Os três choques na grávida que estava a 50km/h

Tempo de leitura: 4 min

A multa, três choques de Taser e, talvez, uma viagem à Suprema Corte

por ADAM LIPTAK, em 14.05.2012, no New York Times

Washington — Já houve centenas de decisões variadas em tribunais sobre quando o uso das armas de choque Taser por policiais constituem uso excessivo de força, e mais cedo ou mais tarde a Suprema Corte terá de colocar ordem nesta área da lei. Na semana que vem, os juízes devem decidir se vão ou não ouvir uma apelação de três policiais de Seattle que dizem estar preocupados com o futuro uso do que chamam de “técnica útil de inflingir dor”.

O caso envolve Malaika Brooks, que estava grávida de sete meses e levava o filho para a escola em Seattle quando foi parada por excesso de velocidade. A polícia diz que ela estava a 51 quilômetros por horas numa zona escolar; o limite de velocidade era de 32 quilômetros por hora.

A srta. Brooks disse que aceitaria a multa mas que não assinaria o talão, o que a lei estadual, então, exigia. A srta. Brooks pensava, erroneamente, que a assinatura significa reconhecimento de culpa.

A negativa equivalia a um crime e os dois policiais que estavam na ocorrência chamaram um sargento, que os instruiu a prender a srta. Brooks. Ela se negava a deixar o automóvel.

A situação requeria ação ousada e o oficial Juan M. Ornelas enfrentou o desafio sacando um Taser e perguntando à srta. Brooks se ela sabia do que se tratava.

Ela não sabia, mas falou ao oficial Ornelas sobre o que sabia. “Tenho de ir ao banheiro”, ela disse. “Estou grávida. Faltam menos de 60 dias para eu ter meu bebê”.

Os três homens avaliaram a situação. “Bem, não dê o choque no estômago”, um deles disse. “Dê no quadril”.

O oficial Ornelas torceu o braço da srta. Ornelas atrás das costas. Um colega, o oficial Donald M. Jones, aplicou o Taser no lado esquerdo do quadril, provocando gritos e buzinas. Meio minuto depois, o oficial Jones aplicou a Taser novamente, agora no braço esquerdo da srta. Brooks. Ele esperou seis segundos antes de aplicar novamente, no pescoço.

A srta. Brooks caiu dentro do carro e os policiais a arrastaram até a rua, colocando-a de rosto para o chão e algemando as mãos nas costas.

Nos meses seguintes, a srta. Brooks deu à luz uma menina saudável; foi condenada por se negar a assinar a multa, uma contravenção, mas não por resistir à prisão; e acionou os policiais na Justiça alegando que eles causaram dor intensa e deixaram cicatrizes permanentes no corpo.

Os policiais ganharam a causa, numa decisão não unânime, em outubro, de um comitê de dez membros do Tribunal de Apelações do Nono Circuito, em São Francisco. A maioria dos juízes disse que os policiais tinham usado força excessiva, mas que não poderiam ser processados porque a lei em questão não era clara, em 2004, quando aconteceu o incidente. Embora a decisão tenha livrado os três policiais, os colocou — e a seus colegas — em alerta sobre se o futuro uso de Tasers violaria a Constituição, por caracterizar uso excessivo de força.

O juiz principal Alex Kozinski discordou desta alegação, dizendo que a srta. Brooks tinha sido “desafiadora” e “surda para a razão”, causando o incidente.

Quanto aos policiais, ele disse: “Eles merecem congratulações, não a condenação de serem declarados violadores da Constituição. A cidade de Seattle deveria condecorá-los por exibir graça sob fogo”.

Outro juiz que discordou, Barry G. Silverman, disse que “usar a arma foi uma forma humana de tirar Brooks do automóvel”.

“Só existem algumas maneiras de extrair uma pessoa de um automóvel contra a vontade e nenhuma delas é bonita”, ele explicou. “Punhos, cassetetes, estrangulamento, gás lacrimogêneo e spray químico, todos representam riscos para suspeitos e policiais”.

