Milly Lacombe: A delirante fala de Ciro e a falsa democracia dos debates na TV

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Milly Lacombe: "Ciro Gomes foi fazer seu pronunciamento à nação escoltado por pessoas sem relevância política e por sua mulher. Não levou a candidata à vice, e não se sabe por quê. Foto: Reprodução da transmissão ao vivo

O delirante pronunciamento de Ciro e a falsa democracia dos debates na TV

Por Milly Lacombe, no UOL

Ciro Gomes foi fazer seu pronunciamento (na íntegra, ao final) à nação escoltado por pessoas sem relevância política e por sua mulher. Não levou a candidata à vice, e não se sabe por quê.

De cara fica evidente que ele está convencido de que é a grande vítima hoje no Brasil.

Está a cada dia mais revoltado que pessoas não vejam o que ele vê com cristalina clarividência, que é como Lula e Bolsonaro fizeram mal ao país. Ciro fala assim, igualando os dois.

Sob nenhum aspecto Lula e Bolsonaro são igualáveis. Bolsonaro não se iguala a ninguém.

Ciro falha miseravelmente insistindo nessa simetria grotesca e não será perdoado pelo erro.

Ao se colocar como vítima, Ciro se fragiliza. É evidente que um homem com o poder dele não é vítima de nada nesse país. O discurso soa mimizento e hipócrita.

Derretendo nas pesquisas de intenção de voto, seria hora de reavaliar a estratégia. Mas seguir nessa trilha macho-arrogante-aloprado é mais forte do que ele.

É uma pena porque, no meio de tanta paranoia e desatino, Ciro teria coisas boas a dizer.

Seu discurso sobre entreguismo, desigualdade, dívida pública, taxa de juros, a farta produção de alimentos no Brasil e a indesculpável fome de 33 milhões de pessoas é coerente e necessário.

As críticas que ele faz à administração de Lula são baseadas em ficções delirantes, mas as críticas que faz ao governo Dilma, e a sua guinada neoliberal, são justas.

Só que Ciro está perdido, histriônico e surtado.

Entrou em processo de janainapaschoalização que parece irreversível.

E, mesmo assim, acelera rumo ao penhasco.

No último debate televisivo foi outra vez flagrado afagando Bolsonaro.

Para quem um dia já defendeu o voto em Ciro Gomes, a imagem é lamentável.

Os debates, aliás, não têm acrescentado muita coisa ao momento político e um dos motivos ainda é pouco comentado.

Tudo é feito para que o debate entre candidatos pareça altamente justo e democrático. Regras claras, réplica, tréplica, direito de resposta, jornalistas sérios e renomados fazendo perguntas coerentes e, muitas vezes, delicadas.

Mas o olhar mais atento percebe que o escopo da pauta é todo apontado para a direita. Onde estão os candidatos da esquerda e da extrema esquerda?

São capazes de levar ao debate um padre que não é padre, que tem traço nas intenções de voto, que se coloca na extrema-direita ideológica, que sai pregando fanaticamente contra o aborto, mas não levam as candidatas do PCB nem do PSTU – Sofia Manzano e Vera Lucia, respectivamente.

Levam o candidato do Novo, um partido altamente alinhado ao bolsonarismo e, portanto, de extrema-direita, mas não levam as candidatas alinhadas ao sindicalismo.

Levam Soraya Thronicke, outra candidata cujas bandeiras oscilam entre direita e extrema direita, mas não levam as candidatas alinhadas às pautas da classe trabalhadora.

Tudo é feito para que o pêndulo do debate de ideias oscile entre centro e extrema direita.

Desse modo, sem muito alarde, excluem as esquerdas do tablado.

Com a exclusão, saem as pautas que seriam incômodas aos donos do jogo: taxação de grandes fortunas, jornada de trabalho, direito ao aborto livre e gratuito, reforma agrária etc.

Não se trata necessariamente de advogar por essas agendas, defendê-las, apoiá-las. Se trata de entender que é preciso colocá-las em circulação, deixar que as pessoas que estão vendo o debate saibam que elas existem e que são legítimas.

Só assim poderíamos confrontar suas possibilidades com o desejo dos defensores da manutenção do poder das oligarquias, como Tebet e Felipe D’Ávila, por exemplo.

Dessa forma, estreita-se o campo democrático do debate de ideias.

