O país em que os ricos “prestam favores com o dinheiro dos pobres”

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de entrevista de Roberto Romano ao Correio da Cidadania

Correio da Cidadania: Mesmo que o caso Palocci revele problemas tradicionais de nosso Estado, sem dúvida alguma, o escândalo sobre o aumento patrimonial por ele auferido entre os anos 2006 e 2010, através de sua firma de consultoria, foi notório em um mandato ainda muito principiante. O que essa precocidade diz do atual quadro político?

Roberto Romano: Não quero discutir se o Palocci é culpado ou não, isso cabe a uma investigação e julgamento mais aprofundados. Mas ele foi incriminado por algo compartilhado pela maioria absoluta dos nossos políticos: a indistinção entre o público e o privado. Fora o desrespeito pelo povo e a falta de idéia de que quem está no poder deve prestar contas sempre, do dinheiro e das pessoas sob sua responsabilidade.

Além disso, é muito estranho que um legislador, isto é, alguém pago pelo Estado brasileiro e consequentemente por todos os contribuintes, tenha cláusulas confidenciais com empresas privadas.

A incoerência começa quando comparamos a origem do Palocci e outros membros do governo em termos ideológicos. Ele veio da esquerda trotskista, da Libelu, que pregava revolução internacional, modificação na estrutura da sociedade, democracia imposta da sociedade ao Estado, e de repente o vemos como o queridinho da Avenida Paulista.

Esse é o ponto que chama a atenção. O Jacques Wagner fala que é o dinheiro que chama a atenção. Eu não diria isso. Não é o fato de ele acumular 20 milhões que me preocupa. Se ele tivesse acumulado um real(!), mas com o esquema de favorecer antigos inimigos, já teria me chamado a atenção. Não sou daqueles que exige fidelidade ideológica eterna, pelo contrário, todos temos direito de mudar opiniões. O problema é que ele continua como representante de um partido que se disse orientado à modificação e democratização da sociedade.

Não acho que se você foi trotskista tem que morrer trotskista. Mas existem muitos matizes de mudanças de atitude. Se há quinze anos você tinha um discurso e prática que hoje são radicalmente diversos, é de se perguntar se existe, na verdade, algum ideal, algum valor, na cabeça dessas pessoas. Porque, na falta disso, você entra no realismo mais bruto, na falta de escrúpulos e de respeito ético pelo próximo. Aí que a coisa fica feia.

Correio da Cidadania: Acredita que essa tendência, a promiscuidade público-privado, vai se reafirmar no governo Dilma?

Roberto Romano: Vai, porque não depende só da presidente e nem do próprio executivo. É um sistema que domina o Estado e a sociedade do país. Somos uma sociedade onde os ricos prestam favores com o dinheiro dos pobres. O pobre espera o favor. O rico faz, só não conta com que dinheiro.

E o PMDB, o partido hegemônico no país, é a grande máquina de produção de favores. Vendem, trocam favores, chantageiam com favores. Basta ver o caso do Anthony Garotinho, a meu ver, esse sim, muito escandaloso. Em nome da fé cristã, chantageia o Poder Executivo dizendo que o caso Palocci é um diamante de 20 quilates. É de uma falta de responsabilidade ética e um cinismo que eu ainda não tinha visto.

Quando o Roberto Cardoso Alves falava que “é dando que se recebe”, ao menos enunciava uma prática geral. Não dizia quem dava nem quem recebia. Mas, nesse caso, o Garotinho foi explícito, pornográfico até: “O caso Palocci é um diamante de 20 quilates para nós e vamos explorá-lo”.

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