Nassif: Mangabeira esclarece de vez os erros que tiraram a presidência de Ciro, racharam as esquerdas e levaram à eleição de Bolsonaro

Tempo de leitura: 4 min

Mangabeira e os erros que tiraram a presidência de Ciro

por Luís Nassif, no GGN

As duas entrevistas de Roberto Mangabeira Unger – ao Valor (clique aqui) e à  Folha (clique aqui)– esclarecem de vez as razões objetivas que levaram ao racha das esquerdas e à eleição de Jair Bolsonaro.

Mangabeira confirma o relato de Fernando Haddad, de que foi oferecido a Ciro o papel posteriormente desempenhado pelo próprio Haddad, de ser o vice-presidente na chapa de Lula e assumir a candidatura quando Lula fosse impedido.

Teria sido a fórmula ideal. Ciro seria imediatamente catapultado para a liderança e com sua retórica eficiente teria condições de vencer Bolsonaro no 2º turno.

Ciro esbarrou mais uma vez em seu grande defeito político.

É bom para as grandes estratégias e péssimo para as definições táticas, prisioneiro de um temperamento forte, com uma autossuficiência deletéria, não se enquadrando nos limites dos pactos partidários.

Quando a estratégia é bem-sucedida, entra em alpha e considera que tem a força. E não consegue identificar os limites políticos para entrar na etapa seguinte.

Sua visão era a de que o período Lula estava definitivamente encerrado e caberia a ele, Ciro, inaugurar o novo tempo, sem depender do lulismo.

Como Mangabeira deixa claro, Ciro confundiu posições táticas com estratégicas.

No plano estratégico, era mais que hora do lulismo ceder espaço a uma nova etapa, diluindo o protagonismo excessivo do PT, principal combustível do pacto político mídia-Judiciário, e trabalhando as novas classes que surgiam – e que Mangabeira corretamente identifica como o novo empreendedorismo.

Ora, esse movimento era claro para o próprio Lula. Quando tentou a aproximação com Eduardo Campos, sabia a dificuldade para o PT superar a matriz original e abrir espaço para o novo tempo.

No plano tático, no entanto, abrir mão do cacife eleitoral de Lula foi um gesto de arrogância mortal.

Não adiantou Haddad alertar Ciro, que estava minimizando não apenas a influência de Lula, mas 70 anos de tradição trabalhista no Brasil.

Como pretendia montar uma frente deixando de lado o principal ator político das oposições nas últimas décadas?

Sua visão estratégica foi bem-sucedida. Desenvolveu o discurso mais eficiente de oposição à direita racional, de Geraldo Alckmin, e, depois, à direita insana de Jair Bolsonaro, um discurso denso, com propostas racionais e criativas, e uma retórica de guerra adequada para desmontar a agressividade vazia de Bolsonaro.

Na frente tática, esboroou-se.

Depois que perdeu as eleições, a ira posterior de Ciro contra o PT, foi apenas uma tentativa psicológica de enfrentar a ideia insuportável de que foi ele próprio que jogou fora a presidência por um gesto mal pensado.

Nenhum de seus argumentos se sustenta:

1. A alegação de que não queria comprometer seu projeto de país com o do PT.

Como bem lembra Mangabeira, uma coisa é aliança tática, visando ganhar as eleições e impedir o mal maior. Outra coisa, o projeto de governo, que é atribuição exclusiva do presidente da República. Ele seria o líder inconteste do projeto.

2.A alegação de que o PT não era aliado confiável.

Como assim? Alianças se formam em torno de propostas, conceitos e campos de interesse.

Havia um amplo campo de interesses comuns para consolidar alianças com os partidos de esquerda, incluindo o PT, assim como um amplo arco de partidos de oposição, de centro-direita, para contrabalançar.

Um político habilidoso deitaria e rolaria em um quadro desses. Seria um quadro confuso apenas para políticos com dificuldades para dialogar.

3.As acusações de que foi esfaqueado pelas costas, com o acordo do PT com o PSB não se sustentam.

Queria o quê?

Que depois de esnobado por Ciro Gomes, o PT abrisse mão de alianças estratégicas, para não melindrar o adversário?

E porque foi possível uma aliança, conduzida por Lula, que interferiu nas eleições de Pernambuco e Minas Gerais?

