Rita Camacho: 2004, uma missão de parar o trânsito em Pequim

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De 21 a 29 abril de 2004, uma delegação do PT Nacional visitou a China a convite do Partido Comunista Chinês. Brasileiros, da esquerda para a direita. Rioco Kayano, José Genoino, Delúbio Soares, Mônica Valente e Fátima Cleide; atrás, Paulo Delgado e Valter Pomar . Foto: FPA

Uma missão de parar o trânsito

Durante o governo Lula 1, o PT fez sua segunda visita oficial à China e fortaleceu laços com o PCCh

Por Rita Camacho, para a Fundação Perseu Abramo

Uma China imersa em inovações tecnológicas e com canteiros de obras de infraestrutura por toda parte.

São esses os cenários mais presentes na memória dos integrantes da delegação de dirigentes petistas que visitou o gigante asiático na última semana de abril de 2004.

Vinte anos antes, em 1984, o Partido havia feito sua primeira viagem oficial à China, como contamos em outra reportagem[1]. Naquela estreia, o PT estava recém-fundado e iniciando suas relações internacionais.

Na nova oportunidade, o partido chegava com o mérito de ter levado um trabalhador à Presidência da República do Brasil pela primeira vez. Luiz Inácio Lula da Silva havia tomado posse em 2003.

Por isso, aquela missão de 2004 serviu também de precursora às visitas que o presidente Lula faria no mês seguinte à China e que os chineses fariam em novembro daquele ano ao Brasil, e que culminaria com o reconhecimento da China como economia de mercado.

“Quando Lula ganhou a eleição, a situação mundial estava se configurando numa certa tensão com a guerra do Iraque, o tensionamento do mundo árabe e a ascensão da China. Então a China era uma expectativa, e como a China vinha visitar o Brasil, havia todo um interesse de fazer uma disputa política. Eu já sabia que era uma agenda política e não de governo, o governo acompanhava, mas a principal figura era do partido”, diz José Genoino, que presidia o PT à época e chefiava a missão.

Mesmo tendo passado 20 anos dessa experiência, Genoino recorda de muitos aspectos, inclusive prévios.

“Na preparação da viagem, eu tive várias reuniões com a Embaixada [da China no Brasil] e, aí, nós começamos a fazer o trabalho.

Primeiro, que eles eram muito dedicados, o conhecimento sobre o Brasil era detalhado, não era só diplomático, existia muito interesse em conhecer o Brasil, o Mercosul, a integração sul-americana, e eles tinham detalhes sobre os estados, os governadores, o que foi a experiência de FHC.

Aí, eu percebi que eles estavam jogando pesado com essa visita”.

A formação política de Genoino também ampliava seu interesse pela viagem:

“A gente tinha uma ligação afetiva, eu tive muito contato com a China via PCdoB, lendo O Livro Vermelho, de Mao Tsé-Tung, e outras obras dele. Tenho uma parte delas até hoje. Eu conhecia, não só por causa do movimento de 68, da revolução cultural, como também pelos escritos militares.

Os treinamentos que o pessoal fez lá na China foram fonte de inspiração para a preparação da Guerrilha do Araguaia. E os companheiros da direção, da preparação, falavam muito da experiência desses cursos, o Osvaldão, o Bronca, o Zezinho, Paulo Rodrigues… Não era só uma visita diplomática racional, tinha um tempero na nossa relação com a China”.

Para acompanhá-lo, Genoino escalou no partido o que ele considera uma “comitiva de alto nível”: a então senadora Fátima Cleide, de Rondônia; o então deputado federal Paulo Delgado, de Minas Gerais, que estava à frente da Secretaria de Relações Internacionais do PT; Delúbio Soares, que era secretário de Planejamento e Finanças, e Valter Pomar, que era o terceiro vice-presidente do PT e estava secretário de Cultura, Esportes e Turismo da Prefeitura de Campinas (SP).

Juntaram-se à comitiva oficial as companheiras de Genoino e Delúbio, respectivamente Rioco Kayano, filiada ao PT e que também militara no PCdoB, e Mônica Valente, que recém-integrava a Comissão Executiva Nacional e estava secretária de Administração e Gestão Pública da Prefeitura de São Paulo. “Eu apresentava a todos como integrantes do diretório nacional”, recorda-se o líder do grupo.

Genoino tinha se aproximado da diplomacia chinesa no Brasil após uma ocasião em que, como deputado federal, discursou na Câmara em comemoração a um aniversário da Revolução Chinesa:

“Eu falei citando qual era o meu contato com a China, contato teórico, militante, e depois eles me chamaram para um almoço, e eu cheguei lá e tinha um salão com seis executivos [da embaixada e consulados], passei a tarde toda lá”

Paulo Delgado diz que havia “dois problemas” chineses que interessavam à missão:

“As pressões de fora, geopolíticas, as questões de uma China e dois sistemas, que era o problema do Tibete e de Taiwan. O Tibete resolveu. O Dalai Lama ainda estava forte naquela época, tinha ganho [em 1989] o [prêmio] Nobel [da Paz], então ele era uma pessoa que tensionava a China”.

