O economista francês que colocou a direita em pé de guerra

Tempo de leitura: 4 min

28/04/2014 | 09:30 – Atualizado em: 28/04/2014 | 08:45

Concentração de renda como norma

Para romper a lógica da acumulação crescente no topo da pirâmide, o economista Thomas Piketty sugere imposto global sobre a riqueza

Tratamento de superstar para um professor de economia. Não é sempre que isso acontece…

Mas também não é todo dia que um livro de 700 páginas, cheio de gráficos, sobre a desigualdade histórica engendrada pelo capitalismo bate todos os recordes de venda pela internet (no momento, está esgotado) e dispara na lista de mais vendidos do jornal New York Times.

O assunto, aparentemente árido para o gosto popular, surpreendeu o mercado editorial e até mesmo o autor.

Mas o volume de vendas não deixa dúvidas: ele é o grande expoente de uma onda de publicações voltadas para assuntos correlatos.

Flash Boys”, de Michael Lewis, a respeito das operações de alta frequência em Wall Street mostra como pouquíssimos ganham uma fábula e está em quinto lugar na lista dos mais vendidas do Times.

Todos os banqueiros do presidente”, de Nomi Prins, a respeito da centenária interligação entre a Casa Branca e Wall Street, também anda badalado. São três aspectos de um único problema. Mas vamos ao francês que está na moda esta semana.

Thomas Piketty, professor da Escola de Economia de Paris, está voando de uma cidade à outra dos Estados Unidos para dar entrevistas e participar de seminários e palestras a respeito das ideias expostas no livro “Capital no Século XXI”.

Aqui em Nova York, ele dividiu a mesa de debates com dois economistas premiados com o Nobel: Joseph Stiglitz e Paul Krugman. Entre os três, não houve muita discórdia. A gritaria surgiu nos jornais e revistas mais conservadores, como o Wall Street Journal e a Foreign Affairs, onde as ideias de Piketty foram veementemente rechaçadas.

A edição norte-americana do livro do francês (desbancou sucessos comerciais como “Divergent”, a ficção científica que também ganhou versão cinematográfica) tem capa branca com a palavra Capital em grandes letras vermelhas em uma referência intencional à obra de Karl Marx.

Thomas Piketty está longe de ser um marxista. Mas é especialista em distribuição de renda, tema da tese de PhD que defendeu aos 22 anos de idade.

Agora, ele traçou o histórico da concentração de renda nos últimos três séculos e concluiu que o processo de concentração de renda aguda pelo qual o primeiro mundo passa hoje não é uma aberração e sim a norma do sistema capitalista (para a esquerda, até aí nenhuma novidade).

Uma lógica que foi rompida apenas em momentos de grande calamidade, como as guerras mundiais. Por isso os Estados Unidos viveram uma época áurea nos anos 50 e 60. Agora, para romper novamente a lógica da acumulação cada vez maior no topo da pirâmide, Piketty propõe a adoção de um imposto global sobre a riqueza.

A expressão “distribuição de renda” é quase um palavrão, hoje, nos Estados Unidos, como destacou Paul Krugman em uma entrevista a respeito do livro do colega francês.

“Existe um aparato muito eficiente na TV, na mídia impressa, nos institutos de análise e assim por diante, que martelam contra qualquer menção à redistribuição. Eles conseguiram convencer muita gente de que essa é uma ideia não americana”, disse Krugman. E foi mais longe: “olha, temos que admitir, a raça está sempre escondida sob tudo na vida norte-americana. E redistribuição de renda, na mente de muitas pessoas, significa tirar dinheiro de alguém como eu (branco) e dar para alguém que não se parece comigo”.

O racismo não explicaria tudo, mas nos Estados Unidos é com certeza um agravante. Segundo as previsões do livro de Piketty, a maior potência mundial caminha, a passos largos, na substituição da democracia por um regime autocrático.

De fato, faz tempo que o setor financeiro tomou posse da política e da economia. Desobrigado de prover uma vida melhor para a maioria da população do que o comunismo podia proporcionar, o capitalismo norte-americano soltou todas as amarras e não há governo que lhe devolva os freios já que é justamente o poder econômico quem determina o resultado das eleições, em todos os níveis, com raríssimas exceções.

