Mario Scheffer : CNI quer acabar com o SUS e implantar o SSS no Brasil

Tempo de leitura: 4 min
Robson Andrade, presidente da CNI. Foto: Iano Andrade/CNI

CNI propõe a presidenciáveis “Sistema de Saúde Suplementar”

Para a entidade da indústria, caberia ao governo prover serviços de saúde especialmente para às famílias de baixa renda.

Por Mário Scheffer, Blog Politica&Saude – Estadão

A Confederação Nacional da Industria (CNI) recebeu, nesta quarta-feira, 29/6, pré-candidatos à Presidência da República, no lançamento das propostas da entidade para as eleições.

Um dos 21 documentos distribuídos, para “alavancar a economia e melhorar o ambiente dos negócios”, leva o nome “Saúde : agenda pós-pandemia“.

Num formato de sabatina monótono, em que cada candidato é ouvido separadamente e diz o que quer, a saúde não teve vez.

Lula não compareceu. Ciro Gomes prometeu recriar o Ministério da Indústria e do Comércio. Simone Tebet defendeu um governo “afetivo” e parceiro da iniciativa privada. Bolsonaro iniciou dizendo ter obrigação de falar sobre o que fez, e não sobre o que irá fazer.

A covid-19 no Brasil, além das 671 mil vidas perdidas, das cicatrizes profundas que vai deixar, revelou a desumanidade e a inépcia do governo federal.

Na contabilidade da fuga de votos que elegeram o presidente em 2018, o que deixou de ser feito para combater a pandemia concorre com a piora da economia, corrupção e ameaças de golpe.

A crise sanitária também produziu a proliferação de organizações que, fora de seus habitats naturais, buscam agora influenciar o debate sobre o sistema de saúde do País.

Representantes do setor privado, que reputavam o SUS como fracasso, passaram a propor soluções para a saúde pública.

Nos últimos anos, multiplicaram-se os documentos produzidos por think tanks de saúde, espécie de clubes de pesquisa, produção técnica e persuasão, sustentados por empresas e empresários.

A tradicional CNI absorveu um pouco do frenesi desse movimento, que pretende reunir e divulgar pensamentos, geralmente embalados sob rótulo de racionais e modernos. Institucional, porém apócrifo, o apanhado da CNI sobre saúde não tira o olho do retrovisor.

Umas das principais aflições descritas pela entidade reside nos gastos das empresas com saúde, que são, de fato, elevados e progressivos.

Em 2021, a indústria desembolsou mais de R$ 60 bilhões com planos de saúde para trabalhadores, uma estimativa que considera o menor valor dos contratos coletivos, se comparado ao preço dos demais planos comercializados. São quase 11 milhões de clientes de planos mantidos pelo setor.

Segundo estudo do SESI, a assistência em saúde privada representa, em média, 13% da folha de pagamento.

Ainda que a participação da despesa com pessoal, no custo total de produção, seja menor do que outros itens, como matéria prima, energia e tributos, os planos de saúde, reajustados a cada ano muito acima da inflação, pesam no processo industrial.

Tal custo é subtraído de salários e embutido no preço dos bens produzidos, conta que é paga indiretamente pelos consumidores.

Um SUS maior, universal e de qualidade, liberaria recursos para a indústria melhorar os salários que paga, diminuiria o preço dos produtos que fabrica, fazendo aumentar o consumo como um todo, alavancando a economia.

Incrivelmente, o SUS está fora do radar da CNI.

Para a entidade é “fundamental avançar na reestruturação do Sistema de Saúde Suplementar”.

A CNI alça os planos privados, que são de assistência médica e hospitalar, à categoria de “sistema”, e vislumbra a atuação estatal da seguinte forma: “ o governo provê serviços de saúde à população, especialmente às famílias de baixa renda, e regula o mercado de saúde suplementar”.

Dentre as “inovações” sugeridas pela CNI, dirigidas ao novo sistema, estão a ampliação do uso da telemedicina, compartilhamento de dados clínicos de pacientes pelas empresas e pagamento de médicos e hospitais baseado em resultados, não mais em procedimentos realizados.