O ex-deputado complementa:

“E também nos interessavam quais eram os programas governamentais de estabilização interna, eles tinham pressão externa, que os obrigava a gastar muito com exército, marinha, aeronáutica, mas eles tinham também o que eles chamavam de dificuldades internas”.

Para a delegação oficial, o PT pagou as passagens e adiantou U$ 1,500 a cada um. Levavam na bagagem cartões de visita com a estrelinha do PT e seus nomes impressos em português e chinês.

Depois de voarem pela Varig de São Paulo a Frankfurt, na Alemanha, a delegação embarcou pela companhia Lufthansa para o aeroporto de Pequim (ou Beijing), capital chinesa.

Naquela manhã de 21 de abril, foram recebidos por uma equipe do Departamento de Relações Internacionais do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh), chefiada por um manchu, etnia minoritária.

Para os deslocamentos de Genoíno e Rioco, foi reservada uma limusine Lincoln. Os demais visitantes e um intérprete ocupavam um micro-ônibus. Dois outros veículos serviam de batedores.

Todos os deslocamentos foram “cinematográficos”, escreveu Valter, informando que o trânsito era interrompido para que passassem, embora o fizessem de maneira discreta.

Estas e outras observações de Valter constam de um relatório que ele fez da viagem; é deste relatório, assim como de impressos recolhidos por Valter durante a viagem e guardados desde então, que saíram várias das informações factuais citadas nesta reportagem.

A delegação foi instalada no Grand Hotel Beijing, um cinco estrelas que havia recebido, entre outras celebridades, o líder comunista vietnamita Ho Chi Minh.

O mesmo padrão se manteve nas demais cidades visitadas. As hospedagens e os deslocamentos internos corriam por conta do PCCh. “Então ficamos em total conforto, porque eles nos estavam apresentando a China depois de uma relação de atrito”, reconhece Genoino.

“Até o jeito de dobrar papel higiênico, as toalhas, era padrão internacional. Você entrava naqueles hotéis e era o mesmo padrão de um hotel em qualquer lugar do mundo. Não tinha diferença”.

A ex-senadora Fátima Cleide espantou-se com o fato de que em todos os banheiros dos hotéis ou dos lugares públicos que visitaram havia uma jovem chinesa vestida com roupas típicas do país e que providenciava a dobradura de uma flor nos rolos de papel higiênico após cada usuária deixar o recinto.

Questionados pela delegação, os anfitriões explicaram quem havia treinado os funcionários.

Genoino conta:

“Eles disseram que haviam estado na Europa e descobriram um francês amigo da China, a quem contrataram, por cinco ou seis anos, para dar curso para os trabalhadores em turismo”

O programa de nove dias estava todo organizado e foi entregue impresso em português aos integrantes da delegação na chegada.

Genoino e a companheira Rioco. Foto: Arquivo pessoal

O roteiro estava grampeado a uma capa e contracapa na cor branca com impressos em dourado: na frente, acima, centralizado, vê-se o símbolo com a foice e o martelo; no rodapé, em idiomas chinês e inglês, estava escrito: Departamento Internacional Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh).

A primeira atividade após almoçarem na Cafeteria do Sol, no hotel, foi na comarca de Si Ji Qing, onde visitaram o que os chineses traduziram como “jardim infantil” e uma “casa de velhice”, locais que Fátima Cleide considerou “muito organizados e limpos”.

“Tínhamos a responsabilidade de levantar a situação da China, naquele momento de reabertura, e as minhas impressões são sempre muito voltadas para o social. Eles estavam modificando algumas regras no mundo do trabalho, como o direito a férias. Fazia parte do pacote de abertura. Então, o turismo interno estava sendo muito incentivado e acelerado. Aonde chegávamos, eram filas quilométricas para visitar os pontos turísticos. Eu pensava: ‘não volto aqui como gente normal é nunca, porque eu via as filas e me desestimulava’”.

Segundo Paulo Delgado, em vários hotéis, “só hotéis de luxo, internacionais”, jovens brasileiros trabalhavam como maitre, garçom etc:

“Estavam lá por causa da facilidade de adaptação do brasileiro, trabalhadores levados pelas grandes redes hoteleiras internacionais”.

Foi numa área turística também que a delegação conheceu a uma estudante brasileira que estudava na Europa e estagiava na China, aproveitando aquele momento de “segunda abertura econômica do país”, segundo Genoino.

“E ela ficou com a gente, à noite, lá nesse hotel, e, no dia seguinte, nós queríamos que ela fosse conosco e o partido disse ‘não’”.

O rigor dos anfitriões chineses incluía pontualidade. “Às 6 horas da manhã batiam na nossa porta”, recorda Fátima Cleide.

Para a então senadora, o componente emocional da viagem estava relacionado à 4ª Conferência Mundial sobre a Mulher, promovida pela ONU em 1995, e que reuniu 189 delegações governamentais e mais de cinco mil representantes de cerca de duas mil ONGs em Pequim:

“Batalhei muito na organização do movimento [no Brasil] e participei até a etapa nacional, que foi no Rio de Janeiro. Fiquei deslumbrada por esse aspecto”.