De toda forma, os policiais venceram. Ainda assim, apelaram à Suprema Corte, numa tentativa de limpar seus nomes e preservar o uso livre de uma “técnica útil de inflingir dor”.

O empregador dos policiais, a cidade de Seattle, parece acreditar que eles erraram. Numa opinião dada em separado, na Suprema Corte, Seattle se distanciou do que chamou de “interpretação de que o céu está desabando” dos policias em relação à decisão do Nono Circuito, que segundo a cidade teria dito apenas “que a aplicação três vezes da Taser em menos de um minuto em uma mulher grávida que não era ameaça de segurança” poderia causar uma ação de indenização.

Seattle, que terá de pagar qualquer indenização resultante do caso, pediu aos juízes da Suprema Corte que não ouçam o apelo dos policiais. A srta. Brooks, que perdeu no Nono Circuito mas continua processando os policiais sob a lei estadual, também.

Mas vários grupos, inclusive a associação dos chefes de polícia do condado de Los Angeles, pediram à Suprema Corte que ouça a apelação, alegando que a decisão do Nono Circuito “danifica a lei”.

“Não vai demorar”, disse a associação, “para que se espalhe pelo submundo criminoso da sociedade que o Nono Circuito deu a eles não só ‘um passe para a liberdade’, mas ‘um passe para que nunca cheguem a ser presos'”.

Michael F. Williams, advogado da Kirkland & Ellis, que representa a srta. Brooks, disse que o sistema penal sobreviverá se a polícia for impedida de dar descargas de milhares de volts no corpo de uma mulher grávida que se nega a assinar um pedaço de papel.

“Os policiais estão tentando defender conduta indesculpável”, ele disse. “Eles inflingiram enorme dor numa mulher especialmente vulnerável pelo que era essencialmente uma violação de trânsito”.

PS do Viomundo: A gente achou que já tinha visto e ouvido tudo, mas os Estados Unidos não cansam de nos surpreender.


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Comentários

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Talitha

Damastor, eu também acho que a lógica não é muito valorizada hoje em dia, aliás, senti bastante falta dela no seu próprio discurso.

Não deu para entender quem você critica, nem muito bem porque, nem o que propõe nem o que acha importante.

Sobre o caso do choque, também fico estupefata (começando pela lei que permite que a recusa de uma assintatura, ou mesmo a recusa a se mover, sem mandado judicial, seja identificada com crime. Mostra de que os direitos individuais já não são prioritários na tal democracia deles tem um tempo).

Pitagoras

País onde a violência está no DNA dos americanos, desde a invasão do continente, do genocídio dos nativos, ao apoio a toda sorte de ditaduras sanguinárias e até as recentes invasões privatizadas contra países que não rezam pela sua cartilha e ricos de recursos naturais.

Christian Schulz

“She’s comming right at us!!!”

A piada do South Park em relação à caça, com armas de fogo pesadas, claro, de animais “perigosos” vale para qualquer parte da “agenda” bélica da direita.

Sejam mulheres grávidas, sejam ditadores de países frágeis, sejam “criminosos” da opinião. Além, claro, das “perigosas” plantações de coca, que a direita destrói com herbicidas da “agradável” Monsanto, sempre com muito cuidado em relação ao ecossistema circundante. (Apareceu “rainforest” na palavra-chave para enviar comentário, coincidência!)

Isso que ocorre nos EUA e aqui, além de ‘n’ outros locais, não é, obviamente, coincidência. É, sim, parte do ethos dos insanos que acreditam piamente no Juízo Final e farão de tudo para alcançá-lo.