Do mesmo modo que quando debatíamos reforma da previdência a mídia de massa levava para o centro do debate pessoas que eram a favor e pessoas que eram muito a favor.

Não havia quem fosse contra, não havia quem tivesse tempo para estender na mesa o lado ruim, perverso, racista e machista da reforma como ela estava sendo apresentada.

Economistas chamados eram sempre os mesmos, os ortodoxos, os liberais. Não eram convidadas lideranças sindicais, que, imagino, tivessem muito a dizer sobre a reforma e suas consequências.

Quando, vez ou outra, alguém que não concordasse com a reforma tinha espaço o tempo era curto para apresentar uma ideia que pudesse ser coerente ou mais incisiva.

Esse é um jogo jogado há bastante tempo.

A impressão de equilíbrio no debate de ideias é falsa e injusta.

A pergunta que deveríamos fazer é por que as ideias alinhadas a ideologias de esquerda não são convidadas para o centro do palco.

Pensar sobre isso já seria um bom começo.

*Milly Lacombe, 53, é jornalista, roteirista e escritora. Cronista com coluna nas revistas Trip e Tpm, é autora de cinco livros, entre eles o romance O Ano em Que Morri em Nova York. Acredita em Proust, Machado, Eça, Clarice, Baldwin, Lorde e em longos cafés-da-manhã. Como Nelson Rodrigues acha que o sábado é uma ilusão e, como Camus, que o futebol ensina quase tudo sobre a vida.

Ciro: Manifesto à Nação

Na maioria das vezes em que um movimento nacionalista se levanta no Brasil, ele é destruído pelas forças do atraso ou se autodestrói por acordos eleitorais espúrios.

É um jogo de culpa-desculpa, trágico e repetitivo.

Para esconder a culpa da renúncia covarde aos verdadeiros ideais de mudança, muitos se escondem na desculpa de que para governar é necessária uma aliança com as forças do atraso.

E para eliminar, na raiz, a diversidade do embate democrático tentam transformá-lo, de forma artificial e prematura, no embate de duas forças que utilizam falsos argumentos morais para se tornarem hegemônicas.

Aqueles que ousam resistir –como é nosso caso–, são vítimas das mais violentas campanhas de intimidação, mentiras e de operações de destruição de imagem.

É o que está acontecendo agora quando estou sendo vítima de uma gigantesca e virulenta campanha, nacional e internacional, para retirada da minha candidatura.

Mas nada deterá nossa disposição de seguir em frente a empunhar a bandeira do novo Projeto Nacional de Desenvolvimento e, também, a denunciar os corruptos, farsantes e demagogos que tentam ludibriar a fé popular com suas falsas promessas.

Hoje, a máscara desta farsa cobre duas faces que, mesmo possuindo certos conteúdos e contornos diferentes, trazem, de forma profunda, a matriz histórica dos erros que há décadas atrasam o Brasil e escravizam nosso povo.

É esta matriz –escrava de um modo corrupto de governar e de um modelo econômico submisso aos interesses do mercado financeiro– que une Lula e Bolsonaro.

Bolsonaro não existiria se não fosse a grave crise econômica e moral dos governos petistas.

E Lula não sobreviveria, em sua ameaçadora decadência, se não fossem os desatinos criminosos de Bolsonaro.

Mesmo assim, as máquinas poderosas do lulismo e do bolsonarismo estão conseguindo ludibriar a percepção popular, passando a falsa ideia de que apenas um pode derrotar o outro.

E que este passo atrás é o único meio de levar o país adiante.

Esse rito suicida tem o incentivo comodista e covarde de setores da mídia e da inteligência que, em uma mistura de cumplicidade, amnésia e medo, perderam a nitidez dos fatos, das causas, dos efeitos e de suas perigosas consequências.

Reduziram o debate a um choque vazio e oportunista entre um suposto bem e um suposto mal, enquanto produzem a campanha mais sem propostas e sem projeto da nossa história recente.

De forma deliberada, não questionam o fato de o Brasil vir adotando, há 30 anos, um modelo político baseado no conchavo, na corrupção e no toma lá dá cá; e de vir prolongando a vida de um modelo econômico que entrega a riqueza do país para quem já tem muito e que distribui migalhas para quem tem pouco.

Em uma das engenharias financeiras mais perversas da história mundial conseguiram transformar, de 2003 a 2021, uma dívida pública de pouco mais de 600 bilhões de reais em uma dívida que ultrapassa 7 trilhões, mesmo que tenhamos pago, neste mesmo período, outros 7 trilhões.

