Solange Kurpiel: Os sonhadores da internet correm o risco de sucumbir?

Tempo de leitura: 23 min

All the leaves are brown (all the leaves are brown)
And the sky is grey (and the sky is grey)
I’ve been for a walk (I’ve been for a walk)
On a winter’s day (on a winter’s day)
I’d be safe and warm (I’d be safe and warm)
If I was in L.A. (if I was in L.A.) California dreamin’ (California dreamin’)
On such a winter’s day

California Dreaming,  de Michelle Gilliam / John Edmund Andrew Phillips

Por Luiz Carlos Azenha

O sonho de estar na Califórnia — ou, em nosso caso, Carolina, Maranhão — quando na realidade se vive uma gélida manhã de inverno em Maringá, no interior do Paraná, embalou jornalistas a tentar “reabilitar” a profissão no espaço digital.

Isso, faz mais ou menos vinte anos. Hoje, eles enfrentam grandes desafios.

A tese, da pesquisadora Solange Kurpiel, foi apresentada às universidades de Lumière Lyon 2, na França, e Federal do Paraná.

Kurpiel analisa iniciativas mais ou menos quixotescas de jornalismo como serviço público (aqui a opinião é nossa) na França e no Brasil, sob o título de Internet Media Dreamin’: um ideal democrático encarnado pelo jornalismo alternativo online no Brasil e na França.

A pesquisa foi feita a partir da análise de projetos de jornalismo alternativo em rede, dentre os quais o Viomundo, surgido no início dos anos 2000, em Nova York, da frustração de um correspondente internacional com a obrigação de resumir assuntos complexos em 60 segundos de Jornal Nacional.

“Eles [os projetos] são, por um lado, inspirados pelas promessas de empoderamento dos cidadãos, pela desinstitucionalização do debate público e pela liberdade de compartilhamento de informações aclamado pelos pioneiros da web”, escreve Kurpiel na tese.

Porém, com o passar do tempo, os que preferimos chamar de Quixotes digitais correm risco diante da solidez dos moinhos de vento, representados pelas novas corporações que controlam o algoritmo, os mecanismos de busca e o espaço digital: Google, Facebook, You Tube e outros.

Estas empresas não censuram diretamente o conteúdo, mas estabelecem os parâmetros do aceitável, condicionam o compartilhamento ao lucro e, como companhias privadas, tomam decisões sem qualquer transparência ou supervisão pública.

Além disso, como demonstraram os vazamentos de Edward Snowden, trocam informações informalmente com governos e, num momento de crise política, podem simplesmente puxar o plugue de determinados conteúdos.

O financiamento escasso dificulta o jornalismo investigativo, o “opinionismo” de combate gera cliques pagos — que estimulam a produção de textos ou vídeos rasos sobre polêmicas fúteis — e as redes sociais permitem, no caso de mandatários, que se apresentem aos eleitores diretamente, sem se submeter a qualquer tipo de questionamento.

A ágora sonhada pelos idealistas corre o risco de sucumbir diante de um mar de desinformação, agora turbinado por robôs financiados de maneira nebulosa, uma vez que a guerra cibernética e de informação tornou-se prioritária na estratégia do Pentágono, do Kremlin e de Beijing.

Kurpiel resume, a partir de suas próprias descobertas:

Vinte anos após o início dessa onda jornalística alternativa online, a estabilização das “neomídias” na mediascape teria causado a perda de uma “imunidade” simbólica, que o título de oferta experimental e nascente pode lhe conferir.

Assim, com o amadurecimento dos projetos, eles foram sendo gradualmente confrontados com os desafios de seus “melhores” sonhos, como a explosão da oferta informacional e a desinstitucionalização midiática.

Pouco a pouco, esses dreamers se viram expostos às mesmas problemáticas que afetam as mídias dominantes, causando uma gradual liquefação das fronteiras que os “separariam” inicialmente.

Nesse sentido, argumentamos que as mídias alternativas teriam convergido gradualmente para os mesmos modos de funcionamento que as dominantes, o que poderia levantar dúvidas sobre sua capacidade de manter os engajamentos democráticos iniciais.

O Viomundo quando ainda era hospedado na Globo.com
Organizado pelo Viomundo, o Sivuca nasceu em 24/12/2006 e chegou a reunir 46 blogueiros de 10 estados do Brasil em rede, para trocar links, informações e promover textos dos parceiros. “Mexeu com ele, mexeu comigo”, era o slogan. Em 2010, o Primeiro Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas nasceu por sugestão do Viomundo. A comissão organizadora foi formada por Luiz Carlos Azenha, Paulo Henrique Amorim, Luis Nassif, Altamiro Borges, Conceição Lemes, Eduardo Guimarães, Conceição Oliveira, Rodrigo Vianna,  Renato Rovai e Diego Casaes.

Siga o link da íntegra da tese.

Siga o link das análises de conteúdo.

Abaixo, o texto em português resume a tese:

por Solange Kurpiel

O Internet Media Dreamin’ nasce logo após a abertura da Internet ao público, em 1994, através da iniciativa de jornalistas amplamente conhecidos que investiram nesse novo espaço digital para propor uma “outra” informação.

Além do desejo de criar sua própria mídia, esses pioneiros dos quatro cantos do mundo perceberam nesse novo espaço uma oportunidade inédita para reabilitar uma profissão que trazia nessa época mais amargura do que alegria.

Eles sonham em reabilitar um jornalismo comprometido com os interesses democráticos e cidadãos (Correia, 1998 ; Carré, 2015), que teria sido corrompido ao longo dos anos pelas lógicas econômicas de mercado (Tunstall 1980; Rodrigo Alsina, 1989).

Para tanto, esses dreamers’ aderem ao ciberespaço público, bem como às promessas do empoderamento cidadão, da desinstitucionalização do debate público e da liberdade do compartilhamento de informações.

