Pimenta: O que na charge do Latuff feriu a sua ‘sensibilidade’, coronel? Onde doeu?

Tempo de leitura: 3 min
Foto: Giovana Gomes

20 de Novembro de 2019: o fascismo e o racismo de mãos dadas

por Paulo Pimenta*

Não há dúvida sobre o fato que marcará para a história a passagem do dia 20 de novembro, em que se celebra a memória da morte de Zumbi dos Palmares, neste ano de 2019.

De um lado, neste mês da Consciência Negra, a exposição “(Re)existir no Brasil: Trajetórias Negras Brasileiras”, com peças informativas e artísticas, organizada pela Curadoria da Câmara dos Deputados no túnel de acesso ao Plenário Ulisses Guimarães.

Do outro, a reação de um parlamentar do PSL, um certo Coronel Tadeu, ao destruir uma tela com charge de 2013 do cartunista Latuff, a qual retrata a violência policial contra a juventude negra.

Cabe perguntar: o que naquela obra feriu a sensibilidade (?) do Coronel parlamentar? Onde doeu, Coronel? No país em que de cada 5 trabalhadores escravizados resgatados, 4 são negros, em pleno século XXI.

No país em que os homens, jovens, negros como o retratado no desenho de Latuff, encabeçam qualquer lista de assassinados por policiais, ano após ano? Em que negros representam 43% das vítimas de homicídio?

Há uma característica inseparável do fascismo e do racismo, em qualquer época ou latitude: a paixão pela violência.

A violência erigida como forma elementar das relações humanas. Das relações sociais. Na cabeça primitiva de um fascista/racista só é possível dirigir uma sociedade pela produção e reprodução massiva do medo.

Como se comportará o autor do ato de vandalismo perpetrado no corredor da Câmara dos Deputados contra uma expressão da inteligência e da cultura? Como se comportará em outros ambientes com menor visibilidade? E no seu ambiente de trabalho, o quartel, com relação a seus subordinados?

Ao assistir à cena propagada em vídeo pelas redes sociais, não há como evitar a lembrança da frase histórica – e bestial! – do oficial franquista Milán Astray: “Abajo la inteligencia! Viva la muerte!”

Metade da Espanha morreu durante a guerra civil. E depois de 40 anos de tirania se tornou um dos mais atrasados e obscurantistas países da Europa, até o retorno da democracia para reincorporá-la ao mundo civilizado.

Mas há um outro marco que fará este 20 de novembro ser lembrado.

Tomada pela indignação, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ) subiu à tribuna. O discurso que proferiu não é uma burilada peça da retórica parlamentar, cada dia mais rara, convenhamos, no Legislativo brasileiro.

Trata-se de uma explosão da verdade mais profunda represada nos corações dos cidadãos negros e negras que compõem 55,9% da sociedade brasileira.

É como se Benedita da Silva, naquele momento, incorporasse em sua voz toda a força e a indignação da resistência que enfrentou os 300 anos de escravidão.

E todo o sofrimento dessa herança que se prolonga depois de mais de um século desde a Abolição, no silêncio das cozinhas, nas sombras dos quartos de despejo, nas áreas de serviço, onde se escondem os abusos quotidianos. Nas favelas, nos morros, nos mocambos.

É como se pela boca de Benedita da Silva falassem todas as domésticas, as mães que, como lembra no discurso, alimentaram com seu leite os filhos das sinhazinhas, o leite que faltou para seus próprios filhos! É como se pela Boca de Benedita da Silva se ouvisse a voz de Ágatha e de Marielle…

O gesto do vândalo serviu para chamar a atenção do País para a exposição “(Re)existir no Brasil: Trajetórias Negras Brasileiras” e para projetar a gigantesca estatura moral dessa mulher que honra o Parlamento brasileiro e sua raça de construtores, subjugados a ferro e fogo, sempre rebeldes, que imprimiu seu caráter de forma definitiva na fisionomia do Brasil.

Uma sugestão ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ): quando o senhor vier visitar a exposição para repor a tela de Latuff, não traga uma tela nova, reimpressa, perfeita.

Recolha os pedaços da tela que foi destruída pela estupidez fascista e racista e, recomposta, a reintegre à exposição, para que fiquem à mostra as cicatrizes da barbárie.

*Paulo Pimenta é deputado Federal (PT-RS) e Líder do PT na Câmara dos Deputados


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Zé Maria

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Seiscentos dias, em mais de 500 anos, sem resposta

Afinal, o que liga a família Bolsonaro ao caso Marielle?

Por ANIELLE FRANCO e BIANCA SANTANA

Anielle Franco
Jornalista, professora, mestranda em relações étnico-raciais
e autora do livro ‘Cartas para Marielle’ (ed. Conexão 7);
é irmã de Marielle Franco e diretora do instituto que
leva o nome da vereadora do PSOL, assassinada em 2018

Bianca Santana
Jornalista, pesquisa a memória e a escrita de mulheres negras;
é autora de “Quando me Descobri Negra” (ed. Sesi-SP)

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https://twitter.com/anielle_franco/status/1197507465207787520

Zé Maria

“Sérgio Moro nunca se interessou
pelo caso da minha irmã.
Mas agora, milagrosamente, fortemente,
fielmente, ele apoia a federalização!
Eu conto ou vocês contam que não somos bobos
e não queremos que ele se meta?
Estamos de olho Moro!”
Anielle Franco
Professora, Mestranda,
Escritora, Palestrante,
Irmã de Marielle‏

“Impressionante esse interesse repentino do @SF_Moro pelo caso Marielle…
Depois de passar mais de 600 dias em silêncio sobre o assassinato,
de uma hora para outra ele resolveu entrar com tudo nessa história.
Por que será?”
Marcelo Freixo
Professor de História
Deputado Federal (PSoL=RJ)
https://twitter.com/MarceloFreixo/status/1197532140394745857

Zé Maria

https://youtu.be/GPf1M8wn_O4
“O racismo é uma doença! Comece a se tratar hoje!”
https://www.facebook.com/elisalucinda/posts/2522312067853209

“Se existe separação territorial entre negros e brancos, é Apartheid”
https://twitter.com/i/status/1197129587270062081

Elisa Lucinda, Negra, Atriz, Poeta, Cantora, Brasileira

luiz carlos

O Pimenta foi preciso na sua avaliação de mais um ato (já são milhares) de barbárie protagona,ida por seguidores deste mal irracional chamado bolsonarismo. O Brasil precisa dar um basta nessa loucura coletiva.

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