Praticamente, a cada trilhão que pagamos da dívida, em lugar de diminuir ela aumentou em mais um trilhão, algo completamente absurdo, ainda mais se lembrarmos que as taxas de juros são definidas pelo próprio governo.

Não por acaso, esta trágica engenharia financeira transformou-se em uma pavorosa tragédia social.

Por esta e outras razões, o Brasil tem uma das piores concentrações de renda e desigualdades sociais do mundo.

Aqui, os cinco mais ricos acumulam uma fortuna equivalente a tudo que os 100 milhões de brasileiros mais pobres possuem, e cinco bancos concentram 85% do mercado, o que lhes permite impor à população os juros mais altos do planeta.

Esquecem-se, ou fingem esquecer, que, exatamente por isso, cerca de 40 mil indústrias e mais de 350 mil comércios fecharam as portas do governo Dilma para cá; e que mais de 66,6 milhões de pessoas e 6 milhões de micro, pequenas e médias empresas estão com o nome sujo no SPC ou no Serasa.

É por conta desse esquecimento deliberado e criminoso que ostentamos tantos outros números que nos causam vergonha e indignação.

Somos o segundo maior produtor de alimentos do mundo, porém aqui mais de 33 milhões de brasileiros passam fome, 125 milhões não conseguem fazer as três refeições diárias e até carcaças de animais são vendidas como alimento.

Somos uma das maiores economias do planeta, mas aqui 55,5 milhões de pessoas vivem só com 14 reais ou menos ainda por dia; o desemprego ronda a casa dos 10 milhões; 5 milhões são desalentados, ou seja, pessoas que já desistiram de procurar emprego; e o subemprego, que paga menos que o mínimo e não garante nenhum direito, tornou-se a regra geral e não a exceção.

Lula e o PT passaram 14 anos no poder e deixaram o Brasil com os mesmos problemas que encontraram.

A prova disso é a rápida evaporação dos efeitos da fugaz benesse que conseguiram produzir impulsionada por ciclos favoráveis das commodities.

Lula continua a repetir que colocou os pobres no orçamento quando, na verdade, os contentou com migalhas, deixando-os onde sempre estiveram: na escravidão da pobreza.

Bolsonaro, sua cria maligna, seguiu parte desta cartilha, aliando-se ao Centrão e rendendo-se à corrupção e ao clientelismo.

E acrescentou, sem dúvida, conteúdos gigantescamente mais pavorosos: o desrespeito às instituições e crimes contra a humanidade.

Mas estas diferenças não conseguem os separar de todo.

Ao contrário, conteúdos políticos e econômicos profundos mais os aproximam do que os separam.

Por isso tudo, o Brasil está na iminência de sofrer a maior fraude eleitoral da nossa história.

Não a mentirosa fraude das urnas eletrônicas, inventada por Bolsonaro.

Mas a fraude do estelionato eleitoral que sofrerão as vítimas que apertarem, nas urnas invioláveis, o 13 ou o 22.

As urnas são de fato invioláveis, mas a legítima vontade popular está sendo tremendamente violada.

Pois os que pensam que ao apertar o 13 elegerão Lula (mesmo que com seus defeitos), estarão, na verdade, elegendo os mesmos que saquearam o país nos últimos anos, com os quais Lula vergonhosamente de novo se aliou.

Aqueles que pensam que ao apertar o 22 elegerão Bolsonaro (mesmo que com suas deformidades) estarão, na verdade, elegendo a outra parte da corja que saqueou o país em governos anteriores, e que pularam agora para um novo barco que disputa, com a mesma rota, a reta de chegada ao caos.

Mas ninguém traz isso para o debate.

Agora, na reta final da campanha mais vazia da história, embalam tudo no falso argumento do “voto útil”.

Com esta pregação, querem eliminar a liberdade das pessoas de votarem, no regime de dois turnos, primeiro no candidato que mais representa seus valores, e, se for o caso, de optarem depois por aquele que mais se aproxime de suas ideias.

Querem privá-las do direito de expressar seus sonhos e de testar a força de suas posições, enriquecendo o debate e fortalecendo a pluralidade de ideias.

Querem calar as vozes das dissidências e submetê-las, sob o regime do medo e do terror velado, a dois blocos rivais que se escondem no maniqueísmo e no personalismo para disfarçar as profundas semelhanças de suas candidaturas.