Desde as primeiras idealizações por cientistas da computação e militantes da contra cultura estado-unidense, a Internet foi, primeiramente, um sonho de oposição às instituições públicas nacionais do aparelho democrático, mas que se revelaram alienantes, hegemônicas e coercitivas.

É, portanto, a partir do paralelo com o sucesso mundial California Dreamin’, símbolo desta época, que estabelecemos a terminologia-guia deste trabalho.

Escrita por John e Michelle Phillips, tornada famosa pelo grupo The Mamas & the Papas em 1965, a letra da música certamente pode ser lida de uma maneira trivial, já que fala sobre o mau tempo, a queda de folhas mortas e da nostalgia de um emigrante da costa Oeste que descobre o inverno rigoroso do leste dos Estados Unidos.

No entanto, é pertinente saber que, desde o seu lançamento, a letra se torna uma espécie de hino para toda a jovem contra-cultura libertária.

Ao abordar o processo de reconfiguração do panorama jornalístico, esta tese examina se a oferta alternativa online é capaz de romper com as hierarquias institucionalizadas da informação, propondo espaços midiáticos que promovam a expressão cidadã polifônica.

Esse questionamento inicial divide-se em três perspectivas de reflexão: 1) o indivíduo e sua ação midiática cidadã; 2) as instâncias midiáticas e seu posicionamento comunicacional no debate público; 3) as estruturas midiáticas e as práticas jornalísticas.

Nosso campo de estudo se situa no Brasil e na França.

Além de nossas raízes pessoais e institucionais, esses dois países compartilham também um ambiente social contemporâneo totalmente inscrito nas problemáticas de uma hipermodernidade ultra-conectada, marcada pela presença da web em todas as esferas da vida social.

Nessas duas sociedades, “as práticas sociais (modalidades de funcionamento institucional, mecanismos de tomada de decisão, hábitos de consumo, comportamentos mais ou menos ritualizados, etc.) se transformam pelo fato de que existem mídias”. (Véron, 1997, p. 113).

No contexto do mercado midiático de informação, mais precisamente, essas duas realidades nacionais convergem também, revelando um contexto saturado, dominado principalmente por poderosos grupos econômicos.

Nosso estudo é baseado em 50 pure plays de informação do Brasil e da França: uma mídia global com declinações nos dois países estudados e 48 projetos alternativos nacionais.

Para o seu tratamento, foi realizada uma análise de conteúdo temática a partir dos dados coletados durante as pesquisas documentais realizadas entre 2016 e 2019, e 31 entrevistas semiestruturadas com os produtores de conteúdo participantes dos projetos estudados.

Inspirados pelo dispositivo de análise do gênero de informação midiática estabelecido por Patrick Charaudeau (1997, 2006, 2011), fizemos a análise do discurso das publicações de acordo com dois “temas-acontecimentos” (thèmesévénements) (Soulages, 2002): condição feminina e eleições presidenciais de 2017 na França e de 2018 no Brasil.

Para sua realização, 3147 textos foram coletados por meio de métodos manuais e automáticos, sendo tratados a partir do posicionamento e dos níveis de engajamento dos locutores através dois eixos: posturas enunciativas e pontos de vista discursivos.

Para estruturar nossas discussões, nós desenvolvemos nossa tese em duas partes que se referem à temporalidade evolutiva do desenvolvimento ideológico e midiático de projetos jornalísticos alternativos online.

Para orientar nosso trabalho, estabelecemos também uma hipótese geral, posteriormente desmembrada em três hipóteses específicas, correspondentes às discussões dos três últimos capítulos.

A primeira parte, intitulada “Em Sonho: três projetos democráticos dos sonhos”, revela uma problematização teórica e empírica de três projetos ideológicos e democráticos que nós convencionamos chamar de: Internet Dreamin’, Media Dreamin’ et Internet Media Dreamin’.

Para isso, partimos da hipótese geral de que o mediascape (Appadurai, 2005) da web seria configurado a partir das mesmas fórmulas de informação hegemônicas (Gramsci, 2012) e alternativas (Fraser, 1992) que o mediascape préweb.

Esse espaço público seria marcado por dinâmicas de posicionamento por oposição (Negt, 2007; Neumann, 2016), encarnando arenas públicas de enfrentamento.

Daniel Cefaï (2016) define o conceito de arena pública como um espaço onde “os atores visam os bens públicos, referem-se ao interesse público, definem seus problemas como públicos e sentem, agem e falam de acordo”.

Na paisagem informacional online, as mídias mainstream representariam um universo midiático ortodoxo, onde a produção de conteúdo seria feita para agradar, modelando os “indivíduos por excesso” (Castel, 2009), pertencentes a uma cultura neoliberal desfiliada das instituições do aparelho democrático e centrada no indivíduo e em suas singularidades (Martuccelli, 2010).

As mídias alternativas (Atton, 2002, 2008), por sua vez, fariam da visibilidade midiática a técnica privilegiada para uma ação pública e coletiva (Arendt, 1993 [2014]).

Esses espaços seriam construídos e alimentados com informações, permitindo-lhes visibilização de suas batalhas em uma luta mais ampla pelo reconhecimento social (Honneth, 1992 [2007]).

Nesse contexto, a Internet atenuaria as desigualdades de acesso a espaços de visibilidade pública.

O desenvolvimento desses pontos é feito, principalmente, na primeira parte da tese, composta por dois capítulos.

O Capítulo 1 — “Internet e Mídia Dreamin’: ideais e perversões de dois projetos democráticos” — tem por ambição apresentar dois projetos ideológicos e democráticos, bem como a evolução deles segundo uma abordagem histórica e social.

