Por Ruben Bauer Naveira*
O complexo industrial-militar brasileiro (por estas bandas mais comumente chamado de Base Industrial de Defesa, ou BID) já logrou fazer do Brasil, na década de 1980, o quinto maior exportador de armas do planeta – para na década seguinte esboroar-se quase que por completo, em função da forte retração na demanda por armamentos, no mundo, pelo fim da Guerra Fria, e naquele que era então o seu maior cliente, o Iraque, pelo fim da guerra daquele país contra o Irã.
Desde então tem sido uma preocupação das nossas Forças Armadas, como requisito essencial à soberania no campo militar, a constituição de condições para que a BID possa não apenas se desenvolver, mas perenizar-se, em meio aos ciclos instáveis da geopolítica mundial.
O ciclo que ora se inaugura é de forte expansão na demanda por armamentos, devido: à Europa estar se rearmando, na alegação de uma suposta “ameaça russa”; a ela ter exaurido os seus estoques (consumidos na Ucrânia); ao Japão buscar também se rearmar; ao recrudescimento de tensões e conflitos em regiões como o Oriente Médio, o subcontinente indiano ou a península coreana; e ao surgimento de novas tensões geopolíticas em regiões como a América Latina ou o Sahel africano.
A par dessas oportunidades, apresenta-se também o desafio da incorporação das novas tecnologias de base microeletrônica a todo tipo de armamento, sem o que não poderá haver competitividade.
Nesse sentido, a guerra da Ucrânia é exemplarmente ilustrativa da mais nova revolução nos assuntos militares (da consagrada expressão em inglês, revolution in military affairs) já em curso. Mais até do que o uso em larga escala de drones, que por si só já transformou por completo a dinâmica da guerra, o uso “pulverizado” pela Ucrânia da rede de comunicações por satélite Starlink de Elon Musk permitiu unificar e centralizar as funções de comando, controle e comunicações (C3) por todo o exército ucraniano, em uma escala sem precedentes – além de ter propiciado a incorporação dos drones nessa sistemática.
As consequências são avassaladoras. Apenas a título de exemplo, já em fins de 2022 a Rússia interrompera o seu programa de construção dos tanques T-14 Armata, os mais avançados do mundo em cujos projeto e prototipagem haviam sido investidos bilhões, para ensaiar retomá-lo em 2023, e encerrá-lo de vez em 2024.
Afinal, o que é um tanque? É uma plataforma móvel e protegida para penetração e ruptura das linhas inimigas, por meio de disparos com visibilidade direta. E significativamente cara. Ora, quando um drone FPV (sigla em inglês para first-person view), a uma fração ínfima do custo de um tanque, passa a poder efetuar ataques de alta precisão com efeito similar – inclusive contra tanques – com seu operador protegido a quilômetros de distância (visibilidade indireta), um tanque acaba reduzido então a uma relíquia das guerras do passado. E a produção em série dos T-14 Armata acabou cancelada antes que (muito) mais dinheiro escoasse pelo ralo.
Para transmitir minimamente uma ideia geral desta revolução em curso, segue a transcrição de dois documentos.
Primeiro, o relato do lado russo sobre a situação atual na frente de batalha de Pokrovsk, no Donbass, publicado no Substack (procure ter em mente que a situação dos ucranianos é ainda pior que do esta relatada para os russos):
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”Continuamos o nosso trabalho difícil para abastecer as nossas unidades de assalto na direção de Pokrovsk. Este mês, o foco principal foi nas unidades de assalto e a sua comunicação e sobrevivência no campo de batalha.
Primeiro, precisamos explicar no que se tornou a linha de contato nesta direção e, de um modo geral, por todo o front.
Primeiramente, soldados reunidos e prontos para executar suas tarefas de combate são trazidos para o ponto de reunião, a uns 20-25 km da linha de frente.
Eles então aguardam pelo comando. Eles serão embarcados no início do próximo segmento e deixados em um ponto a aproximadamente 10-13 km da LBS (linha de contato), onde poderão ficar por algum tempo – de várias horas a vários dias. Este é um ponto de evacuação próximo, a partir do qual você pode quase garantir escapar e sobreviver.
Em seguimento, há o próximo desembarque em um ponto a 5-7 km da LBS – a partir daí não é possível dirigir mais. Todos os desembarques e os movimentos através do terreno em meio a campos minados e a áreas abertas são conduzidos por guias.