A questão é como reverter um processo que deu a um grupo cada vez menor a maior fatia do bolo financeiro e, junto com ele, através dessa concentração, ainda mais poder de barganha política.

Daí a proposta do francês, na verdade um eco da grande reivindicação do movimento Occupy Wall Street, que tomou as ruas de várias cidades dos Estados Unidos, por meses, em 2011: instituir impostos altíssimos para o 1% mais rico da população.

Cobrar impostos elevados, também, sobre heranças para impedir que a casta endinheirada se perpetue passando a acumulação de uma geração para a outra. Faltou incluir na lista uma cobrança salgada para os lucros financeiros que não produzem, mas sugam o setor produtivo.

Piketty destaca que Estados Unidos e Europa trocaram de lugar. Os Estados Unidos, diz ele, foram concebidos como a antítese da sociedade patrimonial. “Alexis de Tocqueville, o historiador do século XIX, viu nos Estados Unidos um lugar onde a terra era tão abundante que todo mundo podia ter uma propriedade e a democracia de cidadãos iguais poderia florescer. Até a Primeira Guerra Mundial, a concentração de renda nas mãos dos ricos era bem menos extrema nos Estados Unidos do que na Europa. No século XX, entretanto, a situação se inverteu”.

O economista francês também lembra que a ideia de cobrar mais impostos dos mais ricos foi uma invenção norte-americana do período entre as duas grandes guerras justamente para evitar que o país repetisse o modelo de desigualdade europeu.

Paul Krugman destacou o essencialmente óbvio, que muita gente faz questão de esquecer. O ex-presidente Franklin Delano Roosevelt salvou o capitalismo norte-americano com a adoção de uma rede social e de redistribuição de renda. Mas se chegou lá, não foi por convicção.

Antes de Roosevelt desembarcar na Casa Branca, lembra Krugman, já existia um movimento progressista estruturado pressionando por mudanças. O movimento Occupy foi um começo. Mas dobrar a aliança capital-política cristalizada, hoje, nos Estados Unidos, vai exigir uma organização bem mais ampla e coesa.

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Comentários

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Theo

Achei o video do panel em Nova York:

https://www.youtube.com/watch?v=heOVJM2JZxI

Mardones

Excelente. É a segunda citação ao Piketti que eu leio. A primeira foi no editorial do Carta Maior.

Uma pena que as pessoas, no Brasil, não se dão conta da necessidade e oportunidade de ações para promover a distribuição de renda. E nada melhor do que a tributação progressiva.

Bacellar

Seria um paliativo afinal se um governo cooptado for administrar esse imposto adivinha a destinação de tais recursos? De toda forma seria um mecanismo válido.

Penso que a crise da democracia contemporânea, movida pela cooptação supracitada, abre uma negra perspectiva para os povos. O estado ainda é uma última instância de pressão de demandas populares. Os governos de esquerda da A.L.(sim,sim, eu sei. Frágeis e também cooptados), por exemplo, são um grande incômodo para o sistema financeiro global.

Temo a médio prazo uma grande investida ideológica, já iniciada em alguma medida, através da poderosa industria midiática e de entretenimento (dos blockbusters aos videogames, do “jornalismo” a publicidade e nas redes sociais e demais ferramentas de internet)para o fomento da ideia da pós-política. O mundo já não é das corps? qual o motivo de existirem Estados corrompidos então.

Não canso de repetir: Será o pior dos mundo, iniquidade em escala global e aceleramento do esgotamento desenfreado de recursos finitos.