O Internet Dreamin’ e o Media Dreamin’, como decidimos nomeá-los, desenvolvem-se paralelamente a partir da década de 1960, continuando até, principalmente, os anos 2000.

No final deste período de meio século, introduzimos um terceiro projeto que revela a fusão dos dois primeiros e o objeto central de estudo desta tese: a Internet-Media Dreamin’.

Ela se situa na interseção de dois projetos ideológicos – democráticos, um em pleno declínio e o outro em ascensão.

Após as décadas de 1960 e 1970, um ciclo marcado pelo sentimento de fragmentação, abandono e incerteza emerge sobre o futuro social.

A concretização do projeto neoliberal globalizado reconstrói profundamente o espaço (Abélès, 2012), flexibilizando fronteiras, acelerando os fluxos de informação, reconfigurando os poderes.

Essas mudanças causam perda das balizas fundamentais nas sociedades, dando o “sentimento de que a situação histórica contemporânea nos distanciou dos ideais democráticos originais para nos deixar com um sério déficit de democracia” (Dahlgren, 2000, 160).

Esses acontecimentos levam, assim, a uma progressiva perda de esperança do corpo social sobre as capacidades efetivas das instituições democráticas de cumprir os compromissos cidadãos.

Paralelamente a esse declínio de credibilidade, surge uma tecnologia cheia de boas intenções.

Sonhada como um novo espaço público comunicacional, mais “inclusivo, transparente e universal” (Lévy, 2002), a Internet Dreamin’ encarna as promessas de uma profunda renovação “das condições da vida pública no sentido de uma liberdade e de uma responsabilidade crescente dos cidadãos” (Ibid., 29).

Participando notadamente de círculos fechados de cientistas da computação universitários e membros dos movimentos da contracultura americana, esses pioneiros consideram um modelo capaz de se opor às gestões centralizadas de informação.

Para isso, eles pensam em criar uma rede colaborativa onde cada cidadão seria capaz de se apropriar à sua maneira (Lévy, 1984).

A partir da década de 1990, a Internet fez sua entrada gradual no funcionamento social e seu projeto ideológico inicial assume uma apelação mais política.

Inspirado por lemas progressistas trazidos pelos filósofos do século XVIII, a segunda geração da Internet Dreamin’ promete uma restauração dos ideais democráticos através do estabelecimento de uma nova cultura, a cibercultura: liberdade/interconexão, fraternidade/comunidades virtuais e igualdade/inteligência coletiva (Lévy, 1997).

Ao final de meio século de evolução, este projeto chega nos anos de 2010 em sua fase de maturação, especialmente com a massificação da web em diferentes regiões do globo.

Com uma técnica apropriada por uma habilidade social (Flichy, 1987), a Internet se revela um espaço midiático muito mais complexo, conflituoso e acelerado do que seus pioneiros imaginaram.

Seu uso denotou a concretização de alguns de seus sonhos, mas também de perversões.

Paralelamente à Internet Dreamin’, um segundo projeto ideológico-democrático assume maior importância no corpo social.

O que nós concordamos em nomear de “Media Dreamin” aborda um projeto que colocou as mídias de massa como instituições vitais para o bom funcionamento das sociedades democráticas.

Iniciado no final do século XIX com a mecanização da imprensa, esse projeto ganha envergadura a partir da década de 1960, com a presença generalizada da mídia de massa na vida pública e privada.

Com suas boas intenções deontológicas, essas instituições posicionaram gradualmente seus serviços de jornalismo como verdadeiros guardiões dos interesses dos cidadãos, um ambiente privilegiado para a participação social na vida pública.

Como a crise de legitimidade das instituições democráticas, as perversões do funcionamento das instituições midiáticas de massa tornaram-se mais visíveis e criticadas.

Esse clima de desconfiança resultou em um questionamento de três promessas do Media Dreamin’, que se referia à sua independência financeira e editorial dos jornalistas, bem como ao estabelecimento de uma estrutura horizontal de produção de informação na qual o cidadão teria um papel central.

Com a abertura da Internet ao público em 1994, essa crise assumirá uma nova dimensão com a ruptura de três principais pilares de suas organizações (Sonnac in Degand e Grevisse, 2012):

1) a multiplicação da oferta de conteúdo online;

2) o enfraquecimento de um modelo de financiamento baseado na entrada de receitas publicitárias e na venda de assinaturas, bem como a massificação da cultura da informação gratuita (Desîlets, 2010);

3) a fragmentação das audiências (Flichy, 2008). Mas se esse período de mudança foi vivido como uma crise insuperável para alguns, para muitos outros foi o começo de um novo sonho!

Sob a forma de blogs e sites de notícias, novos projetos de jornalismo surgiram gradualmente na médiascape (Appadurai, 2005).

Eles são, por um lado, inspirados pelas promessas de empoderamento dos cidadãos, pela desinstitucionalização do debate público e pela liberdade de compartilhamento de informações aclamado pelos pioneiros da web.

Por outro lado, eles se posicionam como alternativos a um contexto midiático que gradualmente se tornou desincorporado e hegemônico.

É o começo da Internet-Media Dreamin’, e com ela as promessas de dar uma “nova chance” a um projeto ideológico-democrático corrompido ao longo das últimas décadas.

Esses projetos compartilham o desejo de criar um espaço de informação em oposição aos modelos tradicionais de jornalismo, ao mesmo tempo em que se beneficiam das capacidades técnicas da rede para interconectar pessoas a partir de uma estrutura horizontal e colaborativa.

Ao longo do Capítulo 2, intitulado “Internet Media Dreamin’: sonhos e promessas editoriais dos pure plays de informação alternativos”, em um primeiro tempo, nos concentramos nos enquadramentos terminológicos e metodológicos que nos permitiram construir o campo de estudo desta tese.