Então, a pé, eles chegam ao ponto a partir do qual o ataque pode começar. A partir daí, aproximam-se das posições. Como regra geral, apenas metade deles alcança as posições, enquanto o resto terá sido ferido ou morto por ataques de drones.
Uma dupla de soldados de assalto que alcançam as ruínas de alguma casa geralmente se desloca aos pares, escondidos nas ruínas e porões. Eles não se aventuram do lado de fora desnecessariamente. A partir dali, eles devem manter comunicação com o seu comandante para se manterem informados sobre o que está acontecendo lá fora, coordenar suas ações com os demais soldados próximos, prover assistência e se engajar em assaltos às posições inimigas. Eles podem passar uma semana, ou um mês, ou dois, nas ruínas.
Se o tempo estiver ruim: nevoeiro, chuva, ou nevando, então as perdas são drasticamente reduzidas. Os drones FPV quase não voam na chuva – gotículas aderem à lente da câmera. A cortina de água distorce fortemente o sinal de 5,8 GHz. No entanto, a artilharia inimiga começa a operar mais ativamente.
O sinal de qualquer grupamento blindado é geralmente percebido pelo inimigo 10-15 km antes da LBS. Até o momento em que ele alcança as posições iniciais para o ataque, já haverá dúzias de drones FPV inimigos no céu e outras dúzias prontos para serem lançados. Tudo isso então desaba sobre o grupamento blindado e a infantaria. Sim, é difícil para as nossas tropas, e há vítimas, mas ainda somos capazes de desembarcar soldados e avançar. Nossas principais perdas são na forma de soldados feridos”.
O segundo documento transcrito é o artigo “Digital War – A New Reality”, publicado (somente em russo) na revista Россия в глобальной политике (Russia in Global Affairs), de autoria do general Yuri Baluyevsky, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Federação Russa, e de Ruslan Pukhov, diretor do Centro de Análise de Estratégias e Tecnologias (CAST). Segue abaixo.
Guerra digital – uma nova realidade
Por Yuri Baluevsky e Ruslan Pukhov*
”É improvável que haja algum especialista que negue as mudanças revolucionárias nos assuntos militares — a “revolução dos drones” ou a “revolução da guerra com drones”. Talvez, de forma mais abrangente, uma “revolução da guerra digital”. Há todos os motivos para acreditar que esse processo continuará a se expandir e se aprofundar, já que a capacidade de intensificar a “guerra de drones” supera a capacidade de neutralizar eficazmente esse tipo de arma.
A miniaturização e a redução de custos da base de componentes, o desenvolvimento de soluções em rede (especificamente soluções em rede; a inteligência artificial (IA), ao que parece, permanecerá um fator secundário por muito tempo) levam ao fato de que verdadeiras hordas de drones dos mais diversos tipos, formatos, tamanhos e finalidades estão participando de operações de combate. A maioria desses drones são cada vez menores e mais baratos, porém cada vez mais de longo alcance e autônomos, combinando capacidades de reconhecimento e engajamento.
O campo de batalha tático e as áreas de retaguarda a dezenas de quilômetros da linha de contato se tornarão essencialmente uma “zona de aniquilação total”. Naturalmente, o objetivo principal será neutralizá-los. Assim, o conflito armado se tornará, primordialmente, uma batalha pela “superioridade em drones” no ar. Consequentemente, a organização das forças deve ser coerente com as metas e os objetivos da luta por essa superioridade no ar e no espaço.
Transparência perigosa
Lembremos que uma das consequências mais importantes dessa revolução foi a transparência do campo de batalha, essencialmente a dissipação completa da “névoa da guerra”. Essa característica só tende a piorar com o desenvolvimento de soluções informacionais não-tripuladas, baseadas no espaço (naves espaciais de combate são essencialmente drones) e em rede.
Aprimoramentos em equipamentos de vigilância, sensores, poder computacional, redes de informação, métodos de transmissão e processamento de dados e inteligência artificial criarão, em última análise, um ambiente de informação global unificado que abrange terra, ar e espaço (“espaço de batalha informacional”), garantindo e expandindo cada vez mais a transparência tática, operacional e estratégica unificada.
Mesmo hoje, já podemos falar do esmaecimento das fronteiras de combate nos níveis tático, operacional e estratégico.