damastor dagobé

Quase choro de emoção com a sensibilidade de meus compatriotas bem pensantes que se comovem e sofrem em solidariedade às vitimas da violencia (fascista no dizer de muitos) nos EUA. Leio na BBC BRASIL que na Alemanha no ano passdo inteiro a policia disparou 85 tiros dos quais 2/3 foram de alerta e apenas o restante miravam pessoas…Ja pensaram como se pode viver num lugar assim??? Que horror de violencia e opressão???? Mas infelizmente não vejo nenhuma solidariedade com as vitimas daqui mesmo. E seu nome é legião pq são muitas. 50.000 por ano em todo o país segundo estatisticas oficiais não contestadas.
Aqui em Itabuna/BA onde vivo, isso (os 85 tiros) é media…diaria. Existe um genocidio de jovens em andamento aqui no nordeste do qual não se lê uma palavra nos “so called” blogs progressista, afinal temas como segurança e trafico de drogas são coisas de “fascistas” (se proibissem essa palavras acabavam os “so called” blogs da sinistra).
Mas não acreditem em mim, não, afinal posso ser um vendido à burguesia: deem uma passada dolhos em apenas um blog (link abaixo) daqui da região se seus estomagos delicados permitirem. Não posso adiantar o que vão ver para não ser acusado preconceito contra a região, apesar de ser nativo daqui e aqui viver por opção e afinidade. Penso que aprenderiam muito.
http://www.vermelhinhodabahia.com/

    J Fernando

    É fácil misturar as coisas e mostrar imagens impactantes.
    A discussão é sobre aplicar choques elétricos em uma grávida de sete meses.
    Assim como foi o imbróglio com uma deficiente visual desrespeitada pelos guardas do RJ, que insistiram q ela deveria tirar as lentes de contato para comprovar sua deficiência.
    São casos em que as pessoas com sentimentos, que consideram que o ser humano é maior que leis; que sabe o momento certo de usar força física ou impor autoridade, estas pessoas se solidarizam nestes casos.
    Crimes há em todos os países, em todos os locais. Imagens fortes de mortos existe no mundo todo. Os jornais, em sua maioria, têm um pacto de discrição, não mostram os corpos mortos completamente (só os pés, ou braços, ou o vulto do corpo).
    Então, independente da grávida ser dos EUA, do Paquistão, da China ou do Brasil, as pessoas se revoltaram, porque um policial brucutu resolveu cumprir a lei em seu exato contexto e aplicou choques elétricos na grávida.

    Mário SF Alves

    J Fernando,
    Entendo e me solidarizo com a indignação do Adamastor e, a um só tempo, admiro o seu discernimento. Mesmo porque uma realidade não invalida a outra. A americana grávida foi vítima da intolerância e estupidez daqueles agentes públicos, policiais e juiz. A Lei acima de tudo, sem contextualização, cheira a Alemanha acima de tudo, e acima de tudo, em situações como essa, pode sim ser elemento indicador de ideologia nazi-fascista. Por outro lado, é forçar demais a barra fazer tabula rasa entre a realidade socio-econômica da Alemanha com a do Brasil. E o Adamastor, creio que não-intencionalmnete, fez isso.

    Pitagoras

    A verdade nua e crua é que nossa polícia, longe de ser aquele porto seguro onde o cidadão encontra a garantia de muitos de seus direitos, é truculenta, mal-preparada, mal-educada, quando não corrupta e infestada de marginais e quadrilhas.
    E pior, não há nada que sinalize para uma mudança.
    Salve-se quem puder!

mim

Que pena que ela não meteu uma bala na fuça do torturador em legítima defesa própria e de indefeso. Merdas de Estados e suas leis e intérpretes cretinos.

Werner Piana@SAGGIO_2

Deprimente. O neofascismo estadunidense é o horror, o horror!

Antonio

Esses policiais são o extrato do idiota com poder. Os juízes são piores. A sociedade ianque é uma sociedade doente. E esses idiotas colocam a ferida à mostra.

CLÁUDIO LUIZ PESSUTI

Sou oficial de justiça e, no Brasil, mesmo com ordem judicial de citação, ninguém é obrigado assinar o mandado.O que se faz é pedir a documentação da pessoa para cita-la e descreve-la , fisicamente.Se se recusar a exibir documento, nem isso.E caso se recuse a apresentar documentos, não há nada a fazer , além de descrever a pessoa.Alguns chamam a polícia para obrigar a pessoa a apresentar o documento, mas mesmo isso é questionável.
Usar arma de choque para obrigar alguém a assinar um documento, bem, os EUA caminham rápido para o totalitarismo em alguns estados.