Primeiramente, justificamos nossa escolha de nos referirmos à oferta jornalística como sendo “alternativa” e não “independente” como faz a maioria das mídias.

Essa última noção é fonte de controvérsias, por ser ao mesmo tempo considerada um princípio normativo e legitimador da Media Dreamin’, e empregada amplamente como argumento de marketing (Karppinen e Moe, 2016).

De acordo com nossa perspectiva, ela deve ser percebida mais como um ideal a ser alcançado do que um verdadeiro rótulo profissional.

Por essas razões, “alternativo” nos pareceu uma solução muito mais inclusiva. Introduzida principalmente por Chris Atton (2002, Atton e Hamilton, 2008, Atton e Couldry, 2003), a noção se inscreve nesta tese em duas correntes teóricas: a “crítica contrahegemônica” (Downing, 2001, 2003) e a “crítica expressiva” (Cardon e Granjon, 2013).

No primeiro caso, a alternatividade seria percebida como uma abordagem de oposição (Negt e Kluge, 1972) às estruturas de poder hegemônicas (Lewis, 1995; Atton, 2002).

No segundo, a alternatividade revelaria principalmente espaços de expressão subalternos (Fraser, 2001).

Sem se incluir em uma dinâmica de confronto, eles se tornam alavancas de “empoderamento, reflexão, abnegação, experimentação e reapropriação do discurso” (Cardon e Granjon, 2013, p.18).

A fim de transpor essas noções teóricas para a realidade das práticas jornalísticas, nós nos dirigimos para o método da “critical media” (“mídia crítica”) de Sandoval e Fuchs (2010, Fuchs, 2010), que tenta “medir” a alternatividade das mídias a partir de cinco dimensões potenciais: produção jornalística, estrutura dos produtos midiáticos, estrutura das organizações de mídia e recepção.

Este método nos interessa na medida em que é menos centrado no rastreamento hermético entre as fórmulas informacionais, e mais na articulação fluida de estratégias de oposições e continuidades dos meios alternativos em comparação com os modelos tradicionais.

Para pensar sobre as questões da alternatividade no contexto das problemáticas da nossa tese, nós nos apropriamos dessas dimensões.

A análise exploratória do corpus indicou que a dimensão mais representativa da oposição se operava ao nível da “estrutura do produto midiático”.

Assim, a partir da implementação de quatro critérios de avaliação — agenda, enquadramento, estrutura editorial e formato de conteúdo — categorizamos nosso corpus de acordo com as promessas editoriais estabelecidas pelas mídias.

No total, seis perfis foram identificados: os alternativos de notícias, os cães de guarda, os locais, os periféricos, os vanguardistas e os slow-deep-info.

Os dois primeiros explicam as proposições mais próximas, em termos de forma e susbtância, das mídias tradicionais.

A oposição deles se dá essencialmente através do enquadramento das informações.

Para os cães de guarda, a oposição se faz também em termos de agenda, com base na publicação de furos de reportagem.

O terceiro e o quarto perfil reúnem projetos inscritos na médiascape a partir de linhas editoriais comprometidas com comunidades territoriais ou simbólicas.

Em termos de conteúdo, eles se distanciam do caminho já batido do jornalismo por meio de enquadramentos e agendas informativas alternativas.

Eles darão mais visibilidade a áreas ou acontecimentos sociais pouco ou não visibilizados pela cobertura dominante.

Por fim, os dois últimos perfis reagrupam as mídias que mais divergem dos modelos tradicionais.

Eles se opõem à agenda e aos enquadramentos tradicionais, afastando-se de uma cobertura direta das notícias.

Em termos de estrutura editorial e formatos de conteúdo, eles rompem com convenções, adotando, algumas vezes, modelos mais próximos da ficção do que do jornalismo.

Ao longo da segunda parte do capítulo, nós apresentamos nosso corpus categorizado de acordo com o perfil editorial das 50 mídias estudadas.

Para realizá-la, nos baseamos em três tipos de dados:

1) estudo dos textos de apresentação dos projetos disponíveis em sites na internet ou nas páginas do Facebook;

2) 32 entrevistas semi-estruturadas realizadas com produtores de conteúdo dos pure plays estudados;

3) monitoramento das informações realizado neste corpus de 2016 a 2018.

A apresentação das mídias é articulada de acordo com um primeiro eixo espacial-global, local Brasil e local França –, depois aplica-se um segundo eixo temporal — geração 1 e geração 2.

As principais tendências dos pure plays são apresentadas de acordo com uma descrição individual e resumida em forma de tabela no final das partes.

A fim de abordar as dinâmicas midiáticas híbridas, nós especificamos o perfil editorial principal, até três outros secundários.

Essa categorização estabelece o fio condutor de análise da tese, estruturando cada um dos três capítulos seguintes.

Os perfis editoriais dos locais e periféricos são objeto de estudo do Capítulo 3, analisados sob a perspectiva do indivíduo e de sua ação social no seio da comunidade.

O Capítulo 4 concentra-se nas dinâmicas de interação informacional no debate público midiático a partir da análise dos conteúdos dos pure plays pertencentes às categorias chamadas de alternativos de notícias e cães de guarda.

Por último, as discussões em torno da inovação das práticas profissionais e organizacionais se apoiam principalmente nas mídias chamadas de vanguardistas e os slow-deep-info.

 Intitulada “Em Carne e Osso: Um Projeto Democrático encarnado”, a Parte 2 da tese édedicada à encarnação do sonho ideológico e democrático da Internet Media Dreamin’ no e pelo corpo social.

A partir de um aprofundamento sobre a realidade social contemporânea, introduzimos três reflexões sobre as peculiaridades da oferta jornalística alternativa online de acordo com a ação cidadã midiática, o debate público midiático e a evolução das práticas profissionais midiáticas.