Luís Carlos

A mídia corporativa daqui, como a de lá (EUA) estrbucha cada vez que se fala em distribuição de renda, projetos sociais, seguridade social, etc. Para eles, isso é “populismo” e causa endividamento e défict fiscal. Defendem apenas o pagamento régio dos juros de títulos da dívida pública, como aliás, está determinando na LRF, herança do FMI e de FHC e para a qual o Congresso de forma geral, se ajoelha em súplicas e juras de amor, contra a Previdência, contra o SUS, contra a educação. Tudo para saciar o devorador de humanos, o sacrossanto mercado.
Se nas civilização antigas havia sacrifícios humanos para divindades, hoje não é diferente. Todos devem padecer de fome, miséria e doença, sem acesso a informação, sem teto e sem dignidade para que a “elite religiosa”, os pagés modernos que rezam para o deus da modernidade e seu séquito, se locupletem. Não precisam mais de imensas pirâmides para sacrifícios visto por todos. Hoje temos as TVs para o mesmo show de horror, e disseminação do poder do TERROR institucional.
Por isso são contra o Bolsa Família. Por isso são contra o Mais Médicos. As elites perdem espaço e hurram de intolerância à frustração à sua própria ganância e egoísmo.

    Mauro Assis

    Luis, elite perde espaço onde, bicho? No Brasil? Hohoho… a turma do andar de cima nunca ganhou tanto dinheiro como nos últimos dez anos.

Julio Silveira

Toda vez que leio as defesas desbragadas do capitalismo, do mercado sendo regulado por si próprio, com pouca ou nenhuma intervenção, quiça participação, do estado, fico com a certeza de que os defensores dessas situações falam apenas em causa própria. Está cada dia mais provado que o capitalismo é frágil para atender as necessidades dos estados, mas forte para suprir as necessidades desse percentual diminuto que se apropria dele pelo poder financeiro. Olhando para o nosso caso especifico, temos um governo que se propôs fazer diferente, mas que ao final acabou por se tornar refém das estruturas financeiras dominadoras anteriormente montadas, que produzem diversos artifícios para se manterem no topo da dominância. E isso que o Brasil nunca foi um país plenamente capitalista, se fosse poderia, pela fraqueza que nossa cidadania demonstra, estar muito pior.

Isabela

Isso é tão óbvio na minha cabeça, mas quando um super economista da moda afirma em livro, parece mais aceitável. Há mais ou menos um ano, um milionário dos EUA afirmou sobre a injustiça que é ele pagar o que paga de imposto no seu país. Em Cuba há limite pra riqueza: seria esse francês um comunista enrustido??

Hell Back

Somente uma (e última?) guerra mundial resolveria esse problema de concentração de renda.

flavio jose

Keynes, pai da economia moderna, afirma que o Estado tem que ser suficientemente forte para poder combater a mediocridade do capitalismo. Estamos vivendo esta fase.

FrancoAtirador

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Enquanto isso, em Terra Brasilis:

Dívida Pública Federal fica praticamente estável em março

28/04/2014 15h25

Wellton Máximo – Repórter da Agência Brasil Edição: Juliana Andrade

O vencimento de títulos vinculados aos juros básicos fez a Dívida Pública Federal (DPF) ficar praticamente estável em março.

De acordo com dados divulgados hoje (28) pela Secretaria do Tesouro Nacional (https://www.tesouro.fazenda.gov.br/pt/divida-publica-federal/relatorio-mensal-da-divida),
a DPF fechou o mês passado em R$ 2,081 trilhões, com alta de 0,64% (R$ 3 bilhões) em relação a fevereiro.

A dívida pública mobiliária (em títulos públicos) interna subiu de R$ 1,975 trilhão para R$ 1,990 trilhão.
Isso ocorreu porque, apesar de ter resgatado R$ 3,21 bilhões em títulos a mais do que emitiu, o Tesouro reconheceu R$ 18,5 bilhões em juros.
O reconhecimento se dá porque a correção que o Tesouro se compromete a pagar aos investidores é incorporada gradualmente ao valor devido.

A dívida pública externa encerrou março em R$ 90,51 bilhões, com queda de 2,11% em relação ao valor de fevereiro, quando tinha atingido R$ 92,46 bilhões.
A redução foi puxada pela queda de 3,02% do dólar no mês passado.

O principal fator que contribuiu para a estabilidade da dívida pública em março foi o alto vencimento de títulos vinculados à taxa Selic (juros básicos da economia).
No mês passado, os vencimentos corresponderam a R$ 61,6 bilhões,
dos quais R$ 61,3 bilhões referem-se a papéis corrigidos pelos juros básicos.