Justamente por estar atenta também à temática de gênero, Fátima deu-se conta de que os espaços de poder ainda eram muito pouco ocupados por mulheres:

“Embora estivessem nas reuniões, notava-se que não estavam em papel de mando. Se estavam no poder, era mais para baixo na escadinha”.

Estar ali remetia Fátima ainda às lembranças do que a mãe dizia durante sua infância: “Vá para a baixa da égua, vá para onde Judas perdeu as botas, vá para a China”, diverte-se.

Dentre os integrantes da comitiva, Paulo Delgado era o único que já havia visitado o país. Integrara um grupo que acompanhou Lula durante a pré-campanha presidencial em 2002 numa viagem organizada com o setor empresarial.

Em missão parlamentar ou por outros interesses, voltaria várias vezes ao país, inclusive tem um filho, Henrique Delgado, que se formou em Economia numa universidade local. Também tinha relação com os chineses desde a Constituinte. “Fomos das primeiras bancadas que a embaixada [da China] convidou para conhecer”.

Paulo disse que percebia a admiração pelo Brasil em vários aspectos.

“Pela dependência muito grande que eles tinham da agricultura brasileira. Eles queriam conhecer a Embrapa; na sequência da viagem do Lula, em 2002, e depois a nossa [em 2004], a Embraer foi para a China ensinar os chineses a fazer aviões e hoje eles também fazem aviões”.

Mas uma quase-viagem à China ficaria também muito marcada para Paulo Delgado pelas circunstâncias que envolveu.

Em junho de 1989, ele, então secretário de organização, Francisco Weffort, que era secretário-geral, e o economista Jorge Mattoso integravam a representação escolhida pelo PT em atenção a um convite do Partido Comunista Chinês.

Os três partiram com o seguinte plano de voo: São Paulo-Nova Iorque-Xangai-Pequim. Quando os convidados chegaram a Nova Iorque, foram avisados pelos chineses que a viagem estava suspensa e já não embarcariam para a China:

“Mas não explicavam o que havia acontecido. E muito engraçado que, para mostrar fidalguia com o PT, e mesmo sabendo que estávamos em Nova Iorque, eles nos ofereceram: ‘vocês podem voltar por Paris’’.

Foi no hotel que a delegação descobriu o motivo: havia ocorrido o “massacre da Praça da Paz Celestial”, que os comunistas chineses e seus apoiadores chamam de “Incidentes da Praça Tiananmen”.

O PT rompeu politicamente com a China logo após o episódio. Na ocasião, Genoino era deputado federal e se somou aos que defenderam, no [VI] encontro do partido, a ruptura com a China.

Na avaliação de Paulo Delgado, mesmo com essa decisão, houve sempre algum contato entre as partes:

“A Embaixada [da China no Brasil] nunca deixou de nos receber”.

Mas, na opinião de Genoino, mesmo após 15 anos, ainda havia um “estremecimento” na relação dos dois partidos.

“Era o que eu tinha mais curiosidade; aquilo estava martelando na minha cabeça”.

Mesmo em se tratando de uma visita diplomática, a comitiva tinha um pacto.

“A gente tomou essa decisão: perguntar sobre tudo. Nada ficou sem perguntar”.

O interesse de Genoino a respeito remontava à sua militância na luta armada:

“Muitos companheiros morreram no Araguaia entendendo que a China era o farol do mundo, e o que foi aquela repressão? Aquilo me impactou muito”.

“E o Genoino, com sabedoria, tratou o tema”, lembra-se Paulo Delgado. Foi logo na primeira reunião com os anfitriões, em Pequim:

“E eles foram muito francos comigo: primeiro falaram que o que estava em risco ali era a desintegração da China com a rebelião das províncias. E o que estava em jogo era o que eles chamam de o estado de ditadura do proletariado.

E eles disseram: ‘nós chamamos a velha guarda para estabelecer o controle de Pequim, porque era a partir de Pequim que a coisa ia desabar’.

A direção do partido e do governo da China estavam, na linguagem deles, vacilando. E eles trouxeram uma direção política, uma direção militar, de fora de Pequim, para colocar ordem no pedaço, e aí a coisa se desenvolveu”.

“Aproveitaram-se da confusão das línguas na China. As tropas chinesas de Pequim ouviam as reclamações dos jovens lá e não reprimiam. Daí eles trouxeram gente da Mongólia, do Tibete, que fala outra língua, e aí o pau comeu”, conta Paulo Delgado sobre explicações que havia escutado durante aqueles anos que haviam transcorrido desde o “Incidente”.

Genoino conta que os chineses trataram de defender a decisão comparando seus métodos aos dos soviéticos:

“Eles falaram que estavam, naquela época, ainda muito influenciados com o que tinha acontecido na ex-URSS. E disseram: ‘olhe, a diferença nossa com a ex-URSS é que, lá, eles abriram na economia e na política.

Aqui, nós abrimos na economia, mas, na política, não. Porque, se abrisse na política, aí desintegrava as províncias, havia uma confrontação entre as províncias e o projeto da Grande China, o projeto de uma só China, o projeto que a China representava iria por água abaixo’.