Por mais jogo sujo que pratiquem, eles não me intimidarão.

Não fugirei do verdadeiro embate democrático e não compactuarei com esta farsa.

Tenho compromisso de vida e morte com a luta por um Brasil melhor e nada me amedrontará nem irá me deter!

Minha candidatura está de pé para defender o Brasil em qualquer circunstância. E meu nome continua posto, como firme e legítima opção, para livrar nosso país de um presente covarde e de futuro amedrontador.

Com rebeldia e esperança ainda podemos, juntos, salvar nossa pátria.

Levanta, Brasil!

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Comentários

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Ibsen Marques.

Quem define esse modelo tosco de debate é a própria justiça, branca e liberal que permite o falso padre e a tal de Tronik porque seus partidos detém cadeiras no congresso apesar da menos que pouco expressiva votação. A injustiça social e política no Brasil são uma construção da elite brasileira e de sua mídia corporativa. São resultado de um congresso eleito por um pouco equivocado e manipulado que vota de forma constante e consistente contra seus próprios interesses para, em seguida, se lamuriar da dureza da vida, dos dias difíceis e fui seu sofrimento. O povo Bradley não é conservador, ele é manipulado e nunca considerado.

abelardo

Não há mais tempo para se perder com quem não mais controla a sua desatenção. Quando, em uma disputa democrática, nos deparamos com uma forte teimosia, que mais se parece com ciúmes e inveja, com certeza a autodestruição já se faz companheira e mentora das próximas, futuras e desnecessárias ações intempestivas e sem noção. Penso e pergunto: o que poderia ser tão grave, a ponto de alguém não se questionar por qual razão continua a desrespeitar sua inteligência, sua história e o seu próprio eleitorado, e não perceber o que está fazendo e destruindo? A partir desse ponto, já aflora a indignidade, a falta de confiança e ainda se confirma a imperfeição que caracteriza péssimos perdedores.

RiaJ Otim

Imagine se fosse você que de fato decidiu a última eleição e nem o eleito te deu ministério, quiçá alguns bilhões via irmão e orçamento secreto, e agora com 90% dos seus eleitores não vota em L nem morto e o cara tem que continuar fingindo ser de esquerda, como sempre fez

Zé Maria

Excerto Fundamental, Essencial na Busca da Democracia Real:

“Os debates, aliás, não têm acrescentado muita coisa ao momento político
e um dos motivos ainda é pouco comentado.

Tudo é feito para que o debate entre candidatos pareça altamente justo e democrático.

Regras claras, réplica, tréplica, direito de resposta, jornalistas sérios e renomados
fazendo perguntas coerentes e, muitas vezes, delicadas.

Mas o olhar mais atento percebe que o escopo da pauta é todo apontado
para a direita.

Onde estão os candidatos da esquerda e da extrema esquerda?

São capazes de levar ao debate um padre que não é padre [SIC],
que tem traço nas intenções de voto, que se coloca na extrema-direita ideológica,
que sai pregando fanaticamente contra o aborto, mas não levam as candidatas
do PCB nem do PSTU – Sofia Manzano e Vera Lucia, respectivamente. [!]

Levam o candidato do Novo, um partido altamente alinhado ao bolsonarismo
e, portanto, de extrema-direita, mas não levam as candidatas alinhadas
ao sindicalismo. [!]

Levam Soraya Thronicke, outra candidata cujas bandeiras oscilam entre direita
e extrema direita, mas não levam as candidatas alinhadas às pautas da classe trabalhadora. [!]

Tudo é feito para que o pêndulo do debate de ideias oscile entre centro
e extrema direita.

Desse modo, sem muito alarde, excluem as esquerdas do tablado. [!]

Com a exclusão, saem as pautas que seriam incômodas aos donos do jogo: taxação de grandes fortunas, jornada de trabalho, direito ao aborto livre
e gratuito, reforma agrária etc.

Não se trata necessariamente de advogar por essas agendas, defendê-las, apoiá-las.
Se trata de entender que é preciso colocá-las em circulação,
deixar que as pessoas que estão vendo o debate saibam
que elas existem e que são legítimas.

Só assim poderíamos confrontar suas possibilidades com o desejo
dos defensores da manutenção do poder das oligarquias,
como Tebet e Felipe D’Ávila, por exemplo.

Dessa forma, estreita-se o campo democrático do debate de ideias.”

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