Apesar de a DPF estar abaixo do recorde de R$ 2,123 bilhões registrado em dezembro,
o próprio Tesouro reconhece que o valor voltará a subir nos próximos meses.

De acordo com o Plano Anual de Financiamento (PAF), divulgado no fim de março, a tendência é que o estoque da Dívida Pública Federal encerre o ano entre R$ 2,17 trilhões e R$ 2,32 trilhões.

Por meio da dívida pública, o governo pega emprestado dos investidores recursos para honrar compromissos.

Em troca, compromete-se a devolver os recursos com alguma correção, que pode ser definida com antecedência, no caso dos títulos prefixados, ou seguir a variação da taxa Selic, da inflação ou do câmbio.

(http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2014-04/divida-publica-federal-fica-praticamente-estavel-em-marco)
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    Mário SF Alves

    “De acordo com o Plano Anual de Financiamento (PAF), divulgado no fim de março, a tendência é que o estoque da Dívida Pública Federal encerre o ano entre R$ 2,17 trilhões e R$ 2,32 trilhões.”
    ______________________________

    Prezado FrancoAtirador,

    Talvez por ingenuidade minha, mas esses números são a meu ver alarmantes. Duas coisas:

    1) Você tem como informar a composição dessa dívida?
    2) Existe como o Brasil se livrar desse torniquete inibidor/impedidor do desenvolvimento socioeconômico?
    3) Ainda temos compromissos financeiros com o FMI?

    Seja como for, não é difícil supor que tal endividamento seja hoje utilizado como peça fundamental de toda uma estratégia de oligarquização [neoliberal] do poder, não?

    FrancoAtirador

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    Mestre Mário.

    A maioria dos economistas não levam em consideração a DPF em valores absolutos, mas sim a relação Dívida/PIB que, no caso do Brasil,
    vem se mantendo em nível relativamente estável, na última década.

    (http://pt.tradingeconomics.com/brazil/government-debt-to-gdp)
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    Do meu ponto de vista,
    é uma aposta de risco.
    Em termos de progresso,
    só o Pré-Sal nos salva.
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    FrancoAtirador

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    Mestre Mário.

    Postei comentários-resposta às tuas ótimas colocações no post:
    (http://www.viomundo.com.br/politica/otelo-saraiva-temendo-pelo-futuro-da-democracia-em-portugal.html)
    tratando, dentre outros temas importantes correlacionados, de um que é fundamental para compreensão do momento atual da economia do Brasil, sobretudo porque trata da formação dessa absurda dívida pública mobiliária interna.

    A Conversão da Dívida Externa e o ‘Tripé de FHC’.

    Aí está a origem da Dívida Pública Interna Brasileira.

    Principalmente por isso, é preciso uma Auditoria.

    (http://revistas.fee.tche.br/index.php/indicadores/article/viewFile/25/288)
    (http://migre.me/iYvYL)
    (http://www.auditoriacidada.org.br)
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    FrancoAtirador

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    Atualmente, a maior fragilidade está aqui:

    (http://portal.anbima.com.br/informacoes-tecnicas/boletins/private-banking/Documents/bol-pb_005_fev_14.pdf)
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    Mário SF Alves

    Olá, prezado FrancoAtirador,

    Só agora tive como ver sua resposta.

    Muito obrigado.

Guanabara

Lembro dos primórdios do primeiro mandato de Lula, em que ele cogitou fazer uma alíquota maior no Imposto de Renda, que taxaria em 50% a partir de uma determinada faixa de renda (não recordo o valor). E lembro, direitinho, da Míriam Leitão e Alexandre Garcia esperneando no Bom Dia Brasil contra a medida, usando argumentos estapafúrdios de que outros países tentaram isso e que “não deu certo” (seja lá o que isso quer dizer… rs).

Triste mesmo é ver assalariado defendendo o patrão latifundiário e escravocrata, como se ele também não fosse vítima dessa concentração criminosa de renda.

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