

As empresas de comunicação têm o hábito de se apresentarem como porta-vozes do interesse público. Em que medida uma empresa privada, cujo objetivo central é o lucro, pode ser porta-voz do interesse público? Essas empresas participam ativamente da vida política, econômica e cultural do país, assumindo posições, fazendo escolhas, pretendendo dizer à população como ela deve ver o mundo. No caso do Brasil, a história recente de muitas dessas empresas é marcada pelo apoio a violações constitucionais, à deposição de governantes eleitos pelo voto e pela cumplicidade com crimes cometidos pela ditadura militar (cumplicidade ativa muitas vezes, como no caso do uso de veículos da ão Paulo durante a Operação Bandeirantes). Até hoje nenhuma dessas empresas julgou necessário justificar seu posicionamento durante a ditadura. Muitas delas sequer usam hoje a expressão “ditadura militar” ao se referir aquele triste período da história brasileira, preferindo falar em “regime de exceção”. Agem como se suas escolhas (de apoiar a ditadura) e os benefícios obtidos com elas fossem também expressões do “interesse público”.

Apoiar o golpe militar que derrubou o governo Jango foi uma expressão do interesse público? Ser cúmplice de uma ditadura que pisoteou a Constituição brasileira, torturou e matou é credencial para se apresentar como defensor da liberdade? O silêncio dessas empresas diante dessas perguntas já é uma resposta. O que é importante destacar é que a semente do autoritarismo, da perversidade e da violência prossegue ativa, conforme se viu neste final de semana (e se vê praticamente todos os dias).

A revista Época fez o que se espera da Globo, maior empresa midiática do país e um dos pilares de sustentação da ditadura militar: resgatou a agenda da Guerra Fria e destacou na capa o “passado de Dilma”. O ovo da serpente permanece presente na sociedade brasileira. O que deveria ser tema de orgulho para uma sociedade democrática é apresentado por uma das principais revistas do país como motivo de suspeita. Os editores de Época honram assim o passado autoritário e anti-democrático de sua empresa e nos mostram que ele está vivo e atuante.

Indenizações às vítimas da ditadura
De maneira similar, aqui no Rio Grande do Sul, o jornal Zero Hora publicou um editorial apoiando a decisão do TCU de questionar às indenizações que estão sendo pagas às vítimas de perseguição e maus tratos durante a ditadura, ou “regime de exceção”, como prefere a publicação. Trata-se, segundo a RBS, de defender um “princípio da razoabilidade”. “Ninguém tem direito a indenizações perdulárias ou a aposentadorias e pensões que extrapolam critérios de prudência, ponderação e equilíbrio”, diz o texto. Prudência, ponderação, equilíbrio e razoabilidade: foram esses os valores que levaram o jornal e sua empresa a cerrarem fileiras ao lado dos militares que rasgaram a Constituição brasileira? Quanto dinheiro os proprietários da RBS ganharam com esse apoio? Não seria razoável e ponderado defender que indenizassem a sociedade brasileira pelo desserviço que prestaram à democracia?

É cansativo, mas necessário relembrar. Sempre. Como a maioria da grande mídia brasileira, a empresa gaúcha apoiou o golpe que derrubou João Goulart. O jornal Zero Hora ocupou o lugar da Última Hora, fechado pelos militares por apoiar Jango. Esse foi o batismo de nascimento de ZH: a violência contra o Estado Democrático de Direito. Três dias depois da publicação do Ato Institucional n° 5 (13 de dezembro de 1968), ZH publicou matéria sobre o assunto afirmando que “o governo federal vem recebendo a solidariedade e o apoio dos diversos setores da vida nacional”. No dia 1° de setembro de 1969, o jornal publica um editorial intitulado “A preservação dos ideais”, exaltando a “autoridade e a irreversibilidade da Revolução”. A última frase editorial fala por si:

“Os interesses nacionais devem ser preservados a qualquer preço e acima de tudo”.

Interesses nacionais?

A expansão da empresa se consolidou em 1970, com a criação da RBS. A partir das boas relações estabelecidas com os governos da ditadura militar e da ação articulada com a Rede Globo, a RBS foi conseguindo novas concessões e diversificando seus negócios.

Como a revista Época, Zero Hora é fiel ao seu passado e exercita um de seus esportes favoritos: pisotear a memória do país e ofender a inteligência alheia. O editorial tenta ser ardiloso e defende, no início, as indenizações como decisão correta e justa. Mas logo os senões começam a desfilar: os exageros nas indenizações de Ziraldo, Lula, Jaguar e Carlos Lamarca, “outro caso aberrante segundo o procurador”. A pressão exercida por setores militares junto ao governo e ao Judiciário é convenientemente omitida pelo editorial que fala do “risco” de as indenizações se transformarem em algo como “uma bolsa-anistia”.

O presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão Pires Junior, divulgou uma esclarecedora nota a respeito da decisão do TCU e das pressões que vem sendo exercidas contra o processo das indenizações. A capa da revista Época e o editorial de Zero Hora mostram que as empresas responsáveis por essas publicações permanecem impregnadas do autoritarismo que alimentou seu nascimento e expansão. É triste ver jornalistas emprestando sua pena para inimigos da democracia e da liberdade. Pois é exatamente disso que se trata. Esse é o conteúdo que habita a caixa preta de boa parte da imprensa brasileira.


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Comentários

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Abin Sur

Vejam mais uma tentativa do PIG de conseguir tirar uma casquinha da dianteira de Dilma: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100822/
Até qnd nos submeteremos à esses calhordas?

Ed.

A velha mídia sabe que terá que se reinventar…
Só não descobriu ainda como…
E também não percebe que nunca mais será como antes…

Lucas Cardoso

"Apoiar o golpe militar que derrubou o governo Jango foi uma expressão do interesse público?"

Depende de qual público a mídia pretendia expressar. No caso da ditadura, grande parte do público apoiava-a, em princípio (não direi maioria pois não tenho números exatos, e talvez que ninguém tenha (se alguém tiver, pelamordedeus, me dê um link ou um nome de livro)). Foi apenas depois que o movimento de resistência cresceu. No começo, praticamente todo mundo que não era esquerdista e/ou intelectual era a favor de proteger o país contra "o iminente golpe comunista" (era uma preocupação razoável. A revolução cubana acontecera havia pouco tempo) ou o "caos e desordem", durante o governo do Jango, com greves e insurreição (alguém já ouviu falar da "como a greve dos 700 mil"?). O Brasil era e, em grande medida, é um país conservador. Um regime como a ditadura militar não existe sem apoio e/ou aquiescência de grande parte da sociedade civil.

Claro que a mídia, fazendo propaganda, contribuiu para esse apoio e aquiescência, mas é necessário notar que ela não existe num vácuo. Ela apoiava a ditadura porque os grupos que representavam apoiavam a ditadura (é preciso não ser personalista e culpar apenas os Marinho, os Civita, etc.; eles representam grupos e classes). Em grande parte, o apoio que a mídia deu ao golpe foi apenas sintoma da simpatia de certas áreas da sociedade civil com os ditadores.

O que eu quero dizer é: a questão é mais complicada do que parece.

turmadazica

Não é só em sampa que tem essa elite, e não é só a "nossa" elite que quer golpe… Y no pasarán, boa Nilva!

    ROSALVO

    SÃO PAULO, POR SER O ESTADO MAIS RICO DEVERIA TER A ELITE MAIS ESCLARECIDA, ATUANTE E MODERNA. INFELIZMENTE PARECE QUE ALGUNS SETORES DA ELITE PAULISTA ( E TAMBÉM DE OUTROS ESTADOS) AINDA ESTÃO CAPTURANDO ÍNDIOS OU DEPENDENDO DA EXPORTAÇÃO DE CAFÉ PARA COMPRAR ROUPAS E TALHERES NA EUROPA.

Roger

O artigo é de 2004, mas no meu entender prossegue atual e explica muita coisa… Corrijo: atual, exceto pelas DÍVIDAS, devem ter crescido horrores. As chances seriam as corporações americanas, de mídia ou outras, virem pra cá fazer parcerias, entendem? É esse o pulo do gato!! Por isso o PIG, cada vez mais sufocado, atua como braço da Cia/Departamento de Estado no Brasil. Seus interesses, mais o de Serra, são mútuos.

OS MOTIVOS DA CRISE DA MÍDIA http://www.piratininga.org.br/artigos/2004/01/gin

"(…) A repórter da Folha de São Paulo, Elvira Lobato, especializada na cobertura sobre as comunicações, revela, em reportagem para a Folha de São Paulo, o tamanho da crise que se instalou na mídia brasileira.

Segundo Lobato, as empresas de comunicação, somadas, devem cerca de R$ 10 bilhões, dos quais 60% são dívidas da Globo.

O montante investido em publicidade caiu de R$ 9,8 bilhões, em 2000, para R$ 9,6 bilhões em 2002 (em valores sem correção).

No mesmo período a circulação de revistas recuou de 17,1 para 16,2 milhões de exemplares e a de jornais caiu ainda mais, de 7,9 para 7 milhões.

Em 2002 as empresas de comunicação acumularam R$ 7 bilhões em prejuízos, sendo R$ 5 bilhões apenas pela GloboPar. Novamente em comparação com 2000, a receita liquida foi 20% menor (descontada a inflação).

Mas, mais uma vez, quem pagou a fatia principal desta crise foram os trabalhadores. Segundo dados do Ministério do Trabalho, entre 2000 e 2002, as empresas de comunicação demitiram 17 mil pessoas. (…)"

E pra completar a Record tá na cola da Globo… se é que já não passou!!!