E por que estados como a Bahia e o Maranhão que, em circunstâncias normais estariam com Ciro, mantiveram-se fiéis ao candidato do PT?

Por conta do prestígio político de Lula, que Ciro minimizou.

Esses embates ajudaram a realçar  a posição desprendida de Haddad que, em todos os momentos, colocou os interesses do país acima de seus interesses pessoais: quando apoiou a indicação de Ciro; e, depois, quando encarou o desafio de conduzir uma campanha presidencial perigosa.

A nova etapa da política

Mangabeira tem uma virtude e uma fraqueza nas utopias que desenha para o país.

As virtudes são uma visão de futuro aprofundada, um desenho sintético do que seria uma civilização tropical moderna.

No governo Lula, ele exercitava o papel de espécie de grilo falante, identificando em cada Ministério propostas esquecidas, que se enquadravam nesse desenho, dando-lhe publicidade.

A fraqueza, fruto de seu distanciamento do dia-a-dia do país, é não acompanhar de perto o que ocorreu nesses anos todos.

Foi assim quando assumiu a Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo Dilma, incumbindo-se da tal Pátria Educadora, sem noção algum dos avanços e das ideias modernizantes que sacudiam o setor.

Com seu estilo de dar plena liberdade às iniciativas dos seus Ministros, os dois governos Lula foram laboratórios riquíssimos de experiências que poderiam ter marcado a etapa seguinte de desenvolvimento.

Muitas das propostas levantadas, agora, por Mangabeira, já tinham sido iniciadas no governo Lula, inclusive as políticas de fortalecimento das pequenas e microempresas com o MEI (Microempreendedor Individual), os movimentos da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e das fundações de amparo à pesquisa em torno das startups.

As movimentações iniciais do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) na gestão Carlos Lessa, de fortalecimento de arranjos produtivos locais.

Dentro dessa linha, o fortalecimento da Apex (Agência de Promoção das Inovações) definindo planejamentos sofisticados para o comércio exterior, e da ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial), como futuro fórum de discussão de políticas industriais, desenvolvendo diagnósticos e amarrando nas estratégias do BNDES e da Finep.

Toda essa dinâmica, em relação aos novos tempos da economia e das políticas sociais, foi interrompida pelo estilo excessivamente centralizador de Dilma Rousseff, pela nova lógica do BNDES e seus campeões nacionais, e pelo início da crise econômica.

Em 2014, o CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos) fez um levantamento precioso das propostas existentes nas universidades, centros de pesquisa e governo para os diversos temas de políticas públicas. Mas o tempo político de Dilma já havia se esgotado.

O grande desafio do PT será alargar os horizontes do partido, e se abrir para as novas ideias, já testadas com sucesso no governo Lula, e para as novas militâncias.

Leia também:

Gleisi: Se “é horrível ser patrão no Brasil”, imagina ser trabalhador sob Bolsonaro


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Comentários

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Bernardo

Ciro sempre erra no tatico. Confirma-se o que Haddad havia comentado. Ao recusar o capital de 40 milhões de votos para arrancar na campanha ficou demonstrado que Ciro não queria encarar o desafio. E culpar o PT soa falso e hipócrita. Ciro é mau político e assemelha-se aos tucanos e direita quando demoniza o PT. É um político derrotado que vai custar a recuperar seu prestígio. Não é confiável.

Qualquer um dos dois lados poderia ter cedido. O anti-petismo ganhou. Quem garante que Ciro vestindo máscara de papelão de Lula, como fez o PT com Haddad, não teria tido o mesmo destino?
Ciro pode não ter cedido por ter entendido que o anti-petismo era mais forte, saber que o PT não iria aceitar o papel de coadjuvante na campanha (ele teria que vestir aquela máscara horrorosa – não pelo personagem, mas pelo péssimo gosto – por exemplo).
IMHO: Lula e o PT não sairão fortalecidos do futuro desastroso governo do bozo. O anti-petismo vai continuar existindo por muito tempo. A estratégia de Ciro foi acertada.