Uma consequência significativa da “transparência” do campo de batalha foi a nova face da guerra demonstrada durante a Operação Militar Especial na Ucrânia. Esta se baseou principalmente na alta dispersão e na baixíssima densidade das forças e de suas formações de batalha. O dramático aumento das capacidades de reconhecimento, detecção, designação de alvos e ataques de precisão criaram uma vulnerabilidade significativamente maior para os grupos de tropas, desde o nível de unidades táticas até formações operacionais e operacional-táticas, bem como para equipamentos militares individualmente.
O resultado é a impossibilidade de transferir e concentrar forças e recursos de forma secreta nas áreas de concentração dos principais esforços, o que altera fundamentalmente a própria filosofia de utilização das tropas.
O elemento-chave no campo da guerra da informação durante a Operação Militar Especial foi a introdução e o uso generalizado da internet baseada no Starlink. Pela primeira vez na história, foran implementados uma rede de informação e um sistema de troca de dados acessíveis ao público, rápidos e suficientemente seguros. Essa tecnologia permite a conexão de todos os níveis de controle, até o mais básico, e proporciona comunicação e controle sobre o campo de batalha, independentemente da distância.
Isto revolucionou a navegação não tripulada, permitindo pela primeira vez o uso em massa de veículos não tripulados, mesmo de pequeno porte, em um alcance teoricamente ilimitado. O mesmo resultado, embora com menor eficiência, é obtido ao usar redes celulares comerciais para controlar drones.
A próxima etapa da revolução da informação nessa área será a integração de soluções de redes de satélite e celulares, o que possibilitará a troca global de informações via satélite por meio de um telefone celular comum e dispositivos de comunicação ultracompactos correspondentes.
Isso levará a uma expansão explosiva das capacidades do exército, incluindo a conexão direta com cada soldado no campo de batalha e a ultraminiaturização dos sistemas de comunicação, permitindo o comando e controle de tropas em alcance ilimitado, incluindo veículos aéreos não tripulados e armas guiadas com precisão. Isso aumentará significativamente as capacidades da guerra “remota”.
A revolução da informação está mudando a forma e a face do combate. A transparência do campo de batalha e a designação de alvos em tempo real estão eliminando a necessidade de fogo de linha de visão em favor do fogo indireto. Durante séculos, o fogo de linha de visão tem sido a base da destruição, e é precisamente em torno da garantia de sua eficácia que os fundamentos das táticas foram essencialmente construídos.
Agora não é mais necessário ver o inimigo diretamente à sua frente; os alvos podem ser detectados a qualquer distância e atingidos com armas de alta precisão (principalmente drones) lançadas fora da linha de visão do inimigo.
A capacidade de sobrevivência e a estabilidade em combate de qualquer meio remoto e disperso para disparar a partir de posições fechadas e suas respectivas equipes são muito maiores do que as de qualquer arma para disparar em linha de visão. Isso acarreta uma mudança fundamental no planejamento de todo o sistema de destruição por fogo do inimigo.
Uma crise de armas convencionais
Essa circunstância, e não a proteção insuficiente contra drones, acabou sendo a principal razão para a crise das forças blindadas. O tanque é o principal meio de fogo de linha de visão; na verdade, ele foi projetado como uma plataforma protegida para esse tipo de fogo. Agora, ele se mostra um alvo facilmente detectável e atingível, com um sistema de armas de linha de visão ineficaz. Como resultado, o tanque perdeu seu papel outrora essencial como principal meio de avanço e manobra de um exército.
As tentativas de aumentar a capacidade de sobrevivência e o potencial de combate do tanque, equipando-o com sistemas de proteção ativa, drones e armas de longo alcance, ainda não se mostram adequadas do ponto de vista da relação custo-benefício. Não está claro qual será o benefício para o campo de batalha de um veículo vulnerável, com armamento limitado e custo próximo ao de uma areonave de combate.
Quanto ao uso de um tanque como veículo para drones ou para ataques de precisão além do horizonte, por que um tanque, que é claramente excessivo em termos de proteção e peso, seria usado como plataforma? Não há respostas para essa e outras perguntas.
Também se pode reconhecer uma crise na artilharia. O conflito militar na Ucrânia parece ter recolocado a artilharia com munições não guiadas no pedestal de “deus da guerra”. No entanto, isso levanta a questão controversa do uso de armas caras, com alto consumo de munição também cara, para resolver problemas de fogo que poderiam ser resolvidos em um campo de batalha “transparente” por drones e outras armas de alta precisão.