Eles foram muito francos. Eu nunca esqueci dessa afirmação: ‘a gente abre na economia, mas segura na política’. Porque a tese deles, que eles expuseram para nós, é que o poder político não podia ser negociado, o monopólio do poder político era indiscutível, você podia abrir na economia, você podia abrir empresa, abrir agências, mas o poder político para eles era o partido, o estado e o exército.”

O assunto controverso não azedou a relação com os chineses. “Eles estavam muito receptivos porque o Lula tinha ganhado a eleição, eles tinham interesse de retomar a relação com o partido”, considera Genoino.

Naquela primeira noite, tiveram um jantar de boas-vindas no hotel Diao Yu Tai, com o mesmo dirigente que os recebera em reunião nesse local: Zhang Zhijun, então vice-ministro do Departamento Internacional do CC do PCCh.

Segundo Paulo Delgado, o princípio que orientava a China naquele período era o da tríplice representatividade.

Ele enumera:

“1- desenvolver as forças econômicas, 2 – desenvolver a cultura democrática e 3 – ser fiel aos interesses do povo. Que era o mote da gestão do Hu Jintao [presidente em 2003-13]. E um dos elementos centrais era a democracia, estava escrito lá”.

Paulo diz:

“O que nos interessava era ver o funcionamento interno do partido. Eles eram o segundo partido do mundo, sempre perderam dos indianos. O que nos colocava em sobreaviso, uma certa ressalva, é que o Estado só podia ser ocupado com gente do partido, e isso não servia ao Brasil, pois a democracia no Brasil tinha um conceito muito mais amplo.

Não era nem a questão do socialismo, porque aquele mantra do Deng Xiaoping, o Hu Jintao desenvolveu mais que o próprio Jiang Zemin [presidente em 1993-2003], a ideia do enriquecer virtuoso.

O problema é que o Hu Jintao deu um apoio muito forte à economia, abriu muito a China para o exterior e começaram a ter muitos problemas sociais. E agora está essa situação da China, de entreposto mundial virar um shopping nacional. A grande mudança de Hu Jintao, e a nossa delegação percebeu isso, eles estavam cuidando muito de exportação, cuidando muito do exterior, eles estavam indo muito para a África, eles estavam tentando entrar na América Latina e a gente via que aquilo ia produzir o que acabou produzindo.

A única forma de riqueza para uma família chinesa é imóvel, o único bem que um chinês diz que é dele é um imóvel, naquela época estava começando a poder ter uma segunda casa, na praia, mas a classe média chinesa já era maior que a população dos Estados Unidos, já tinham 300 milhões na classe média, mas ainda tinha 500 milhões de pobres”.

Em Pequim, além da visita aos pontos turísticos, a delegação teve mais reuniões, uma das quais com o embaixador brasileiro Affonso Celso de Ouro-Preto.

“O embaixador do Brasil em Pequim era um cara muito preparado e nos orientou muito, nos acompanhou muito”, recorda Genoino. Os representantes do PT também estiveram com o vice-ministro do Ministério das Relações Exteriores da China.

Os chineses fizeram uma exposição sobre o projeto de uma só China.

Genoino lembra-se do comentário de um dos dirigentes do PCCh durante a reunião:

“vocês vão visitar a China e não vão encontrar nenhuma prenda de nenhum país, aqui tudo é nosso. Nós não temos prenda roubada, saqueada, de nenhum país”.

Na ocasião, Valter anotou que os contatos mantidos com a cúpula do partido (e do governo) foram protocolares, “embora tenha ficado claro para nós que os chineses dão muita importância às relações com o PT e com o governo brasileiro”.

Genoino avalia que a relação entre PT e PCCh se estreitou, “porque eles tinham todo um interesse pelo Brasil”:

“Veja bem, a vitória de Lula, o que estava se abrindo para a China na América do Sul, o que estava se abrindo para a China na África, o papel protagonista de Lula ao recusar a Alca, o papel protagonista de Lula em reunir os países árabes aqui na América do Sul e o papel do Lula ao ter se colocado contra a guerra no Iraque, frontalmente e diante do Bush, então eles tinham uma expectativa muito grande em relação ao Lula e ao governo Lula.

Por outro lado, eles também queriam conhecer muita coisa sobre o PT, porque o PT fugia do padrão PCCh.

No PT, essa história de tendência, de massa, isso era uma novidade, eles queriam saber como era, como dirigia, como fazia, como era a formação, então a gente dizia: ‘aqui [na delegação] tem gente de várias tendências’.

Eles perguntavam sobre isso, mas eles sabiam que o PT era um partido de trabalhadores, da classe trabalhadora, com liderança do Lula. Eles tinham muito interesse nessa relação e nesse conhecimento.”

Na opinião de Fátima Cleide, “para eles [os chineses], o partido é mais importante que o governo, mas é claro que estar no governo aqui [no Brasil] facilitou essa relação. E ficou marcada a intenção de ampliar a aliança Sul-Sul”.

No Palácio do Povo, encontraram-se com Jia Qinglin, membro permanente do Birô Político do CC do PCCh e presidente da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês.