Dick Vigarista

Ciro Gomes é uma biruta de aeroporto, ele vai para onde o vento sopra, ele vai para onde a mídia aponta. É um serzinho vacilante. Parece que tem medo de nadar contra a correnteza. Por isso foi engolido pela onda conservadora da extrema direita.
O Lulismo acaba qdo alguém fizer melhor do que o Lula fez. Até agora nenhum fez melhor que o Lula.
Se o país estiver mal na economia, a solução será sempre o Lula. Não parece que o liberalismo fará melhor do que o pt fez administrando a república. Em nenhum lugar do mundo o liberalismo deu certo do jeito que querem aplica-lo aqui. É questão de tempo para o país estar com o pires na mão pedindo dinheiro ao FMI. Veja que os países ricos superprotegem suas empresas nacionais. Não deixam vender. Vejam o caso da qualconm americana.
Ciro Gomes criticou o Lula qdo deveria ficar calado. Tentou aliança com o pfl/dem e se ferrou de verde e amarelo. Menos Ciro, vc não é o Lula. Vc não tem toda a habilidade política que vc acha que tem para construir alianças.
Foi orgulhoso em não aceitar ser vice do lula. Todo mundo já sabia que o desvairado de Curitiba não deixaria o Lula disputar a eleição.
Espera mais 4 anos. E aprende com os erros. Ciro presidente e Haddad vice Seia uma chapa imbatível. Haddad nem parece petista. Mas o Ciro apostou que o Lula não iria conseguir transferir votos para o Haddad e que ele Ciro estaria no segundo turno.
Sinceramente fiquei bem esperto qdo o Ciro tentou aliança com o DEM, vi que não ia dar certo e ainda desconfiei se Ciro era mesmo de esquerda. Isso foi um tiro no próprio pé. Nunca vi o pt tentar aliança com o DEM.
A mudez do 2 turno só fez a esquerda petista odiar esse coronel do Ceará. Voto dessa esquerda ele não terá se continuar a fazer m.erda. Ele é dúbio, não sabe se é de esquerda ou de direita. Atira para todos os lados.

Nilson Moura Messias

O Walter Pomar, desmontou os argumentos cínicos de mangabeira, que está louco para ir, juntamente com coroné de Sobral, juntar se as goiabas e laranjas do fascista.. O jagunço do Ceara, só tem vida no blog frio e fraco.

Marcos Videira

No site do Nassif eu fiz um comentário e uma proposta:
Por ser um fato político fecundo, a Escola de Sociologia e Política de SP deveria promover um debate com Nassif, Miguel do Rosário e Ricardo Cappelli. Os três conhecem os bastidores dessas eleições, têm perspectivas diferentes e são ponderados. Está na hora de uma reflexão crítica, profunda e pública para aprendermos com os erros e superarmos essa crise que nos divide e imobiliza.

marcel c.

obrigado por postar os link das entrevistas:

“Continuo a julgar o Ciro o agente mais qualificado para implantar essa alternativa”

“À medida que os petistas compreenderem o que aconteceu, não deve haver obstáculos para acertos. Mas até hoje eles não compreenderam que a eleição foi um plebiscito sobre a volta do PT ao poder e que a maioria estava disposta a pagar qualquer preço para evitá-la”

“Muito antes da eleição, o partido e o Lula deram uma série de rasteiras no Ciro.”

Julio Silveira

Estive pronto para votar no Ciro, sou um dos que acreditam que o PT se tornou um partido do tipo que quer ser o unico proprietario do poder no nicho mercadologico que se costuma chamar esquerda. Mas mudei de ideia quanto a votar nele por propria responsabilidade, por conta de ter percebido nele um tipo de personalidade esquisita que guarda uma certa semelhança, resguardada as diferenças culturais e de formação, com o próprio Bolsonaro. Acabei devotando minhas esperanças no Boulos, depois sem alternativa tive que apoiar o Haddad, um nome que não engulo por ser outro, como a Dilma, muito republicano com golpistas que dominam as instituições, com a diferença demonstrada de ser um pato do tipo que não enxergou que houve um golpe.

Lukas

Na impossibilidade de Haddad ser eleito, o PT, pela ordem, preferiria Bolsonaro, depois Alckimin e em último, depois de todos, uma liderança de esquerda fora de sua órbita. Mas esta última opção jamais teria o apoio do partido. Se o Brasil afundar e o PT permanecer, os petistas estão satisfeitos.