Objeto de nossas hipóteses de trabalho, cada uma dessas discussões implica oposições aos projetos jornalísticos alternativos online sonhados em relação aos modelos tradicionais: voz burguesa e voz cidadã; representação midiática homogeneizadora e polifônica; estrutura de informação vertical e horizontal.

No Capítulo 3, estamos interessados nos projetos de jornalismo alternativos online como alavancas para a ação cidadã e para a tomada do lugar público de fala pelo indivíduo: “A ação midiática cidadã na era da hipermodernidade conectada”.

Nesse sentido, partimos da primeira hipótese específica segundo a qual os baixos custos de produção e distribuição de conteúdo, assim como a liberação das restrições relacionadas ao espaço-tempo, permitiriam aos públicos fracos (Fraser, 2001) terem mais oportunidades de visibilidade midiática em relação à hegemonia histórica dos públicos fortes.

De acordo com nossa análise, a web não conseguiria, no entanto, perturbar os códigos e as relações de poder entre as vozes burguesas e cidadãs.

Ela permitiria concretamente a criação de um espaço desinstitucionalizado, onde o enfrentamento de grupos sociais seria instantâneo e desintermediatizado.

Esses ciberespaços midiáticos se tornariam, dessa forma, ecossistemas de coabitação social, ocupando simultaneamente os papéis de mediadores, mas também porta-vozes privilegiados de diferentes públicos.

A fim de problematizar ainda mais essa hipótese, nós nos voltamos para as discussões sobre a paisagem social — ethnoscape — na era da hipermodernidade, depois para a sua transposição para o panorama dos acontecimentos informacionais — newsscape.

Partindo do “dispositivo conceitual” (Granjon, 2003) introduzido por Arjun Appadurai (2005), percebemos esses eixos de estudo como sendo composições fluidas, irregulares e heterogêneas que levam em conta o ambiente em que o indivíduo vive e age socialmente.

Partindo de uma abordagem sociológica, antropológica e psicológica, dedicamos a primeira parte desse capítulo à apresentação da paisagem social na era da hipermodernidade (Castel, Aubert, Pagès).

Iniciado na década de 1960, esse período indica principalmente mudanças no corpo social após a consolidação de um projeto neoliberal globalizado.

Três aspectos dessa sociedade são então abordados através de uma comparação com a estrutura de um ecossistema em ecologia: ambiente/sociedade, organismo vivo/indivíduo e interação/socialização.

Em um primeiro momento, apresentamos as três características mais representativas desse período histórico e social, segundo Nicole Aubert (2006): excesso, fragmentação (Abélès, 2012, De Gaulejac, 2006) e a ascensão de um clima de incertezas (Castel, 2009).

Em um segundo momento, e para falar do indivíduo, nós voltamos para dois perfis-tipos identificados por Robert Castel (1996; 2001; 2006; 2009; 2010) que explicam as tensões e as personalidades extremas decorrentes da hipermodernidade.

Por um lado, há o indivíduo do excesso, resultante de uma vida transbordante, imerso nas dinâmicas do hiperconsumo.

Por outro lado, existe o “indivíduo da falta”, mergulhado na “ausência” de participação ou de vínculos sociais que lhe permitiriam exercer plenamente os ideais da hipermodernidade.

Em terceiro lugar, destacamos os paradoxos do projeto da hipermodernidade, bem como seus efeitos em três aspectos das dinâmicas de socialização:

1) relacional, uma análise dos novos códigos e enquadramentos da interação social;

2) psicológico, uma problematização dos condicionamentos e novas buscas por reconhecimento social;

3) espacial, uma reflexão da ação social no espaço e, particularmente, no modo pelo qual os indivíduos vão se posicionar progressivamente em relação ao global e ao local. Na era da hipermodernidade, a ideia de localidade ganha mais uma nova dimensão que vai além da definição de um espaço em um território geográfico e é transposta para a categoria de um imaginário comunitário (Appadurai, 2005, p. 52), baseado no compartilhamento de referências sociais.

Ao apresentar este último aspecto, chamamos a atenção para o fato de que, em um mundo global marcado pela unificação e homogeneização, são os fenômenos “locais” que se multiplicam (Pulcini, 2010).

Por seu aspecto concreto, pessoal e capilar, o local se tornaria uma via de oposição aos fluxos mundiais que se tornaram progressivamente muito intensos e imensuráveis.

Em uma segunda parte do capítulo, continuamos essas discussões buscando refletir sobre a maneira pela qual o indivíduo hipermoderno, tanto o do excesso quanto o da falta, incorpora o ambiente midiático e, mais especificamente, o panorama de acontecimentos informacionais, a newsscape. (Kurpiel e Soulages, 2018).

Como parte de nosso corpus de tese, dois perfis revelam linhas editoriais diretamente engajadas em questões das localidades territoriais e/ou simbólicas: os locais e os periféricos.

Dos 50 pure plays pertencentes ao corpus, 13 correspondem a esses dois perfis.

Em primeiro lugar, apresentamos as tendências globais a partir do estudo das publicações das versões francesas e brasileiras do Huffpost sobre o “temaacontecimento” da condição feminina.

Foi realizada uma análise de textos e discursos sobre os artigos publicados entre julho e novembro de 2016 com o objetivo de identificar as áreas cênicas, posturas enunciativas e pontos de vista discursivos de um total de 1877 artigos, assim como o perfil de 539 blogueiros.

Em segundo lugar, analisamos as publicações das mídias locais durante os mesmos cinco meses de 2016.

Nossa análise teve por objetivo identificar os discursos de autoridade utilizados pelos idealizadores dos projetos e as posturas enunciativas adotadas pelo conjunto de 375 publicações que tratam de todos os temas-acontecimentos.