Paulo Delgado, atualmente diretor da Fecomércio, em São Paulo, observa:

“O congresso deles é gigantesco, tem milhares de membros e a gente não entendia por que não avançavam para a democracia parlamentar, eletiva, e eles diziam desse problema das nacionalidades: ‘porque, ao invés de ser federais, nós teríamos que ser um concerto de nações internas, e a grande luta do Mao era a unificação, a grande China’, mas a maneira como eles tratavam as nacionalidades nos interessava, embora a clivagem brasileira não seja tão clara quanto a deles”.

No Hotel de Gui Bin Lou, a reunião foi com Wang Jiarui, ministro do Departamento Internacional do CC do PCCh. Foi nessa ocasião que os dois partidos assinaram um Protocolo de Cooperação Política[2].

Valter Pomar, que em 2005 assumiria o comando da Secretaria de Relações Internacionais do PT, explica que a relação entre os dois partidos se manteve ao longo de todos estes anos sem interrupção.

“Além das trocas de delegação, tivemos várias edições dos seminários entre os dois partidos. Mas a reflexão sobre a China, dentro do PT, não avançou de forma organizada”, avalia.

Em 2004, a população do país era de 1,2 bilhão de habitantes e vigorava a política do filho único.

“Eu fiquei espantado de como tudo é grande. A praça é grande; a multidão é grande; os hotéis são grandes. A gente ficava no principal hotel de Pequim, em frente à praça da principal estação de metrô, quando abria, parecia uma passeata dos 100 mil”, compara Genoino, intrigado também de como a multidão rapidamente se dissipava. “Só Pequim e Xangai já era um mundo.”

Valter Pomar concorda que a escala é impressionante e destaca outro aspecto que chamou sua atenção: a ausência de armas. “A única arma que vi na visita inteira foi no coldre do policial chinês que estava o tempo todo com o Genoino”.

Embora o combinado fosse perguntar a respeito de qualquer tema que lhes interessasse, não foi bem assim:

“Uma coisa que senti falta, porque certas coisas a gente nem pedia para ver, eles não mostraram nada no terreno da defesa militar. Nada! Nem a gente pediu, nem eles se ofereceram. Eu tinha o maior interesse do mundo, até pela minha experiência.

Mas nós sentimos que era um assunto que não estava na pauta; porque eles mandam recado; eles falam muito por símbolos e imagens, e a gente não visitou nenhum quartel, nenhum centro tecnológico, nada. Aí a gente já sacou que aquilo era algo inexpugnável”.

O único comentário sobre defesa foi durante a visita à Muralha da China:

“Eles me explicaram o seguinte: a parede da muralha, para dentro, é mais baixa; para fora, a muralha é mais alta, porque o nosso problema sempre foi a defesa da grande China, de uma só China”.

Outros pontos turísticos visitados em Pequim foram a Cidade Proibida e a praça Tiananmen (ou praça da Paz Celestial).

Os chineses eram cuidadosos, mas o grupo de brasileiros tinha também suas reservas. Embora tivessem intérpretes, a delegação desconfiou que todos que os recepcionavam ou acompanhavam falavam português, ainda que não revelassem.

“Então a gente se continha”, explica Fátima Cleide. “Tipo onze horas, meia noite, a gente se juntava num quarto para trocar impressões [sobre as agendas]”.

BANQUETES

Ao final do terceiro dia de visita, a delegação partiu em voo para Xian, onde jantaram num restaurante “chiquérrimo, cheio de turistas estrangeiros”, observou Valter.

“A gente era tão bem tratado, muita deferência, muita recepção que a gente ficava muito regozijado”, diz Genoino.

“Comemos muito bem, eram só banquetes, a gente não aguentava mais comer”, resume Fátima Cleide sobre a experiência gastronômica durante a missão.

Mas ela conta que pouco viram carne bovina e, mesmo quando esse prato foi servido, não a apeteceu, devido ao aspecto:

“A carne vinha da Mongólia e era mais escura”.

Fátima conta que havia muita formalidade. Brasileiros e chineses se sentavam alternadamente em volta das mesas sempre redondas de refeição.

Além de cerimônia, tinha também muita atenção em tudo que se passava com os convidados:

“Toda comemoração, almoço, janta, toma-se o campei, uma cachaça chinesa, ou para fazer brindes: ‘viva a relação Brasil e China’; ‘viva o presidente Lula’. Só que como eu tenho pressão alta, eu não posso beber muito álcool e eu comentei com o Paulo Delgado”.

No evento seguinte, todos os comensais receberam o campei, menos Genoino. “Porque possivelmente o intérprete já tivesse avisado. Era uma coisa muito precisa, muito controlada”.

Quem acabou tendo problema com a pressão foi Paulo Delgado.

Genoino lembra-se:

“Na hora ele foi atendido, questão relâmpago. Ele foi levado para uma unidade de saúde rapidamente. Eles mostravam uma eficiência muito grande”.

A prática chinesa de bem servir à mesa seus convidados tinha causado constrangimentos durante o jantar oferecido pela Embaixada da China à bancada petista na Constituinte. “Vinha aquele monte de prato, como se fosse o Bolero de Ravel, e a gente comia tudo”, conta Paulo Delgado.

