Marta Suplicy: Em defesa do Vale Cultura

Tempo de leitura: 3 min

Marta Suplicy: “A gente não quer só comida”

na Folha, via Vermelho, sugerido pelo Julio Cesar Macedo Amorim

A Folha publicou editorial (“Vale-populismo”) crítico do Vale-Cultura (VC). Chama de “populismo” e promoção pessoal e eleitoreira projeto de lei que buscava aprovação desde 2009. Com a regulamentação do VC, empresas poderão passar R$ 50 a seus funcionários que recebam prioritariamente até cinco salários mínimos (R$ 3.390) para gastarem em cultura.

Por Marta Suplicy*

O Brasil nos últimos anos, com Lula e agora Dilma, tem dado passos gigantescos para acabar com a miséria. Não preciso citar os números dos que hoje comem nem dos que hoje entraram na classe média. O Bolsa Família, trucidado pela oposição, hoje é comprovadamente um instrumento de erradicação da pobreza.

O Vale-Cultura pode, sim, ser o “alimento da alma”. Por que não? Pela primeira vez o trabalhador terá um dinheiro que poderá gastar no consumo cultural: sejam livros, cinema, DVDs, teatro, museus, shows, revistas…

Lembro que, quando fizemos os CEUs (Centro Educacional Unificado), na pesquisa (2004) realizada no primeiro deles, na zona leste, 100% dos entrevistados nunca tinham entrado num teatro e 86%, num cinema. Quando Denise Stoklos fez seu espetáculo de mímica, a plateia se remexia inquieta até entender a linguagem e não se ouvir uma mosca no teatro, fascinado.

Fomento ao teatro, aquisição de conhecimento e bagagem cultural! Não foi à toa que Fernanda Montenegro ficou pasma com a plateia dos CEUs.

Essas pessoas, se tiverem criado gosto, finalmente poderão usufruir e escolher mais do que hoje podem. E os que não têm CEU têm televisão e conhecem o que é oferecido para determinado público. Sabem também o que aparece no bairro. E sabem que não podem ir.

Existe toda uma multidão de brasileiros (17 milhões) que hoje ganha até cinco salários mínimos (R$ 3.390) que potencialmente poderão, além de comer, alimentar o espírito. Este é um projeto de lei que toca duas pontas: o cidadão que vai consumir e o produtor cultural que terá mais público para sua oferta.

Quando chegarmos nesse potencial, serão R$ 7 bilhões injetados na cultura. Nossa previsão é atingir R$ 500 milhões neste ano.

Em 2008, o Ibope realizou pesquisa sobre indicadores de cultura no Brasil e mostrou que a grande maioria da população está alijada do consumo dos produtos culturais: 87% não frequentavam cinemas, 92% nunca foram a um museu; 90% dos municípios do país não tinham sala de cinema e 78% nunca assistiram a um espetáculo de dança.

Segundo a Folha, estaremos incentivando blockbusters e livros de autoajuda. Visão elitista. Cada um tem direito de consumir o que lhe agrada.

Não esqueço quando, visitando um telecentro, fiquei indignada que a maioria dos jovens estava nos chats de um reality show. Fui advertida pela gestora: “Esse é um instrumento que eles estão aprendendo a usar. Depois, poderão voar para outros interesses. Ou não”.

Não custa lembrar que a fome pelo acesso à cultura é enorme, o que ficou evidente nas filas quilométricas na mostra sobre impressionistas quando apresentada gratuitamente pelo Banco do Brasil.

O que a Folha também menosprezou é a enorme alavanca que o VC pode representar e desencadear na economia. A cadeia produtiva da cultura é o investimento de maior rentabilidade a curto prazo. Para uma peça de teatro, você vai desde os artistas, ao carpinteiro, cenógrafo, vestuário, iluminador…

Quanto ao recurso ir para formação e atividades de menor sustentação comercial, citadas como prioritários pela Folha, os editais do ministério, os Pontos de Cultura, têm exatamente essa preocupação, assim como os CEUs das Artes e Esporte que são, no momento, 124 em construção no país.