No caso local e global, nossos resultados foram confrontados com os discursos e promessas editoriais das mídias, bem como com os conteúdos das entrevistas semiestruturadas realizadas com oito fundadores ou editores-chefes das treze mídias mencionadas.

O estudo sobre a condição feminina nos permitiu constatar dois tipos de informação principalmente: os desencarnados (news) e os encarnados (blogs).

Em ambos os casos, os engajamentos editoriais do Huffpost em favor dos grupos minoritários e os valores progressistas estão muito presentes nos textos e se traduzem por uma repetição de agenda e de orientação dos enquadramentos informacionais.

As publicações são legitimadas pela presença de um locutor que “ganha corpo no texto a partir de uma inscrição direta (eu) ou indireta (ele/ela).

Nesse último caso, os jornalistas dos pure play tendem a apresentar indivíduos ou casos exemplares, engajados na subversão dos ditames de uma sociedade patriarcal.

No contexto dos blogs, encontramos a mesma tendência, marcada pela tomada do lugar de fala por indivíduos que compartilham as mesmas reivindicações identitárias e estatutárias que as da instituição Huffpost.

É possível observar, dessa forma, que o discurso da instituição global está impregnado por uma capa consensual e homogeneizadora, que buscaria reforçar um ideal preciso do “pósfeminismo”.

Em uma perspectiva mais geral, os conteúdos têm principalmente a ver com a encarnação de um indivíduo global, autônomo, eficiente, que age socialmente através de abordagens singulares e individuais.

Se essa figura do cidadão do excesso que propõe o Huffpost faz parte principalmente de uma dinâmica de produção e consumo de informação individualizada, o cidadão que contribuiu para a emergência dos projetos locais tende a se apegar mais ao coletivo para agir.

As mídias locais da falta buscariam, sobretudo, criar espaços de expressão informacional online dedicados às comunidades que, tradicionalmente, contam com pouca ou nenhuma visibilidade na cobertura midiática.

A análise do discurso de autoridade permitiu identificar duas estratégias de autolegitimação enunciativa adotadas pelos fundadores dos projetos:

1) o compartilhamento de histórias pessoais e íntimas que favoreceriam um “efeito espelho” com os receptores;

2) o esfacelamento relativo da individualidade, permitindo ao locutor se “fundir” em uma única coletividade.

Além disso, a análise das posturas enunciativas dos locutores dos textos revelou que os papéis tradicionalmente assumidos pelos jornalistas são os que menos eles ocupam na newsscape.

Entre o papel de informante e decodificador da notícia, esses indivíduos preferirão o de fomentadores ou defensores dos interesses do grupo, incorporando vários papéis ao mesmo tempo: expert, testemunha e produtor de informação.

Esse hiper-papel promoveria a legitimação e coesão dessas mídias-comunidades imaginadas, de acordo com uma dinâmica de cooperação em favor de um enriquecimento coletivo.

Chamamos a atenção também para os perigos, particularmente o confinamento social do que poderíamos denominar “mídias-guetos”.

Finalmente, em ambos os casos, tanto da falta quanto do excesso, constatamos que há de fato diferentes cidadãos das redes; simultaneamente, diásporas digitais distintas coabitam com seu próprio mundo informacional possível.

Eles estão impregnados de um universo de possibilidades e são entrecortados por ações que impulsionam o empoderamento individual e uma certa dessincronização social coletiva.

Depois de investigar sobre “quem” está por trás deste neo-jornalismo, nos interessamos, em seguida, ao “como” o sonho de “alternatividade” tomou forma na cobertura da mídia e gradualmente alimentou o debate público de maneira mais abrangente.

Intitulada “A irrupção da desinstitucionalização na política: dominar ou hold-up o debate público”, nosso Capítulo 4 tem por ambição compreender as dinâmicas informacionais inscritas no espaço midiático contemporâneo a partir da tensão “informação homogênea” e “informação heterogênea”.

Nesse sentido, nossa segunda hipótese específica baseia-se na evolução da médiascape para um espaço comunicacional cada vez mais composto, marcado por um poderoso fenômeno de desinstitucionalização informacional.

Ao nosso ver, nesse ambiente midiático fragmentado, as mídias alternativas tendem a se opor ao conteúdo homogeneizador por meio da produção encarnada, reveladora de uma ação informacional internalizada e discursivamente engajada.

Para pensar mais sobre isso, nos concentramos no debate público sobre a mídia produzido durante um momento crucial para a vida coletiva, mobilizando nações democráticas: as eleições presidenciais.

Em uma primeira parte do capítulo, estamos interessados nas evoluções das dinâmicas comunicacionais e midiáticas desses acontecimentos políticos em uma sociedade totalmente conectada, e já acostumada às dinâmicas de informação menos institucionalizadas.

Desde o caso americano de 2016, as tradições desses rituais democráticos foram desestabilizadas pelo surgimento do que concordamos em chamar de elementos “perturbadores”: a desintermediatização da comunicação política e das fake news.

A partir de uma problematização desses dois fenômenos, abordamos às eleições e as particularidades das eleições presidenciais francesas de 2017 e brasileiras de 2018.

Sobre o ponto de vista político, ambos os acontecimentos foram atípicos.

Totalmente inscritos nas problemáticas da hipermodernidade desenvolvidas no Capítulo 3, eles foram marcados, por um lado, pela inversão radical da estrutura dos partidos altamente institucionalizados, um à esquerda e outro à direita do espectro político.

Por um lado, os dois contextos favoreceram uma renovação da cena política, pincipalmente através da emergência de candidatos autoproclamados outsiders dos dois lados do Atlântico.

Agitados por discursos patrióticos, “anti-sistemas” e populistas, na maioria dos casos, eles investem em candidaturas a partir de dinâmicas provocativas ou mesmo profanas.