Segundo ele, antes que o pessoal estourasse de comer, foi preciso que o embaixador chamasse Plinio Arruda e dissesse: “líder, avisa eles [os demais deputados], que isso é um banquete do nível mais alto, esse banquete tem 16 pratos.”

SEM APAGAMENTOS

No sábado, 24 de abril, os integrantes da delegação almoçaram com o líder local do PCCh; também visitaram o Museu da Província de Shanxi, um balneário histórico e os Guerreiros de Terracota, dos quais Genoino trouxe um pequeno quadro de lembrança.

“Eles tentavam mostrar para a gente a vinculação e respeito pela história, inclusive da época das dinastias, principalmente através da cultura”, avalia Fátima Cleide.

Paulo Delgado diz:

“Eu defendo a China no Jornal Nacional, se quiserem. Eles não derrubaram um templo, não derrubaram um [monumento a] Buda. A cadeira do Dalai Lama está lá no Tibete, não a derrubaram. Só não admitem que ele seja um militar. Ser monge, sim, mas monge com metralhadora, não. Mas não tem apagamentos. Não fez como a União Soviética, que apagou o Trotski”

Para Genoino, eles têm “até devoção” pela própria história.

“Eles têm um grau de autoestima impressionante com o que é da China, por exemplo, a gente perguntava sobre as figuras da história da China. Então, qual era a tese dele? Que figuras como Mao [Tsé Tung], Deng Xiaoping, mesmo [o general] Lin Biao, mesmo o Bando dos Quatro, estão incorporados à história da China. Eles não têm aquela visão de negacionista, que foi uma das características do stalinismo, né? Apagar, apagar. Eles [os chineses] não apagam. Então, o Mao é uma entidade. Deng Xiaoping é uma entidade. Os dirigentes que participaram da condução do partido são instituições que eles prezam, porque aquilo faz parte de uma história que eles cultuam, preservam”.

Genoino acrescenta:

“Ao lado de livros de Mao, havia títulos do Bando dos Quatro. Eles entregaram esses livros para a gente”.

Em Xian, como em Pequim, havia forte presença da história e da cultura chinesas. “Misturam-se a arquitetura chinesa e ocidental”, escreveu Valter em seu caderno, onde destaca também o alto nível de organização urbana das duas cidades.

Esse aspecto chamou a atenção de Fátima Cleide também:

“Havia umas floreiras muito grandes nas avenidas e viadutos de Pequim, e não havia uma pétala de flor que estivesse murchando, havia troca ou manutenção todos os dias. Também era um sinal de empregabilidade, nas pequenas coisas você notava a presença do emprego”.

Também havia iluminação noturna para as árvores e os prédios históricos.

Evidentemente que a visita não foi organizada para que a delegação visse a pobreza que estava presente em Pequim, e mais ainda em Xian, pondera Valter, mas, segundo ele, todos os interlocutores chineses faziam questão de citar a existência de pobreza na China.

“Muita pobreza contrastando com uma ‘classe média’ e – suponho – com um empresariado e com a alta burocracia governamental”, escreveu.

Fátima Cleide lembra-se da arquitetura das moradias populares, que ela considerou “bem quadradinha”:

“É que sou da Amazônia, estou acostumada com espaço. Então tinham uns prédios maravilhosos, com calcinhas penduradas na janela. Não tinha uma área de serviço reservada, não tinha varanda, não tinha área de sol, que seria um mínimo de dignidade. Um olhar mais humanizado para esse empoleiramento de pessoas”.

Genoino recorda-se que discutiram a questão dos direitos sociais e que os chineses afirmavam que garantiam o essencial para as pessoas viverem bem:

“Eles disseram: ‘aqui é o seguinte; transporte, moradia, educação e saúde é público'”.

Então, a gente via os conjuntos habitacionais, escola, centro de lazer e esportivo.

Vimos várias comunidades urbanas em franca expansão, com construção de prédio e conjuntos, torres enormes, muita construção. Estavam iniciando um movimento que agora cresceu bem, que era diminuir a pobreza na China. E o que ficava na cara, para a gente, era a direção política, ou na forma de controle, ou na forma de direção, era é algo visível”.

Na noite do sábado, a delegação tomou outro voo para Guangzhou (Cantão), na província de Guangdong. Receberam o roteiro local num pequeno livreto de capa azul, com o desenho do mapa mundi.

Em caracteres brancos, está escrito no topo da capa em chinês e inglês: Itinerário VIP. E, no rodapé, Gabinete dos Negócios Estrangeiros do Governo Provincial de Guangdong. No verso da capa, a evolução de dados populacionais e econômicos locais e, na página 1, em espanhol, os votos de boas-vindas à delegação do PT.

O pequeno livreto trazia também os nomes e cargos dos nove dirigentes (seis do PCCh, três de governo) que estiveram com a delegação naquela província. Dentre os quais, Zhang Dejiang, membro do Birô Político do CC do PCCh:

“Foi muito interessante porque ele era um dos quadros em ascensão no partido, a gente sabia, eles falavam isso. E foi uma discussão muito interessante sobre os dilemas que começavam a ser discutidos na China, por exemplo, o dilema de abrir na economia e não abrir na política, a discussão do socialismo de características chinesas, a discussão da hegemonia na economia via partido.