“A gente quer comida, diversão e arte.” (Titãs)

* Marta Suplicy é ministra da Cultura. Foi prefeita de São Paulo (2001-2004), ministra do Turismo (2007-2008) e senadora (2011-2012)


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Comentários

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Marcelo de Matos

(Parte 2) Essa lei de incentivo à cultura, na verdade, é um quebra-galho. O ideal seria que o livro fosse barato como antigamente, ou como é, ou foi, na URSS, quando havia incentivos governamentais. A cultura, em geral, sai muito caro. Não tenho dinheiro para ir a teatro, já que sou funcionário público federal sem aumento há bastante tempo. Ir ao teatro requer alguma grana. Tem aquele jantar após a sessão… Fico só com essa parte: vou jantar com um amigo e tomamos vinho, que também é cultura. Se existissem apresentações teatrais de baixo custo, livros também, audições musicais idem, não precisaríamos desse quebra-galho do vale cultura. Cinema barato até que existe. E do bom. É só baixar na internet. Gosto de filmes antigos, o verdadeiro cinema, não esses troços de homens fortes e extermínio. Um vizinho baixa para mim e joga por debaixo da porta do apê: Um Estranho no Ninho; Vidas Amargas; Os Anos Verdes, Cantando na Chuva. Filme pirata também é cultura. O ruim seria assistir, como disse Marta, filme porcaria.

Marcelo de Matos

(Parte 1) Por falar em cultura… Não sou da área, apenas acompanho literatura. Por que as pessoas leem isto e não aquilo? Porque alguém recomenda. Eu nunca teria lido um conto de Ledo Ivo, recém-falecido, se não existisse no meu tempo uma revista chamada “Leitura”, que divulgava autores e livros. As pessoas leem o que o professor recomenda, ou o que é recomendado pela Veja. Muitos não leem essa revista, mas, convivem com seus leitores. Então acabam lendo os 50, ou 500, tons de cinza. Os professores tem sua porção de culpa por recomendarem mal: Clarice Lispector, Camões, Euclides de Cunha. Por que não autores mais palatáveis? O grande problema do livro é o alto custo. Antigamente o livro era barato. O vendedor batia à porta para vender coleções encadernadas. Eu pedi a coleção de Monteiro Lobato e meu irmão comprou-me a de Jorge Amado. Acabei lendo tudo e gostei. Hoje peno para comprar livros: o que quero ler agora, Os Indianos, de Florência Costa, custa cinquentinha. E eu não recebo essa grana do governo.

Marcelo de Matos

“Em seu lançamento, Marta já havia afirmado que não há qualquer possibilidade de o governo condicionar gastos. A graça desse projeto é que a pessoa escolhe onde quer gastar. Se eu quero gastar tudo em livro, eu vou gastar, se eu quero economizar para ir a uma peça de R$ 200, eu vou fazer”. A ministra, inclusive, disse: “Tem um monte de crítica, de coisa dizendo assim: Mas vai comprar revista de quinta categoria, vai comprar revista de direita, vai comprar revista assim ou assado. Vai comprar o que quiser, disse a ministra em entrevista ao programa “Bom Dia, Ministro”, da Empresa Brasileira de Comunicação. Pode qualquer revista, pode. Eu não sou censora. Pode comprar revista porcaria. O trabalhador decide.”

Leonardo

Vocês sabem se os professores também serão contemplados com o vale-cultura ou a lei só é válida para funcionários de empresas?

    Marcelo de Matos

    Bem, tem professor concursado, que é funcionário público, e professor assalariado, que trabalha na iniciativa privada. De qualquer forma a lei vai ser regulamentada: “Vale-Cultura deve, segundo a ministra, ser regulamentado até 26 de fevereiro. “Vamos apresentar uma regulamentação até dia 26 de fevereiro, de uma forma bem genérica e depois fazer as portarias detalhadas aos poucos. O site do Ministério da Cultura está recebendo opiniões.”A ideia, segundo ela, é fazer com que 17 milhões de assalariados adiram ao programa ao custo de R$ 7 bilhões. “Acho que neste ano chegamos aos R$ 500 milhões”, disse.

Macêdo

Uma dúvida: funcionários públicos também terão direito ao VC?

Mardones Ferreira

O PT dos vales enterra o PT dos direitos. Quanto mais ”vales” menos direitos, menos reformas, menos cidadania.

O ministério da ”cultura” continua doando dinheiro para vários ‘espetáculos’ de artistas muito famosos, cujo público é a antiga classe média. Desnecessário.

Agora vem com esses vales.

    Nelson

    É isso aí, Mardones.
    Isenções, desonerações, empréstimos subsidiados, perdão a impostos sonegados. E assim vai a coisa, com os recursos da seguridade social sendo cada vez mais abalados para garantir que o empresariado mantenha ou mesmo amplie suas margens de lucro.
    Medidas sempre insuficientes, como podemos comprovar em matéria postada neste mesmo sítio que mostra como o empresariado – em busca de lucros sempre maiores – se articula no Congresso Nacional para cassar direitos dos trabalhadores.