O SUS, dos pobres, seria aproveitado em eventuais “sinergias” ou “parcerias”. Por exemplo, na “integração entre a atenção primária do SUS, a saúde suplementar e as iniciativas de saúde do trabalhador desenvolvidas pelas empresas”.

Se a primeira parte da reforma proposta for atendida, que consistiria na redução dos custos das empresas com saúde privada, supõe-se que o novo modelo será fortemente subsidiado com recursos públicos.

Os problemas de saúde da população, adverte a CNI, “não impactam apenas o absenteísmo, mas também no presenteísmo, quando o trabalhador está presente, mas não consegue ser tão produtivo quanto costumava ser”.

O documento se refere corretamente à alta prevalência, no Brasil, de violências, acidentes e doenças crônicas não transmissíveis, como as cardiovasculares, diabetes, cânceres e transtornos mentais.

Mas ao supor que doenças possam ser suprimidas apenas por “mudanças de estilo de vida”, sem compreender e enfrentar os determinantes sociais do adoecimento, a CNI prega solução para lá de retrógrada. Seria mais ou menos como se alguém voltasse a defender o uso do carvão vegetal como principal fonte energética da produção industrial.

Não por acaso, uma das propostas da CNI é implantar a política do governo Bolsonaro, denominada “Enfrentamento das Doenças e Agravos Não Transmissíveis no Brasil (2021-2030)”.

O elevado consumo nacional de sódio, açúcar, alimentos ultraprocessados, agrotóxicos, álcool e tabaco é fator de risco para o desenvolvimento de doenças.

O plano do Ministério da Saúde, citado pela CNI, não inclui a meta, que se mostrou das mais eficazes em muitos países, de maior regulamentação das práticas e atividades de indústrias que produzem e comercializam produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Na melhor das hipóteses, a simplificação da promoção da saúde e da prevenção de doenças denota pouco ou nenhum contato com a ciência.

Já o menosprezo e a hostilidade às ações universalistas, aquelas que só o SUS bem financiado consegue entregar, não passam de fundamentalismo do mercado.

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Comentários

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Bernardo

O presidente da CNI é o mesmo que viajava ao exterior nas comitivas governamentais, ao tempo que o Brasil era respeitado ( até 2015). A industria ia bem, o desemprego era baixo mas, mesmo assim foi um dos
artifices do golpe contra Dilma, certamente por ser aliado do senador derrotado nas eleiçoes e lider do golpe. A industria nacional está nas mãos de quem pensa com a cabeça do seculo 19. Essa opinião da CNI sobre o SUS é mais da mesma idiotice.

abelardo

Não são industriais que infestam o covil de gananciosos e mercenários do mercado, na verdade são malandros oportunistas de governos fracos e também são punguistas do erário público e das riquezas sociais que beneficiam e ajudam a amenizar o sofrimento que o povo sofre, por conta de empresários inescropulosos e sangue sugas do patrimônio alheio. Mais que isso, também são criminosos que topam tudo, desde que aumente seus lucros e transborde as fortunas que conquistam com a subtração dos direitos sócias da população. Sendo assim, também serão ladrões e, portanto, criminosos perigosos.

Zé Maria

Neste Terceiro Milênio, o que houve de Avanço no SUS foi por Mérito dos
Governos do Partido dos Trabalhadores (2003-2015).

Em Compensação, a partir do Golpe de 2016, a Saúde Pública vem sendo
gradativamente Destruída pelos [des]Governos Neoliberais, primeiro, por
Temer e, depois, por Bolsonaro (2016-2022).

Nos próximos anos, o LULA terá muito trabalho para reconstruir o SUS.

Espera-se que a População que necessita dos Serviços Públicos de Saúde
tenha consciência de que precisa votar em Representantes da Esquerda,
inclusive para o Poder Legislativo, objetivando recuperar o tempo perdido.

Jotage

Quando vamos parar de ter trogloditas como industriais?
Segundo o Sr Robson: “a assistência em saúde privada representa, em média, 13% da folha de pagamento”.
Oras bolas Sr Robson, basta equiparar o salário dos brasileiros ao dos europeus, por exemplo, e o custo da saúde passa para 1,3%. Vá pentear macacos.

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