Pluto-, clepto- e kakistocracia
É preciso colocar os bilionários no seu devido lugar
Por Paulo Nogueira Batista Jr*
Querido leitor ou leitora, hoje quero fazer mais uma diatribe contra os endinheirados, mais especificamente contra os bilionários – a turma da “superbufunfa”, por assim dizer.
Terei vosso apoio, com certeza. Se qualquer endinheirado já desperta a aversão do resto da humanidade, imagine um bilionário. Quando alguém encontra coragem para criticá-los ou, mais importante, para coibir de algum modo o seu imenso poder, a satisfação do povo é generalizada.
Nas mentes dos bilionários, a hostilidade dos demais é simples resultado de inveja. Na verdade, não é apenas isso. As pessoas intuem que o dinheiro acumulado em grande montante resulta quase sempre de roubo, irregularidades e maracutaias – e não de mérito ou empenho pessoal. É desprezo ou revolta, portanto, não inveja.
Os bilionários atingem o seu ápice quando conseguem tomar as rédeas do poder público. Em outras palavras, quando reduzem o Estado nacional à condição de “comitê executivo da burguesia”, como diziam Marx e Engels.
Compram deslavadamente os políticos, no Executivo e no Congresso, e passam a dar as cartas. As leis e sua execução ficam subordinados às suas vontades e privilégios.
Ora, os bilionários sabem ganhar dinheiro, mas não estão preparados para governar. Ao contrário, com o poder na mão, direta ou indiretamente, garantem a absoluta dissociação entre a ação do Estado e a cidadania.
Mas Marx e Engels erraram em generalizar. Depende do país. Uma coisa é o que acontece nos Estados Unidos e no Brasil, por exemplo. Outra, a que se vê em países como a China e a Rússia. Nesses países, o Estado não é um simples comitê executivo da burguesia. Existem os bilionários, também conhecidos como oligarcas na Rússia, mas o poder político não está subordinado a eles.
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Um dos grandes feitos de Putin foi tornar o Estado mais independente dos oligarcas, que foram superpoderosos no tempo de Iéltsin na década de 1990, depois da dissolução da União Soviética.
Na China, os bilionários são influentes, mas não podem botar as mangas de fora e se meter em assuntos de ordem política. Se o fazem, logo são devidamente disciplinados. Quem dá as ordens é o poder político, em especial o Partido Comunista.
Pode-se dizer que o sucesso nacional da China e da Rússia, nas décadas recentes, só aconteceu porque os bilionários foram enquadrados. Isso permitiu rápido crescimento econômico com diminuição da pobreza, serviços públicos de qualidade e respeito ao meio ambiente.
A Rússia resistiu bem às sanções ocidentais e subiu para a posição de quarta economia do mundo, pelo critério de PIB calculado por paridade de poder de compra. A China ultrapassou os EUA em tamanho econômico absoluto e continua crescendo sem parar. Tornou-se, entre outras coisas, a fábrica do mundo.
Inversamente, as dificuldades estruturais dos Estados Unidos e do Brasil derivam em boa parte das distorções e injustiças decorrentes do domínio da turma da superbufunfa. Os bilionários tomaram de assalto o poder público e governam para si, à revelia dos interesses da maioria da população.
No Brasil, esse domínio do dinheiro alcança proporções verdadeiramente indecentes. O Congresso Nacional está fatiado em feudos dos diferentes segmentos do poder econômico. O orçamento foi esquartejado, prejudicando gravemente a qualidade do gasto público. No campo tributário, multiplicaram-se as isenções, os incentivos e os regimes especiais, criados com pouco ou nenhum critério e monitoramento.
Além disso, os super-ricos contribuem pouco para a arrecadação pública, seja porque são modestas as alíquotas sobre as rendimentos elevados, seja porque as rendas do capital e a riqueza escapam à tributação. Toda vez que se tenta fazê-los contribuir um pouco mais, ergue-se na mídia tradicional o clamor contra a carga excessiva de impostos e a “voracidade do Estado arrecadatório”.
As agências reguladoras, por sua vez, acabam colonizadas pelo poder econômico. Um caso notório é o Banco Central do Brasil, que mantém há muito tempo ligação umbilical com o sistema financeiro. Os dirigentes da autoridade monetária são cuidadosamente selecionados entre pessoas que dançam conforme a música.
Nada mais importante para ocupar a presidência ou integrar a diretoria do Banco Central do que ter demonstrado, ao longo da vida, uma total incapacidade de ser independente e de divergir das doutrinas e práticas do mercado financeiro. Regra geral, as instituições financeiras privadas são a origem e o destino dos que passam pela cúpula do Banco Central.
O superpoder dos bilionários alcançou tal dimensão nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil que já não se pode mais falar em democracia. O que existe é a plutocracia – o governo dos ricos; a cleptocracia – o governo dos ladrões; e a kakistocracia – o governo dos piores.