Francisco

O VC é bom mais podia ficar melhor.

O primeiro ano o dois do uso dele poderia ser obrigatoriamente para aquisição de cinema nacional, autor nacional, peça de autor nacional… ou pelo menos da américa latina.

Como esta, fica… solto.

Bom, pelo menos o trabalhador não irá desperdiçar ele comprando a Folha.

    Willian

    Você está dizendo que o trabalhador deve assitir a “De pernas pro ar II” do que a um filme de Akira Kurosawa, ou que ir a um show de Luan Santana é mais instrutivo que o balé Bolshoi? Ou uma peça de Miguel Falabella é melhor que Ionesco? Ficou meio solta sua proposta…

Cibele

O VC é uma ótima ideia, apesar do incentivo fiscal.

Marcelo de Matos

“Segundo a Folha, estaremos incentivando blockbusters e livros de autoajuda. Visão elitista. Cada um tem direito de consumir o que lhe agrada. Não esqueço quando, visitando um telecentro, fiquei indignada que a maioria dos jovens estava nos chats de um reality show. Fui advertida pela gestora: “Esse é um instrumento que eles estão aprendendo a usar. Depois, poderão voar para outros interesses. Ou não”. Também espero que voem para outros interesses. Em termos de literatura seria ótimo vê-los apreciando Monteiro Lobato, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Orígenes Lessa, Lima Barreto. O PIG adora comparar-nos com os outros três Brics. Conheço muito pouco da Índia (preciso ler “Os Indianos”, de Florência Costa), mas, li bastante sobre China e Rússia (URSS). Esses dois Brics estão muito à nossa frente em matéria de esporte e cultura literária. Houve por lá a massificação do esporte e da leitura. Quanto ao esporte é só verificar o resultado da Olimpíada de Londres: a China ficou em 2º lugar e a Rússia em 4º. O Brasil ficou em 22º e a Índia em 55º.

Willian

Tudo bem, vá lá que se dê R$50,00 para que o trabalhador use em cultura. Mas porque cantores e atores de muito sucesso, alguns verdadeiramente milionários, têm que ter seus filmes ou peças subsidiados por incetivos fiscais? Porque impostos que poderiam ser gastos em habitação e saneamento têm que ir para peças do Miguel Falabella ou para turnês de Chico Buarque, Paralamas do Sucesso e Marisa Monte? E porque, depois que estas peças ou turnês dão lucro, não há a devolução do dinheiro que a financiou.

    renato

    Muito bem Willian.
    Gostaria de saber também.
    Existe uma infinidade de artistas no
    Brasil, que sequer são conhecidos, e
    quem perde somos nós.
    Na TV aberta, só como exemplo, em todos os
    canais começou a aparecer a cantora mais
    afinada do Brasil, em todos os horários possíveis.
    Bem como o filme de seus país de novo.
    Como se só existisse isto.
    Tenho certeza que isto esta relacionado com acerto de
    caixa de eleições. Vai ter muito show, agora no Carnaval,
    ícone de nossa Cultura.

    renato

    Descupem,falha minha, nunca sei de quem ela é filha.
    Faço confusão com a dupla.

Nelson

Basta de vale disso, vale daquilo!
Vale-transporte, vale-gás, vale-chiclé, vale alimentação, vale-qualquer coisa. O necessário, realmente, é garantir um salário de bom porte a cada trabalhador para que ele possa definir como vai gastar sua renda mensal, em dinheiro vivo.

Esses vales todos, além de aprofundarem a precarização dos direitos trabalhistas – sobre eles não incidem diversos direitos sociais, como FGTS, INSS, férias, 13º salário – ainda são em grande medida subsidiados pelo governo e/ou pelos próprios trabalhadores, vide o programa de alimentação vales e cesta alimentação que retira dinheiro do FAT.

E, ao se aposentar, o trabalhador que, durante o período laboral acostumou-se a ter os vales como parte de sua renda, vai perdê-los, sofrendo uma baixa considerável em seu poder de compra. E aí é que o caldo entorna, uma vez que ele não contribuiu para a Previdência e nem formou reserva no FGTS sobre toda essa parte de sua renda durante vários e vários anos.

Não a mais um vale! Aconselho a Dona Suplicy a convencer seu governo a parar definitivamente com essas absurdas desonerações das folhas de pagamentos, pois o empresariado já recebe largos subsídios através desses vales e de outros meios.

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