Do ponto de vista midiático, é a primeira vez que os dois países experimentam campanhas políticas “2.0”, que fazem parte do fenômeno da desinstitucionalização da informação.

Na França, apesar de um avanço nessa direção, o período eleitoral foi conduzido principalmente por vias tradicionais, tanto em termos de estratégia de comunicação dos candidatos quanto das práticas informacionais cidadãs.

No entanto, algumas abordagens alternativas chamaram a atenção, lideradas principalmente por novos partidos políticos: En Marche! e France Insoumise.

No Brasil, temos uma mudança radical de cenário com a inversão das principais tradições midiáticas.

Da mesma forma que nos Estados Unidos, os dois elementos “perturbadores” estavam muito presentes e ainda mais radicalizados.

Entre os acontecimentos mais disruptivos, observamos, por um lado, a derrocada do ritual dos debates televisionados entre os dois principais candidatos à presidência.

Por outro lado, o fenômeno das notícias falsas (fake news) assumiu proporções inéditas no país, migrando dos espaços públicos de publicações para as mensagens privadas do aplicativo WhatsApp.

Na era da pós-verdade (post-truth) e da “pós-instituição” (post-institution), estamos interessados no modo como as mídias da Internet Media Dreamin’ alimentadas por um forte ideal democrático se posicionaram no contexto desses dois acontecimentos políticos.

Assim, a partir de uma análise de discurso centrada no “tema acontecimento” (Soulages, 2002) das eleições presidenciais, nos desejávamos identificar os modos discursivos, assim como os tipos de engajamento adotados na produção informacional de projetos inscritos nas categorias os alternativos de notícias e os cães de guarda.

Para este estudo, analisamos os conteúdos produzidos pelas equipes das mídias e publicados durante o mês mais intenso das eleições presidenciais, começando uma semana antes da data do primeiro turno e estendendo-se para três dias após o segundo turno.

Do lado francês, levamos em conta as publicações de 10 de abril a 10 de maio de 2017 e, do lado brasileiro, o período escolhido foi do 1º de outubro a 31 de outubro de 2018.

Nossas buscas foram associadas aos candidatos mais controversos das duas cenas democráticas nacionais: Marine Le Pen e Jair Bolsonaro.

Ambos são de partidos de extrema direita e presentes nos dois turnos das eleições.

Nosso corpus de 835 textos — 268 do corpus francês e 567 do corpus brasileiro — foi analisado de acordo com dois eixos e avaliado segundo os níveis discursivos de engajamento:

1) cinco posturas enunciativas: fato relatado, proposta relatada, expertise, opinião e testemunho;

2) seis pontos de vista: atualização, alerta, denúncia, engajamento, ridicularização e indignação.

Uma vez categorizados, os dados foram processados de acordo com dois métodos empíricos.

O primeiro consiste na análise dos resultados a partir dos eixos espaço-temporais e os perfis editoriais de cada país.

Em um segundo momento, nós nos voltamos para nosso corpus sem qualquer pré-atribuição categórica.

As únicas informações indicativas mantidas foram as afiliações midiáticas dos artigos.

A fim de reunir esses resultados e torná-los mais comparáveis, procedemos à constituição de um sistema de visualização considerando os graus de engajamento dessa oferta midiática alternativa, estruturada de acordo com os dois eixos dessa análise de discurso.

Partindo do pressuposto de que as mídias mainstream dominantes representariam um universo midiático ortodoxo, reveladoras de uma postura de esfacelamento enunciativo do locutor (Rabatel e Monte, 2017) e de um desejo de “neutralização” da perspectiva de influência dos conteúdos, nós convencionamos denominar as três tendências discursivas identificadas no cartografia discursiva apresentada acima como: os ortodoxos, os hereges e os leigos.

Essas escolhas indicam a proximidade e os tipos de relações empregadas pelas mídias em relação ao discurso jornalístico dominante a que a Internet Media Dreamin’ busca se opor, bem como os níveis de engajamento adotados por essas instâncias midiáticas.

Para concluir esta tese, dedicamos nosso Capítulo 5 –- 20 depois e onde estamos em relação ao sonho? A reconfiguração dos ideais da horizontalidade e da auto-gestão –- a uma abordagem sociológica das estruturas midiáticas, principalmente sob a perspectiva da encarnação e as reconfigurações da Internet Media Dreamin’ nos projetos estudados.

Para tanto, a nossa terceira hipótese específica se baseia na afirmação de que a maturidade de todo projeto se deve à sua capacidade de se distanciar de seus ideais originais, para se adaptar gradualmente às limitações e possibilidades de seu ambiente social (Grange e Ricoul, 2017).

Vinte anos após o início dessa onda jornalística alternativa online, a estabilização das “neomídias” (Manovich, 2013) na mediascape teria causado a perda de uma “imunidade” simbólica, que o título de oferta experimental e nascente pode lhe conferir.

Assim, com o amadurecimento dos projetos, eles foram sendo gradualmente confrontados com os desafios de seus “melhores” sonhos, como a explosão da oferta informacional e a desinstitucionalização midiática.

Pouco a pouco, esses dreamers se viram expostos às mesmas problemáticas que afetam as mídias dominantes, causando uma gradual liquefação das fronteiras que os “separariam” inicialmente.

Nesse sentido, argumentamos que as mídias alternativas teriam convergido gradualmente para os mesmos modos de funcionamento que as dominantes, o que poderia levantar dúvidas sobre sua capacidade de manter os engajamentos democráticos iniciais.

Para verificar essa hipótese, inicialmente nos interessamos por três referentes estabelecidos por Camille Grange e Stéphane Ricoul (2017, p 87) como signo da maturidade de projetos digitais: o “quociente digital”, a “sofisticação” e o “distanciamento de um ideal”.