Um requisito fundamental para a artilharia moderna é o aumento do alcance de tiro, mas o engajamento eficaz a distâncias consideráveis exige disparos altamente precisos e controlados (incluindo mísseis). Surge então uma questão lógica: é racional usar sistemas de artilharia volumosos como plataformas de lançamento para tais munições?
Declarações no espírito da famosa frase de Voroshilov, “o cavalo ainda provará a si mesmo” (agora isso se aplica a tanques ou artilharia), ignoram o fato de que as tecnologias não tripuladas também estão em um estágio inicial de desenvolvimento. Nesse sentido, a tese de que “os drones também mostrarão o seu valor” parece mais lógica, especialmente à luz do desenvolvimento contínuo das tecnologias de rede e espaciais.
Assim, os drones estão realmente causando um impacto revolucionário na ciência militar. Por um lado, eles afetam um fator crucial como a concentração de forças e recursos e, por outro, tornam essencialmente desnecessária a manobra tática de forças e recursos para garantir a destruição. Essas mudanças fundamentais, tanto nas táticas quanto na arte operacional, devem levar a uma revisão não apenas das formas de operações de combate, mas também da estrutura organizacional das tropas.
Colisão pós-industrial
A campanha na Ucrânia marcou o fim de quase um século da noção dominante de guerra mecanizada, característica das sociedades industriais. Nesse sentido, o Distrito Militar Central tornou-se o primeiro conflito armado em grande escala do século XXI, marcando a conclusão de uma revolução nos assuntos militares – a transição para a “guerra digital”. Todas as tendências que já se tornaram evidentes ou que estão apenas a surgir provavelmente irão desenvolver-se na próxima década, continuando a mudar o panorama dos assuntos militares.
As tentativas de conciliar as realidades da transição para a guerra “digital” e “com drones” com as condições da guerra mecanizada, por exemplo, mantendo o papel anterior dos tanques e das unidades blindadas, só levarão a uma diminuição da eficácia das forças armadas, à sua inadequação às novas condições de combate, e a custos e perdas desnecessários.
Alguns aspectos disso, agora observados na Ucrânia, são causados pelo relativo atraso técnico das tropas das partes envolvidas, pela falta de drones e recursos de informação (do lado russo), o que as obriga a improvisar com o que têm.
Atualmente, a aquisição de drones FPV atingiu centenas de milhares por mês para cada lado, comparável (ou até superior) ao volume de produção de munição de artilharia. Os drones FPV, que atacam em enxames qualquer militar que avistam, tornaram-se a principal arma para destruir não apenas equipamentos, mas também pessoal. Segundo estatísticas russas, no início de 2025, os drones representavam mais de 70% das baixas em combate. Seu alcance operacional está em constante expansão e já ultrapassa dezenas de quilômetros, tornando-os adequados para fogo de contrabateria, interrupção de comunicações, destruição de linhas secundárias inimigas e isolamento de zonas de combate.
No futuro, devemos esperar uma transição para soluções em grupo e enxame, incluindo a capacidade de controlar grandes grupos de UAVs por um único operador e a criação de UAVs com uma unidade de hardware e software que permita o uso de armas letais sem intervenção do operador.
Três fatores-chave na guerra com drones e seu impacto na organização e no emprego de tropas em combate podem ser identificados.
Primeiro, a necessidade de extrema dispersão de forças e recursos com densidade de formação de combate muito baixa mudará fundamentalmente a organização das tropas e suas interações.
Segundo, haverá um aumento acentuado na profundidade da destruição dos lados oponentes e de seus recursos, chegando até a profundidade operacional. As “zonas de aniquilação total” em breve alcançarão dezenas de quilômetros. Isso torna impossível manobrar e concentrar tropas, mesmo dentro da profundidade operacional.
Em terceiro lugar, a guerra demonstrou o problema intratável do abastecimento das tropas, que agora são abastecidas por veículos de transporte vulneráveis e relativamente fáceis de serem alvejados pelo inimigo (um problema que já vinha se agravando há muito tempo, mas que foi ignorado pelos estrategistas soviéticos). No contexto de uma “guerra de drones” e de enormes “zonas de destruição total” de forças e recursos em toda a profundidade operacional, o problema do abastecimento em termos operacionais, táticos e “microtáticos” (“última milha da frente de batalha”) torna-se colossal e exigirá soluções nada triviais e revolucionárias.