Eles diziam: ‘nós disputamos a hegemonia na economia, podemos conviver com empresas, mas não abrimos mão do comando’. Como a gente já tinha tirado o fantasma da praça [da Paz Celestial], facilitava toda essa discussão com eles”.

Também tiveram mais duas reuniões políticas com o alto escalão do partido na região.

Nessa província, estiveram em feiras de artigos chineses para exportação, no Museu de Artes Folclóricas (Templo de Clan Chen); num mercado de produtos de indústria leve e têxteis de Xiqiao; no Museu Comemorativo de Kongfu.

Genoino conta como ficou impressionado numa das feiras:

“Na entrada, você escolhe a estampa do tecido e no final da visita está lá o tecido estampado. Lógico que eles aceleraram tudo para nós”.

Genoino também destaca a simpatia e receptividade dos chineses com os quais teve contato:

“Eles tratavam a gente muito bem e era um pessoal muito alegre, muito feliz, impressionava muito, o pessoal estava sempre rindo, não tinha nada de arrogante ou cara fechada, era um povo muito alegre.

Os vendedores de comida exótica, de presentes, de roupas nas ruas, um pessoal brincalhão; eles chegavam com a maquinazinha [de calcular] e apontavam o preço, a gente fazia sinal para baixar e eles baixavam, a gente negociava com a maquinazinha, achei uma coisa muito atraente, não sei se era orientação do partido, porque não dava para orientar aquilo de maneira dirigida pelo partido.

Mas eles te cativam muito, eles te adotam, o turista é adotado, você não é maltratado, eles estão te abraçando, não negam nada, informavam”.

Como a viagem, segundo Paulo Delgado, foi organizada para que a delegação conhecesse as grandes experiências urbanas chinesas, o grupo não visitou comunidades rurais ou agrícolas.

Paulo Delgado diz:

“Nós visitamos uma cidade que foi construída e era pouco habitada, era para 500 mil pessoas, nos arredores de Xangai, a mais rica da China, e eles desenvolviam árvores para evitar mosquitos na cidade.

Eles tinham um Burle Marx deles, um botânico, e eu lembro muito bem que eles nos disseram que aquela experiência urbana era para ver se a forma de arborizar uma cidade é ambientalmente sustentável e eles transportaram para lá árvores que não eram naturais daquela região, e muitas eram de citronela, e o cheiro evitava insetos, mas houve um desequilíbrio porque diminuíram os insetos, mas aumentaram os ratos, e eles estavam estudando esse desequilíbrio”.

Também impressionou Paulo um porto que os chineses estavam fazendo:

“Um chinês do partido até disse que ‘nós vamos roubar do ocidente a expressão transatlântico para chamar transpacífico, trans-índico’ e os grandes navios realmente passaram a ir para a China, estava começando esse investimento forte em economia”.

Fátima se lembra de outros desafios ambientais mencionados durante a visita:

“Por causa do desenvolvimento muito acelerado, já começavam a sofrer, naquele momento, problemas com relação à contaminação da água com metais pesados e estava com reflexos na agricultura. Já era um problema ambiental.

E também com relação ao ar, por conta da falta de barreiras para o vento, eles estavam tentando fazer contenção para as tempestades de areia. Nós enfrentamos tempestade de areia. A lógica era produzir muito e não havia regras”.

Paulo diz que “eles [os chineses] estavam iniciando o reflorestamento de Pequim para que o vento do deserto não passasse para dentro da cidade” e lembra-se que a população tentava se proteger:

“Foi a primeira vez, 20 anos antes da pandemia, que vimos as pessoas com máscara, e esse pó que vem da região da Mongólia adoecia as pessoas”.

Paulo observou que as bicicletas já estavam sumindo:

“As cidades estavam ficando mais poluídas e Pequim ainda era poluída. Não chegamos a ver o céu um dia em Pequim, era aquela coisa branca. Na olimpíada [2008], eles limparam o céu, tomaram essa decisão”.

XANGAI

Na tarde de terça, 27 de abril, a delegação fez outro voo interno, desta vez para Xangai. E foi ali o destino mais impactante para os integrantes da delegação petista em termos de percepção da pujança tecnológica da China.

Viajaram num comboio, uma espécie de trem de levitação magnética, o Maglev, que havia sido inaugurado três meses antes.

Atualmente, a velocidade máxima atingida por esse transporte que sai do aeroporto de Xangai é de 431 km/h. “Marcou-me muito observar o emprego da tecnologia a serviço de melhorar a vida das pessoas, começando pelo emprego”, afirma Fátima Cleide.

“Eu já havia lido a respeito, visto filmes, conversado com pessoas que tinham viajado para a China. Mas, óbvio, é totalmente diferente estar fisicamente. O que mais me impactou foi, em Xangai, ver a bandeira vermelha tremulando num ambiente totalmente high tech, futurista. Para mim, que vinculo o comunismo com futuro, foi uma epifania”, afirma Valter Pomar.

Em Xangai, segundo Genoino, a centralidade foi econômica: “Aquela monstruosidade impactante. Visitamos empresa de celular, empresa de relógio. Nessa cidade, estiveram com o chefe do partido, “que era uma pessoa muito importante”.