Transposto para o nosso contexto de pesquisa, o primeiro aspecto pode ser pensado a partir da perspectiva da visibilidade e da influência dos pure plays nas mediascapes nacionais.

Ao longo desta tese, pudemos confirmar isso, especialmente se levarmos em conta a evolução e a multiplicação dessa oferta, como mencionado no Capítulo 2.

O segundo referente, em conexão com o grau de “sofisticação” dos projetos, explicam uma abordagem evolutiva das mídias ao longo do tempo e de suas técnicas de produção de informação.

Similarmente, esta tendência foi verificada no contexto das análises de discursos intergeracionais realizadas nos Capítulos 3 e 4.

Seus resultados foram particularmente reveladores de uma migração de conteúdos para soluções mais originais e dissociadas das práticas jornalísticas tradicionais.

O terceiro signo da maturidade digital diz respeito à capacidade dos projetos de manter distância com relação a um “ideal”, o que, dentro de uma organização, explicaria a reconfiguração de “seus processos, seus talentos e seu modelo de negócios por intermédio do digital” (Ibid., pp. 87-88).

Neste estudo, em que a noção de ideal foi estabelecida como ponto de partida para todas as nossas discussões, pensar as questões em torno desse referente é central.

Assim, depois de refletir sobre a implantação das mídias alternativas inscritas na Internet Media Dreamin’ nos tecidos sociais e sua encarnação na vida cidadã através da produção informacional, nós nos interessamos nesse quinto capítulo pela evolução desse sonho e sua encarnação dentro das estruturas e das práticas profissionais.

Originalmente, os pure plays alternativos estudados concordam em sua vocação de restabelecer os ideais pervertidos da Media Dreamin’ através de sua interseção com os ideais de uma Internet Dreamin’ emergente.

De um ponto de vista ideológico e democrático, isso se traduz em uma busca pela horizontalidade ou pelo o que convencionamos chamar de cidadão-centrismo.

Neste desejo de se reconectar com o corpo social, os projetos da Internet Media Dreamin’ estabelecerão diferentes estratégias para se ancorar ainda mais na vida cidadã e criar gradualmente um lugar na mediascape, dois dos quais nos são particularmente interessantes:

1) o jornalismo participativo;

e 2) as práticas editoriais inovadoras.

A primeira parte deste capítulo é dedicada às dinâmicas relacionais estabelecidas entre os projetos e os cidadãos. Nosso monitoramento informacional e entrevistas permitiram constatar duas ondas e cinco perfis principais de desempenho.

Na primeira onda surgida desde os primeiros anos dessa oferta, temos os comentaristas e os bloggers, caracterizados principalmente por uma ação midiática “publicada”, ou seja, baseada na expressão pública das opiniões dos cidadãos nos sites de informações.

Com a massificação da rede em 2010 surge a segunda onda de participação, e com ela três dinâmicas relacionais: os conselheiros, os cooperativistas e os comunitaristas.

Elas são caracterizadas por uma ação “não publicada”, isto é, não “gravada” no ciberespaço público das mídias.

Muito mais do que mutações nas experiências de interação, elas representariam um fenômeno progressivo de desinstitucionalização da estrutura midiática, como consequência de uma reconfiguração mais ampla das práticas sociais e tecnológicas.

Nossa abordagem é baseada tanto na perspectiva de sua emergência quanto na do seu declínio no ambiente social.

Como toda tendência social, esse fenômeno passa a ser diacrônico e não-sincrônico, indicando uma evolução geral global, mas encarnada em dinâmicas variáveis de acordo com a mídia e seu tempo de existência.

Para dar continuidade às discussões sobre horizontalidade, nós nos interessamos em um segundo momento deste capítulo à dimensão da interação entre as instâncias midiáticas e os internautas, e isso a partir da perspectiva informacional.

Nosso ponto de partida é a oposição dos projetos inscritos na Internet Media Dreamin’ à homogeneização dos conteúdos, uma das fontes do sentimento social de incredulidade, principalmente em relação à capacidade da mídia em manter seus engajamentos ideológicos e democráticos.

Para tal, alguns projetos tentam sair do caminho já percorrido pelo jornalismo e adotar novas abordagens informacionais e estruturas narrativas, duas das quais nos chamaram a atenção.

“Vamos falar do futuro diferentemente” revela a primeira tendência, caracterizada por uma inscrição em questões da sociedade, muitas vezes, fonte de incertezas (Castel, 2009) e em sentimentos ansiogênicos (de Gaulejac, 2006, p.143) em relação ao futuro do meio ambiente, da educação, da saúde, da vida urbana, etc.

Para abordá-los, eles prometem ir além de reportar ou analisar os fatos, para se engajar plenamente em uma busca por soluções inovadoras, valorizadas a partir de uma perspectiva universalista.

A segunda tendência, que convencionamos denominar “Vamos falar do presente diferentemente”, aborda iniciativas jornalísticas que tendem a reportar fatos e comentários de acordo com outras modalidades narrativas e formatos que os classicamente adotados pelo circuito informacional dominante.

Sua principal estratégia é principalmente desejar romper com as lógicas do consumo hiperativo de informações, baseadas na produção industrial e serializada dos conteúdos.

Assim, a partir das problemáticas da incerteza, nós migramos para iniciativas que estão comprometidas em repensar a aceleração social (Rosa, 2010), destacando novas temporalidades da experiência informacional, tanto em termos de produção do que de recepção de conteúdo.

Para desenvolver essas problemáticas, damos continuidade à estrutura do sub-corpus desta tese, o que nos leva a estudar ainda mais as mídias inscritas nos perfis vanguardistas e slow-deep-info.

Em relação à oferta tradicional, esses projetos são mais capazes de revelar as estruturas de informação por oposição em termos da “forma” e do “conteúdo” das informações.


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