Bem, xingar em latim é uma delícia – soa menos vulgar e, mais do que isso, passa ares de erudição.
Mas o ponto importante a frisar é que com o predomínio inconteste dos plutocratas, cleptocratas e kakistocratas, não há desenvolvimento possível e imaginável. Países subdesenvolvidos não escapam do subdesenvolvimento; países desenvolvidos se subdesenvolvem a olhos vistos.
Temos ou não motivos para vilipendiar a classe dos bilionários?
Versão resumida deste artigo foi publicado na revista Carta Capital.
*Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e escritor. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais 10 países em Washington, de 2007 a 2015. Publicou pela Editora LeYa Brasil o livro O Brasil não cabe no quintal de ninguém, segunda edição 2021, e pela Editora Contracorrente o livro Estilhaços, em 2024.
Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
Leia também
Marcos de Oliveira: Taxar super-ricos não levará a fuga
Paulo Nogueira Batista Jr, sobre taxadds: Críticas descabidas a Haddad
Jair de Souza: Pobres e classe média são os que pagam a conta da injustiça tributária




Comentários
Zé Maria
https://x.com/MLFattorelli/status/1696361351742906507
Zé Maria
.
Entrevista: MARIA LÚCIA FATTORELLI
“Auditora fiscal revela os ‘segredos’
que fazem o Tesouro brasileiro
enriquecer bilionários”
Por Luiz Carlos Azenha
Na TV Fórum:
https://youtu.be/LSymlHi_dJQ
.
Zé Maria
https://www.diariodocentrodomundo.com.br/wp-content/uploads/2025/10/imagem-censurada-2.jpg
Quando a gente fala em jornalismo de extorsão
é isso aqui:
“Metrópoles Oferece Matéria Paga
a sindicato ligado a irmão de Lula
Após Atacar Entidade”
https://t.co/cugWmxu3nB
O site Metrópoles tentou vender
matérias pagas, “no formato
Expressão de Opinião”, ao Sindnapi,
no valor total de R$ 97 mil.
https://x.com/AzenhaLuiz/status/1978573712745005400
https://www.diariodocentrodomundo.com.br/metropoles-oferece-materia-paga-a-sindicato-ligado-a-irmao-de-lula-apos-atacar-entidade/
Zé Maria
Excerto e Adendo
“Já não se pode mais falar em democracia.
O que existe é a plutocracia – o governo dos ricos;
a cleptocracia – o governo dos ladrões; e
a kakistocracia – o governo dos piores.”
[E a Idiocracia, o governo dos Idiotas].
.
Zé Maria
.
A Balela do Marco do Saneamento
O Ralo Invisível
Por trás das ‘Metas de Universalização’,
há um Sistema que Canaliza Recursos
Públicos e Tarifas para Remunerar o
Capital Financeiro.
Por Silvio Eduardo Alvares Candido & Henrique Melo Bizzetto.
Na Revista Carta Capital.
Ao longo das últimas duas décadas, as políticas públicas de saneamento foram objeto de intensas disputas.
Essas batalhas se refletiram na aprovação do Marco Legal do Saneamento Básico (2007, no segundo mandato de Lula), do Plano Nacional de Saneamento Básico – Plansab (2013, no governo Dilma) e, posteriormente, na criação do Novo Marco Legal do Saneamento (2020, no governo Bolsonaro).
Cada marco revelou uma mudança de orientação:
do protagonismo estatal à aposta em mercados competitivos e na crença de que apenas o setor
privado seria capaz de destravar os investimentos,
em meio à crise fiscal.
Menos debatida, porém, é a questão sobre o destino
dos investimentos efetivamente realizados num cenário
em que as grandes empresas de saneamento, públicas
e privadas, passaram a ser guiadas por interesses financeiros
e pela lógica de geração de valor a seus acionistas.
Esse modelo de gestão, que ganhou força nos Estados
Unidos nos anos 1980 com a ascensão dos investidores
institucionais e das práticas de governança corporativa,
redefine o papel das empresas:
a administração passa a ser pautada pelo valor de suas
ações, símbolo do julgamento dos mercados sobre sua
performance.
O lucro de curto prazo e a valorização acionária passam
a se sobrepor aos objetivos estratégicos de longo prazo
— reforçados, sobretudo, por sistemas de remuneração
executiva atrelados ao desempenho financeiro.
A consequência é conhecida.
As empresas se concentram em seu core business,
cortam custos fixos, terceirizam atividades e ampliam
a alavancagem financeira para sustentar o pagamento
de dividendos.
Práticas como recompras de ações tornam-se comuns,
impulsionando dinâmicas especulativas.