Lucemberg Matoso.

Extremamente vergonhoso e preocupante!! e essa, éa nossa imprensa!!!

ZePovinho

Digite o texto aqui![youtube dQyBdC8ljBI http://www.youtube.com/watch?v=dQyBdC8ljBI youtube]

Marcos Antônio

O Brasil da sacanagem está dando lugar ao Brasil da justiça. Fora RBS e Cia!

ZePovinho

Um das centenas de "Bloco dos Sujos" do Nordeste saúdam os blogueiros "sujos" do Brasil!!!!Com muita cachaça,irreverência e bom humor:

[youtube f-qEiN_0xkE http://www.youtube.com/watch?v=f-qEiN_0xkE youtube]

    ZePovinho

    Nós somos "Sujos,feios e malvados".KKKKKKKKKKKK!!!!!!!!!!!!

    ZePovinho

    O "Bloco dos Sujos da Blogosfera" vai desfilar em São Paulo!!!!!!"Vamu" cair matando!!!

    ZePovinho

    Desculpem o erro de concordância na palavra "saúdam".
    É "saúda"!!!!!!

Yacov

MARAVILHOSO esses texto do Marco Aurelio!!!! Finalmente começa a se desmanchar e cair a máscara destes lobos em pele de cordeiro. Precisamos eleger a DILMA e instituir a "Ley de Medios" para acabar de uma vez por todas com esta farsa chamada "grande imprensa do BRASIL". Grande Mérdia, digo Mídia., não, é MERDA mesmo. A mais pura "massa cheirosa",

"O BRASIL para TODOS não passa na gLOBo – O que passa na glOBo é um braZil para TOLOS"

ferrera13

É triste ver jornalistas emprestando sua pena para inimigos da democracia e da liberdade. Pois é exatamente disso que se trata. Esse é o conteúdo que habita a caixa preta de boa parte da imprensa brasileira.

Esse é um fenômeno a ser investigado nas Academias. O que é que se passa na cabeça daquele que quer ser jornalista.

Pela Faculdade Pinheiro Guimarães, onde minha mulher faz Jornalismo, os futuros jornalistas estão preocupados com a tal da empregabilidade. E não adianta dizer que para isso o sujeito tem que ser bom. Só isso garante a empregabilidade. Eles refutam dizendo que não é bem assim; tem coisas que eu preciso conhecer melhor. Encontrei estudantes que se submetem a um brutalpuxa saquismo para obter benesses. São os mesmos que se sujeitarão a fazer um jornalismo de subserviência.

    Carlos

    Subserviência com diploma.

leandro monteiro

Sem dúvida que o jornaleco ZH não tem a mínima moral sequer para tratar do assunto; como se não tivesse partido durante a ditadura.

Mas atendo-se ao tema e não a quem fala: indenização de 1 milhão para Ziraldo? Ele só ganhou destaque graças a ditadura. Que mal há em revisar isso?

Parece que chegamos num ponto de polarização onde, ou se acredita na mídia tradicional, que por décadas monopolizou
a informação no país, ou rejeitamos tudo o que é dito e ficamos com a versão dos blogs de esquerda (em maioria, justificável por não ter tido voz antes).

O editorial de ZH é cínico. Da mesma forma são os textos que não querem discutir abertamente, e democraticamente, o assunto das indenizações.

Marcelo de Matos

A mídia já viveu dias mais gloriosos e acreditava ter nas mãos as rédeas do poder. Todos se submetiam à sua vontade por medo de represálias. Dizem que Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, montou o Museu de Arte Moderna com doações de empresários que temiam não atender a seus pedidos. Naquele tempo o repórter estufava o peito e entrava em qualquer lugar exibindo o crachá: Imprensa! Hoje a situação está mais difícil. Para vender uma assinatura de Veja ou Época é preciso usar de estratégias agressivas, ou ardilosas, como no filme “O sucesso a qualquer preço”, em que os atores vendiam “Seleções”. Mas, ainda causa estragos. Já dizia Napoleão que “Quatro periódicos hostis são muito mais daninhos que uma divisão de canhões”. A mídia ainda produz o assassinato de reputações. Quércia quase foi sepultado: poderá ser eleito senador após 19 anos de ostracismo eleitoral. Dirceu, Palocci e Genoíno perderam muito com os ataques da mídia. Collor está se reerguendo parcialmente. Mas, o assassinato falhou com Lula, para ficarmos em um só exemplo.

    ValmontRS

    Lula sobreviveu e Dilma dará o troco. Espero.

Carlos

"É triste ver jornalistas emprestando sua pena para inimigos da democracia e da liberdade."

E constrangedor o silêncio da da ABI e da FENAJ.

Andre Azevedo

Enquanto isto a Rede Globo reproduz falas do jenio defendendo a "liberdade de impresna".
Qual imprensa? Está que está ai?

Nilva

No pasarán !

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