Safatle: Assalto completo ao trabalhador requer a prisão de Lula num Brasil militarizado

Tempo de leitura: 3 min
Fernando Frazão/Agência Brasil

 

Fernando Frazão/Agência Brasil

A produção do caos

Fim da Nova República terá brutalização da espoliação e Estado tutelado pelas Forças Armadas

por Vladimir Safatle, na Folha

Talvez a formulação mais precisa a respeito do sentido da prisão do ex-presidente Lula, ocorrida na semana passada, tenha sido fornecida pelo filósofo Renato Lessa: “impeachment preventivo”.

Dentro do horizonte de radicalização da brutalidade das relações de classe pela qual passa atualmente o Brasil, não há mais espaço para pactos e compromissos. Lula foi a encarnação mais bem acabada dos pactos nacionais. Sua prisão é uma forma dos operadores tradicionais dizerem que esta era definitivamente acabou.

Por mais que esse sistema de pactos que imperou na Nova República tenha sido responsável por preservar uma democracia de fachada com sua violência armada contra setores desfavorecidos da população, é inegável que ela conseguiu frear, por um momento, os arroubos mais fortes do neoliberalismo.

O Brasil é um país que chegou a 2018 como uma espécie de capitalismo de Estado no qual, por exemplo, 2 dos 4 principais bancos são públicos, assim como as duas maiores empresas nacionais (Petrobras e BR distribuidora).

Suas universidades públicas são completamente gratuitas, seu sistema de saúde público (embora problemático) é universal para uma população de 209 milhões. Tudo isso está completamente fora da cartilha neoliberal reinante.

Mas para avançar no choque de acumulação primitiva e de concentração de renda seria necessário impor o aumento exponencial e a generalização completa da violência de Estado, isso em um país no qual esta já era responsável por uma política contínua de desaparecimento, tortura e simples execução.

Como fazer isso não produzindo deliberadamente o caos, ou seja, dando a impressão de que nenhuma resposta política seria mais possível, sendo necessário apelar à força? Mas produzir o caos significava eliminar todos os atores políticos críveis, assim como impedir que novos sujeitos políticos aparecessem.

Dentro dessa estratégia, a Operação Lava Jato teve um papel central. Desde que o juiz Sergio Moro decidiu por divulgar em cadeia nacional os grampos de conversa entre Dilma e Lula, a fim de impedir sua posse como ministro, ele transformara uma operação importante de combate à corrupção em modo de intervenção política.

Sua caçada a Lula foi construída a partir do calendário político do país, seus passos foram claramente calculados para impedir um grupo político de atuar. Ou seja, sua operação foi uma farsa por estar politicamente comprometida e interessada.

Seus resultados concretos no que diz respeito a combate contra a corrupção são inexistentes. Ao contrário, o Brasil caiu 17 posições no Índice de Percepção da Corrupção (IPC) nos últimos dois anos.

Nosso governo atual é explicitamente mais corrompido do que o anterior sem que nada possa pará-lo.

Sem contar que a Lava Jato normalizou práticas impensáveis até mesmo em uma democracia liberal, como grampear telefones de advogados de um acusado.

O resultado não poderia ser diferente do alcançado por seu congênere italiano, a Operação Mãos Limpas: entregar o país para um grupo ainda mais corrompido e “apolítico” (no caso, Berlusconi).

No entanto, há uma especificidade brasileira. Dentro desse cenário de caos, as Forças Armadas sentem-se completamente à vontade para retornar seu protagonismo e se impor ao país como verdadeiro poder.

Este será o saldo do fim da Nova República: brutalização da espoliação e Estado tutelado pelas Forças Armadas.

Nesse horizonte, espero que as forças progressistas lembrem do destino de Lula.

Aquele que melhor encarnava as dinâmicas de negociação entre classes da Nova República terminou na cadeia.

Aquele que acreditou que os processos de transformação poderiam ser garantidos por meio de um reformismo gradual e seguro foi simplesmente jogado na cadeia na primeira oportunidade, independente do caos que isso possa gerar.

Esta é uma aula sobre o que de fato é o Brasil.

*Filósofo, é professor livre-docente do Departamento de Filosofia da USP (Universidade de São Paulo).

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Comentários

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Izaías Almada

Depois desse blá, blá, blá, convencional, constatando o óbvio, o filósofo tem alguma proposta para o momento político? Não foi ele que pediu o combate à corrupção propondo que PSDB e PT se enforcassem com as próprias tripas?
A propósito: a lembrança em citar as FFAA é uma crítica ou uma sugestão?

claudio

“Aquele que melhor encarnava as dinâmicas de negociação entre classes da Nova República terminou na cadeia.
Aquele que acreditou que os processos de transformação poderiam ser garantidos por meio de um reformismo gradual e seguro foi simplesmente jogado na cadeia na primeira oportunidade, independente do caos que isso possa gerar.
Esta é uma aula sobre o que de fato é o Brasil.”

Concordo, há aí uma aula sobre Brasil de fato. Mas não creio que leve à conclusão que devamos abandonar a busca por algum “reformismo gradual”.

(1) Pq o jogo ainda não acabou.

(2) Dos ministros do STF que estão aí, salvo engano, 7 foram nomeados entre 2003 e 2015. Se Lula e Dilma tivessem sabido escolher, poderíamos estar numa situação sensivelmente menos complicada. Poxa! Barroso e Fachin foram nomeados qdo a vaca já tava indo pro brejo.

É incômodo re-lembrar mas o STF que está aí é incompetência e/ou descuido. Não faz parte de nenhum “reformismo gradual”.

Julio Silveira

Mas a dor pior disso tudo recai em quem tem capacidade para entender que o povo, feito coxinha imbecil desnacionalizado, sempre dá corum a quem articula suas desgraças.
Temos um povo formatado para ser teleguiado, insensivel e inerte e assim viverem felizes num país satelite que orbita imperios.

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