Algumas questões de organização de tropas
Como deveria ser uma estrutura de tropas para uma possível “guerra com drones”? Trata-se de uma combinação de unidades de assalto e sistemas não tripulados, com armamento de fogo (até o nível de esquadrão e pelotão), não apenas com drones, mas também, por exemplo, com mísseis guiados por fibra óptica, além de uma variedade de meios de combate e supressão de sistemas não tripulados (desde o nível de cada soldado e cada veículo até unidades especiais). Todas essas forças devem possuir capacidades de rede totalmente integradas, fornecendo orientação para o fogo a partir de “níveis superiores” e da aviação.
A tarefa das tropas será alcançar a “superioridade dos drones” e, em seguida, mantê-la.
O avanço da infantaria no campo de batalha deve ser realizado utilizando uma combinação de meios, dependendo da situação, incluindo soldados a pé, motocicletas, veículos leves de transporte de tropas, veículos blindados e veículos de combate de infantaria altamente protegidos e com grande poder de fogo.
Esses IFVs (sigla para infantry fighting vehicle) devem formar o núcleo do armamento blindado e do equipamento técnico das Forças Terrestres. A combinação de alta proteção e peso moderado exigirá um nível menor de apoio de tanques, engenharia e outros tipos de suporte.
Embora IFVs ou APCs (sigla para armoured personnel carrier) pesados com o mesmo peso que MBTs (sigla para main battle tank) também possam ser considerados, seu peso e custo excessivos, em nossa opinião, impõem a preferência por veículos “de compromisso” de peso “médio” – 30 a 40 toneladas, como o M2 Bradley, que se provou o “veículo ideal” da guerra na Ucrânia.
Equipar esses veículos com capacidades antidrone, principalmente ativas, em combinação com proteção completa e medidas para melhorar a capacidade de sobrevivência (separação de munição, remoção de combustível etc.) garantirá maior capacidade de sobrevivência no campo de batalha, mesmo em uma “guerra de drones”, mantendo ao mesmo tempo o status de “material consumível” adequado para produção em massa. A questão da criação de unidades desses IFVs (integrando-os a esquadrões de infantaria regulares ou, inversamente, organizando os IFVs apenas como “grupos de táxi”) requer uma análise à parte.
Em vez de tanques, as unidades de infantaria deveriam ser equipadas com veículos pesados de desminagem e assalto – plataformas de combate com máxima proteção, tanto estrutural quanto ativa contra drones. Não precisam de armamento significativo, pois isso apenas reduziria sua capacidade de sobrevivência.
As tropas devem ter apoio adequado (logístico, técnico, etc.). Na guerra moderna, o próprio apoio é essencialmente uma forma de combate, contrapondo constantemente os ataques inimigos, e deve ser devidamente organizado e equipado (incluindo sistemas não tripulados).
Assim, o exército do futuro não deve ser rigidamente dividido em ramos das forças armadas, mas, ao contrário, deve constituir uma força multifuncional, integrada e o mais unificada possível, capaz de operar em quaisquer condições de guerra moderna.
Acreditamos que todos tenham notado a recente publicação do site ucraniano DeepState, que descreve a “nova doutrina de infantaria” das Forças Armadas russas e demonstra claramente a adaptação das táticas de tropas às necessidades da “guerra com drones”.
Quatro aspectos-chave das mudanças táticas do lado russo são destacados.
Primeiro. O aumento do uso de sistemas robóticos terrestres, munições de ataque de precisão e drones pesados levou à “robotização de certos processos de combate”. Atualmente, estão em curso esforços para transferir completamente a tarefa de operações de assalto e apoio de fogo para drones, a fim de evitar a detecção de grupos de assalto.
Segundo. Transição para ações realizadas por um grande número de grupos “dispersos”, de tamanho mínimo, compostos por apenas duas ou quatro pessoas.
Terceiro. Minimizar os tiroteios e os ataques frontais às posições, e, de modo geral, reduzir os confrontos da infantaria com o inimigo, transferindo a função principal de apoio de fogo das aeronaves de ataque para os drones.
Quarto. Uso extensivo de táticas de infiltração lenta e “rastejante”, ou de flanqueamento por pequenos grupos, incluindo o uso de camuflagem (capas, mantos etc.), penetrando o mais fundo possível na retaguarda, procurando e neutralizando operadores de drones, equipes de morteiro etc.
Claramente, a estrutura, a organização e o equipamento das tropas devem passar por adaptações adequadas. A era dos “grandes batalhões” acabou.
Perspectiva fundamental
Vale ressaltar que o desenvolvimento dos veículos aéreos não tripulados mais difundidos e já em combate se baseia em soluções comerciais em larga escala, provenientes principalmente dos vastos mercados internos da China e dos Estados Unidos. Por um lado, isso garante sua alta disponibilidade.