Genoino conta que visitaram polos econômicos e industriais: “Cada polo industrial tinha um centro tecnológico e uma universidade. Polo de computação, polo de celular, era tudo integrado. E uma população trabalhadora muito jovem. Eles explicavam: ‘o pessoal sai da universidade até fisicamente está no mesmo ambiente [quando começa a trabalhar]’”.

Numa construtora que visitaram em Xangai, possivelmente a Andrade Gutierrez, os executivos disseram o seguinte, segundo Genoino:

“olhe, aqui eles conhecem tudo, esse negócio de transferência de tecnologia, tudo que a gente faz aqui eles aprendem a fazer, eles sabem fazer, na construtora, quando estavam fazendo a grande barragem que estava sendo construída na China”.

Fátima se surpreendeu com o grande número de construções em andamento:

“Fiquei impressionada com a quantidade de guindastes, eram muitas obras, de todo tipo. Muitas obras de infraestrutura. Visitamos empresas de telecomunicações, e, naquela época, já estavam 100 anos luz na nossa frente em termos de tecnologia”.

Mesmo assim, foi em Xangai que Fátima considera que teve mais contado com a população:

“Porque Rioco queria visitar um mercado popular, sentir cheiro de povo, e eu a acompanhei enquanto a delegação visitou uma siderúrgica”.

REFLEXÕES

Genoino diz que ficava claro que a economia estava sob controle:

“Não é a livre iniciativa e a propriedade privada em absoluto, você tem algo que direciona, isso eles deixaram claro e outra, eles diziam: ‘aqui, banco, energia, exportação é [propriedade do] estado’. Eles não abriam mão da questão política porque a gente discutia a relação de partido e tal, a questão dos caminhos do socialismo, discutíamos numa boa, na época era o socialismo de mercado, depois é que passaram a chamar de socialismo de características chinesas”.

Paulo compara com o Brasil:

“Os chineses tinham muita consciência de que a estabilidade social era importante, enfrentar as tais instabilidade internas com sabedoria, porque eles sabiam que o desafio deles, os dirigentes diziam, na hora que chegasse no que caracteriza um país de classe média, ‘a possiblidade de a gente parar é muito grande, nós vamos ter ricos, mas a menos que a gente tenha 2 bilhões de habitantes’, aí eles estavam começando a ter dúvida se a política do filho único era boa, a Índia estava começando a crescer.

O Brasil e a China são muito parecidos, porque a política de renda média brasileira, para você virar e ficar rico, é preciso ter um pouco mais de gente, precisava ter 300 milhões, para ter comércio, ter mercado, emprego.

E os chineses percebem que, pela extensão, pela falta de produtividade da terra — a China não é um Brasil em termos de fertilidade da terra —, eles tinham que combinar crescimento da população para poder sustentar um mercado. Tanto que agora que a China voltou para dentro”.

Genoino considera que há um desafio de entendimento e reflete:

“Acho que tem um debate que está aberto na esquerda que é entender o que é a China.

Olha, isso aqui a gente tem que entender, não dá para simplificar, não dá para bater palma pura e simplesmente, nem dá para condenar pura e simplesmente.

Tem que entender o que é isso aqui, entender essa grandiosidade, esses enigmas, esses mistérios, como é que chegou a isso, tem que entender, essa foi a principal impressão que ficou para mim. Tem que abrir a cabeça para entender melhor o que é isso, para onde isso caminha”.

E o que Lula teria assimilado da experiência chinesa?

“Eu acho que a ideia que a China passa de projeto de país, o projeto de grande país, de uma só China, isso eu acho que eles martelam muito e isso toca muito ao Lula”.

Na avaliação de Genoino, uma visita protocolar, diplomática, formalizada, não tem condições de captar tudo:

“Pelo tamanho, pelos mistérios que aquilo envolve, acho que ali é questão de ficar no mínimo por alguns meses, morar um pouquinho, ver o dia a dia. Como é a vida na comunidade, como é o poder local”.

Genoino destaca o que para ele é um ponto-chave para esse entendimento.

“A grande questão é que você sai de uma formação ocidentalizada para uma formação orientalizada, e as referências, os parâmetros são diferentes.

Eu acho que é o dilema que estamos vivendo hoje, o mundo foi dominado por uma hegemonia ocidental judaico-cristã.

Esse mundo cristão, imperialista, judaico, com os valores e tudo, está em crise, porque não incorporou o que eu chamo de pluralidade civilizatória, tem que incorporar outras civilizações, outro modo de ver a humanidade, outros modos de existir”.

Notas

[1] https://fpabramo.org.br/cooperacao-internacional/1984-pt-faz-sua-primeira-viagem-oficial-a-china/?swcfpc=1

[2] https://fpabramo.org.br/cooperacao-internacional/download/protocolo-de-cooperacao-politica-entre-o-pt-e-o-pcchina-2004/?swcfpc=1

Link para o documento aprovado no VI Encontro Nacional do PT sobre os incidentes na China em 1989 https://fpabramo.org.br/csbh/wp-content/uploads/sites/3/2017/04/04-mocao-VI-encontro.pdf


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