Assim, cresce a remuneração dos executivos, amplia-se
a distribuição de lucros e os investimentos produtivos
encolhem, com impactos severos sobre a economia ‘real’.
No Brasil, essa lógica se dissemina nos anos 1990,
acompanhando a abertura financeira, a expansão dos
mercados de capitais e as privatizações.
Mesmo sob governos progressistas, ela se mantém e redefine estratégias estatais e empresariais.
No setor de saneamento, a financeirização já domina
tanto as companhias públicas quanto as privadas,
especialmente após o Novo Marco Legal de 2020.
Entre 2017 e 2024, a Sabesp dobrou seu endividamento,
alcançando 25,3 bilhões de reais, e mais que triplicou a
distribuição de dividendos, que chegou a 2,6 bilhões de
reais.
No mesmo período, os investimentos passaram de 3,4 bilhões
de reais para 6,9 bilhões de reais. Em 2024, para cada 1 real
investido em saneamento, a companhia contraiu 3,65 reais
em dívida e destinou 37 centavos a acionistas.
A remuneração da alta direção também triplicou, saltando
de 4,4 milhões de reais para 12,5 milhões anuais.
Na Copasa [MG], outra empresa financeirizada [1], o cenário
é ainda mais vantajoso para os acionistas.
Em alguns anos, o montante distribuído em dividendos
supera os investimentos em saneamento.
Em 2024, para cada 1 real aplicado, 41 centavos foram
destinados aos acionistas e 2,79 reais transformados
em endividamento.
Entre 2017 e 2024, a remuneração da alta administração
passou de 5,3 milhões de reais para 10,3 milhões por ano.
Na AEGEA [que ganhou a CORSAN de presente no RS],
gigante privada em rápida expansão, os investimentos
variam conforme a aquisição de novas concessões e o
estágio da infraestrutura.
Em 2024, para cada 1 real investido, 18 centavos foram
distribuídos a acionistas e 4,39 reais registrados como
dívida.
A remuneração de dirigentes e conselheiros triplicou,
saltando de 45,5 milhões de reais para 154,4 milhões
anuais.
Segundo o Instituto Trata Brasil, os investimentos totais
em saneamento básico no país foram de 13,6 bilhões
de reais (2021), 22,5 bilhões de reais (2022) e 25,6 bilhões
de reais (2023).
Comparando-se esses valores com o que SABESP,
COPASA e AEGEA destinaram a acionistas e dirigentes,
chega-se a margens de 12,4%, 8,8% e 11,2% — ou seja,
cerca de 10% de todo o investimento nacional em saneamento
foi convertido em remuneração financeira.
E isso sem considerar o custo do dinheiro tomado, embutido no endividamento e remunerado com
os juros mais altos do planeta.
A universalização do saneamento é um dos maiores
desafios para reduzir desigualdades e garantir dignidade
no Brasil.
Os mercados financeiros podem ser aliados nessa empreitada,
desde que sirvam às empresas e à sociedade, e não
o contrário.
É urgente fechar esse enorme ralo financeiro que se
alarga a cada ano, para que as finanças voltem a servir
ao saneamento — e não drená-lo.
* Silvio Eduardo Alvarez Candido
Professor da área de Estudos Organizacionais e Sociologia
Econômica do Departamento de Engenharia de Produção
e dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia de
Produção e Administração e Sociedade da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar).
Possui doutorado pela UFSCar.
Foi Professor Visitante na Universidade de Stanford,
ocupando a cátedra Joaquim Nabuco de Estudos
Brasileiros do Centro de Estudos Latino Americanos.
(Artigo publicado antecipadamente no
Boletim de Economia de CartaCapital)
** Henrique Melo Bizzetto
Mestre em Administração e Sociedade pela UFSCar
e graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie, com especializações em Direito Tributário
(EPD) e Direito Constitucional e Eleitoral (USP-FDRP).
É Procurador Jurídico no Serviço Autônomo de Água
e Esgoto de São Carlos (SAAE), onde atua com Direito
Administrativo, Licitações e Contratos.
Possui experiência no campo do saneamento e no Direito
aplicado à gestão pública.
https://www.cartacapital.com.br/economia/o-ralo-invisivel-do-saneamento/
[1] “Empresa Financeirizada” é aquela que se torna excessivamente dependente de instrumentos financeiros e do sistema financeiro para gerar
lucros e operar.
Em vez de focar em sua atividade produtiva principal,
a empresa financeirizada passa a dar mais ênfase
a operações financeiras, o que pode incluir o aumento
de participação de lucros não operacionais em sua
receita total, como por exemplo, em investimentos,
fusões e aquisições, e na busca pela maximização
de valor [dos dividendos] para os acionistas.
Vide:
(https://diplomatique.org.br/vale-uma-empresa-financeirizada/)
.
.