Por outro lado, a viabilidade de realmente industrializar os tipos mais comuns de UAVs (Maviks, drones FPV, pequenos UAVs) em cenários autárquicos e de pura substituição de importações ainda parece questionável, especialmente considerando a rápida evolução de soluções e modelos.
Sistemas não tripulados mais complexos, sejam aéreos, terrestres ou marítimos, exigem os mais altos níveis de desenvolvimento em tecnologia de vigilância, capacidades de satélite, sensores, poder computacional, redes de informação, métodos de transmissão e processamento de dados e inteligência artificial. Um país que não consegue cumprir todos esses requisitos está fadado a ficar para trás em assuntos militares.
A transição para a “guerra digital” demonstra que, neste século, o fator-chave para o desenvolvimento dos assuntos militares e das capacidades militares (e para o desenvolvimento da civilização humana em geral) é o aprimoramento do poder computacional.
Ele oferece potencial em todas as outras áreas mencionadas acima. Os recursos dos países e alianças dependerão do desenvolvimento e da produção de poder computacional, e não do controle territorial ou de recursos. Cabe ressaltar também que o desenvolvimento da capacidade computacional e das redes nela baseadas (incluindo redes espaciais) para controle, detecção, designação de alvos e transmissão de dados possibilitará a criação de sistemas automatizados globais de reconhecimento, ataque e defesa com densidade e eficácia de destruição colossais.
Em particular, a capacidade de neutralizar ataques tradicionais com mísseis nucleares poderá aumentar qualitativamente, o que significa que os sistemas de defesa antimísseis atingirão um novo patamar. Isso acarreta o risco de desvalorização das armas nucleares e da dissuasão nuclear em geral.
A médio prazo, a Rússia ficará atrás dos líderes globais no desenvolvimento de poder computacional (devido à falta de conhecimento especializado, capacidade industrial e mercado interno). Essa situação precisa ser resolvida imediatamente; caso contrário, a disparidade aumentará, ameaçando os interesses estratégicos do país.
A Rússia possui os recursos para corrigir essa situação, e seus avanços científicos e tecnológicos permanecem intactos. No entanto, o ritmo das mudanças globais é tal que talvez ela simplesmente não consiga aproveitar essas oportunidades a tempo.
Reconhecer isso exige deixar de lado as diferenças políticas e concentrar esforços na resolução urgente de questões administrativas e tecnológicas.
(BALUEVSKY, Y. N., PUKHOV, R. N., 2025. “Digital War, A New Reality: Russia urgently needs to adapt to it”. Russia in Global Affairs, vol. 23. nº. 6. p. 60–68).
Yuri Baluevsky é general do Exército, Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Federação Russa (2004–2008). Ruslan Pukhov, Diretor do Centro de Análise de Estratégias e Tecnologias.
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Algumas palavras sobre o “atraso” da Rússia no campo das tecnologias de informação (TI): o país produz microchips, mas ainda apenas na escala de 60 a 90 nanômetros (nm).
Em busca da autossuficiência, começarão a ser produzidos microchips na escala de 24 nm a partir 2027, e nas escalas de 14 nm e menores a partir de 2030.
A Rússia vem também desenvolvendo sua própria tecnologia de litografia, para produção de microchips.
Ela possui e produz supercomputadores, desenvolve IA avançada, e forma hoje mais engenheiros e matemáticos do que os Estados Unidos. Last but not least at all, ela conta com uma forte regulação das redes sociais, não se deixando ficar na posição de refém das Big Techs do Vale do Silício dos EUA.
E, mesmo assim, a Rússia se debruça sobre suas limitações e ineficiências neste campo, receando acabar ultrapassada por outras nações.
Se o Brasil almeja se tornar também um player global, é necessária uma estratégia de nação para superação das nossas limitações e ineficiências, ademais muito maiores. Muito possivelmente a construção de uma tal estratégia venha a apontar para a necessidade de alianças com outros países em situação correlata à nossa, para divisão de tarefas e de investimentos.
Enfim, cada dia desperdiçado por inércia será um dia a mais de avanço daquelas nações que já se colocaram a caminho, e de atraso nosso em relação a elas.
*Ruben Bauer Naveira é ativista político e pacifista. Autor do livro Uma nova utopia para o Brasil: Três guias para sairmos do caos.
Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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