Lukas

Bolsonaro foi eleito porque o PT pensa mais em Lula e no partido que no país. Se para derrotar Bolsonaro uma nova liderança da esquerda fora do PT tivesse que surgir o partido sabotaria, com sabotou. O PT prefere Bolsonaro no poder do que alguém da esquerda de fora dos domínios do partido. Petistas fingem se preocupar com os pobres, com o país, mas se importam mesmo é com o poder.

    Elen

    Perfeito. Só voto na esquerda quando pt deixar de ser o centro. Ciro fez muito bem.

SANDRA OLIVEIRA

É verdade. Ciro esnobou 40 milhões de votos de Lula/PT. Perdemos as eleições e agora tudo será mais difícil e demorado.

Sandra

Se tivesse feito a aliança com Ciro,teria perdido no primeiro turno

Morvan

Boa tarde.
Em reportagem em mídia limpinha e cheirosa, sr. Unger, que é enviesado não só na fala, argumentação idem, disse que uma das coisas que atrapalharam a aliança com o PT foi o costume deste de dar pernada, de não cumprir acordo (não literal), dar rasteiras. Defende, por isso, uma rasteira de Ciro, na eventualidade de a aliança sair vitoriosa.
Fiquei pensando: o PT, dando rasteira? Honrou todos os compromissos, alguns claramente lesivos ao próprio partido. Respeitou as Listas Tríplices, os ritos, as alianças nos Estados, mesmo quando este aparentava ter condições de vencer como cabeça de chapa; empoderou e fortaleceu os órgãos de controle, alguns destes se tornando, incontinenti, seus desafetos ideológicos, etc. Um de nós não entendeu o sentido de rasteira com relação ao PT.
Por fim, o PT nunca pilatou. Impensável uma campanha histórica, onde um verdadeiro Armageddon ideológico se desenrolava e um dirigente do PT, ao perder a chance de disputar o segundo turno, fosse a “Parri” tomar vinho e flanar enquanto o mundo se acabava, aqui. Acabaria, literalmente, caso fosse alguém do pethê.
Quanto a Ciro, nunca vai me surpreender. Sou cearense e estudei, não tem como ele me surpreender.

Jueli Cardoso Jordão

Na verdade o Mangabeira falou nas entrelinhas que Ciro e equipe queriam fazer uma aliança pela direita e rechaçaram o PT. Falou mais, que o programa do Ciro não se diferenciaria muito deste do Bolsonaro e Guedes. Se querem uma boa análise de quem sabe ler nas entrelinhas, leiam artigo do Valter Pomar no http://valterpomar.blogspot.com/

Daniel Tanan

Lula continua sendo protagonista.
Claro que tem cacife político.
Ciro, claramente, agiu como se pudesse ser protagonista sozinho, sem o apoio real do PT.
Ganhou inclusive meu voto, do qual me arrependo, pois teve uma atitude covarde após o primeiro turno.
Gosto do que ele fala, mas nunca terá meu apoio.
Espero mesmo que termine como a Marinarvore

Zé Maria

‘Visão de futuro aprofundada’?!? Tás Brincando!!!
.
Folha: Bolsonaro fará um bom governo? 

Mangabeira Unger: Me parece promissor, e falo como opositor[SIC],
a ideia de impor o capitalismo aos capitalistas. [???]
.
Com os Ruralistas do Agronegócio
e os Chicago Badboys no Poder?
Faz-me Rir!
Se sobrar Povo, é muito…

Pedro

Eu discordo. Quem quer que tivesse seu jungido ao PT perderia as eleições (vide Dória contra França em SP, e perceba-se que o próprio França fez de tudo pra se descolar do petismo). Na verdade, era de o PT pensar grande e se retirar das elições presidenciais. Não o fez, e agora quem pagará será Lula, que não sairá cadeia tão cedo, cometendo mais um grande erro em sua trajetória, o segundo após recusa em asilar-se em um país amigo. Também, e principalmente, pagará o povo brasileiro, governado por Bolsonaro e Paulo Guedes, que farão de tudo para beneficiar os ricos e atolar os pobres e a classe média.

    Reinaldo

    Pedro, em relação à possibilidade de fuga, acredito que você se confundiu de personagem. O Lula, pela história dele, não se prestaria a tal papel.

    Joao

    Aplausos!

Sérgio Fernandes

Em resumo Ciro morreu mais uma vez pela boca!!!

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