M Procopio

Impressionante.
É este tipo de polícia que a PM segue como exemplo no Brasil.
Não me canso de repetir: a polícia militar hoje é mais violenta, prepotente e arrogante que nos tempos da ditadura. (E como nos Estados Unidos da América do Norte, têm a complacência da justiça)
Naquela época de horror, quem fazia esse papel era a polícia civil.

Remindo Sauim

Rato é rato.

Roberto Grossi

Malaika Brooks está pensando que é filha do Eike?

augusto2

Law enforcement, coisa assim.
se a lei por lá continuar a tornar-se cada vez mais nazi fascista como está ocorrendo de fato – entao pode estar certo que haverá muito mais tasers vulneraveis que a firam por que o brutoforcement por sua vez nao vai mudar.
E nao haverá surpresa se dentro de dois ou tres lustros o modelo de civilizaçao (wenming)mundial for a china e a antítese for o que voces estao pensando.

Dionísio

O Taser não vai ser usado contra bandidos armados , vai ser usado para reprimir a população desarmada que sai para protestar. DIGA,NÃO !
Cadeira elétrica portátil contra o povo DIGA ,NÃO !!

http://www.flickr.com/photos/boemios_errantes/7129130239/

damastor dagobé

todos desejam a ordem..mas só e somente se todos puderem fazer o que quiser…afinal coerência nunca foi um atributo da nacionalidade, e lógica nunca foi muito valorizada por essas bandas.

Gil Rocha

Sem ter conhecimento das leis
de outro país, fica difícil.
Eu acredito que a taser é útil
em casos que talvez, seria usada
uma arma mortal.
Eu acredito que o uso da força neste caso,
foi excessiva.
Mas o problema não é o aparato, mas quem
o usa.

    Aline C Pavia

    E se fosse a sua mulher, grávida, na frente do seu filho pequeno?

    QUE AMEAÇA uma mulher grávida configura à sociedade?

    J Fernando

    É brincadeira, né?
    Usar taser contra uma “arma mortal” é suicídio.
    A taser é usada contra pessoas desarmadas, manifestantes, bêbados, vadios, resistentes à prisão (desarmados), entre outros.
    Uma mulher grávida de sete meses, desarmada, com filho do lado, NÃO deveria, em hipótese alguma, receber choques elétricos.
    Você é fanático com leis, exige que se respeite as leis, sejam elas boas ou não. Tudo bem, mas lembre-se que somos SERES HUMANOS e não robôs sem sentimentos que cumpririam a lei sem questionamentos. Uma mulher grávida, DESARMADA, que não oferece perigo para ninguém JAMAIS DEVE RECEBER CHOQUES ELÉTRICOS.

    Gil Rocha

    E quem disse que concordei com
    este caso?
    Eu disse que não se culpe o aparato.
    E quem disse que não se pode usar a
    taser no caso de arma mortal.
    Uma faca não é mortal?
    Aqui no Brasil, já está sendo produzida
    uma taser com 40% menos de potência.
    O que as pessoas precisam entender, que
    uma arma não fere nem mata ninguém sozinha.

    Tania Silva

    Basta ver como policiais do Rio usaram o spay de pimenta: no focinho de uma cadela que não representava nenhum risco para eles. Assim será com o taser.

Fabio Passos

Assustador.
É a cultura que justifica a barbárie para “manter a ordem”.
Que sociedade pervertida.

rios

Malaika ser negra teria alguma relação com o fato?

http://www.seattlepi.com/local/article/Readers-react-to-police-use-of-Taser-on-pregnant-1173298.php

Fabio SP

Político só presta pra isso mesmo… que “catso” de lei é essa que obriga que seja presa uma pessoa (qualquer pessoa) que não assina um talão de multa?

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