Marcos Coimbra: Fatos e versões

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Fatos e versões

por Marcos Coimbra, no Correio Braziliense – 15/09/2010, reproduzido no clipping do Ministério do Planejamento

Nesse tipo de combate, não faz a menor diferença se algo é verdade ou não. Como é apenas uma guerra de versões, o que conta é falar alto

Nas eleições, como em tudo na vida, uma coisa são os fatos, outra as versões. E, nem sempre, aqueles são mais importantes. Na luta política, uma versão bem defendida vale mais que muitos fatos.

Uma vitória, por exemplo, pode ficar parecida a uma derrota, de tão diminuída e apequenada. Depende do que sobre ela se diz. Por maior e mais extraordinária que seja, os derrotados podem se vingar, ganhando a batalha das versões. Os vitoriosos, em vez de comemorar e receber elogios, ficam na posição de se explicar, se defender. Os perdedores lhes roubam a cena.

Neste fim de campanha eleitoral, à medida que nos aproximamos da data da eleição, a perspectiva de uma vitória de Dilma por larga margem só tem aumentado. Ao que tudo indica, ela vai conseguir o que Lula não conseguiu em nenhuma das eleições que disputou: ganhar no primeiro turno. A crer nos números das pesquisas, ela está prestes a alcançar, já em 3 de outubro, a votação que ele obteve apenas no segundo turno de 2006, quando chegou a 60% dos votos válidos. Não é nada, não é nada, Dilma tem tudo para se tornar, daqui a três semanas, a pessoa mais votada de nossa história.

Enquanto a eleição real avança, a guerra de narrativas sobre seu provável resultado está em curso. De um lado, a que é formulada pelas forças políticas e as correntes de opinião que não conseguiram apoio na sociedade para levar seu candidato à vitória. Do outro, a dos vencedores.

Paradoxalmente, são os prováveis derrotados na batalha eleitoral real que estão em vantagem na briga das versões. Vão perder, ao que parece, na contagem dos votos, mas têm, pelo menos por enquanto, o consolo de fazer que sua interpretação prevaleça.

É o oposto daquilo que o professor Edgar de Decca, da Unicamp, caracterizou há alguns anos. Escrevendo sobre a Revolução de 1930, ele mostrou que ela entrou para nossa história através da narrativa daqueles que a venceram. Tudo aquilo pelo qual se bateram os derrotados foi ignorado ou desconsiderado. Sobre aquele movimento, nossa historiografia só nos conta a versão dos vencedores. Ninguém mais se lembra do que queria o outro lado. Impôs-se a ele “o silêncio dos vencidos”.

Em 2002, Lula e o PT venceram tanto a eleição quanto a batalha das versões. Quando o resultado objetivo foi proclamado, estava pronto um discurso: era “a vitória da esperança sobre o medo” e o Brasil podia sentir orgulho de sua própria coragem ao colocar na Presidência um metalúrgico. Ninguém deslegitimou o que as urnas disseram.

Se Lula começasse seu segundo mandato depois de uma apertada vitória sobre Alckmin no primeiro turno da eleição de 2006, seria complicado livrar-se da interpretação de que, depois do mensalão, havia diminuído de tamanho. Mas, no segundo turno, cresceu tanto que até seus detratores tiveram que reconhecer que nada indicava que fosse essa a realidade.

Agora, na véspera do que todos calculam ser a eleição de Dilma, está sendo elaborada uma versão que a reduz. Nela, a vitória é apresentada como um misto de manipulação (“usaram o Bolsa Família para comprar o voto dos miseráveis”), ilegalidade (“Lula passou por cima de nossa legislação eleitoral”) e jogo sujo (“montaram um fábrica de dossiês para derrotar José Serra”).

Nesse tipo de combate, não faz a menor diferença se algo é verdade ou não. Como é apenas uma guerra de versões, o que conta é falar alto. Quem tem meios de comunicação (jornais, revistas, emissoras de televisão) à disposição para propagandear seus argumentos, sempre leva vantagem. Pode até ganhar.

Que importa se apenas 20% do voto de Dilma vem de eleitores em cujo domicílio alguém recebe o benefício (ou seja, que ela tem votos suficientes para ganhar no primeiro turno ainda que esses fossem proibidos de votar)? Que importa se nossas leis são tão inadequadas que até uma passeata de humoristas a modifica? Que importa se nada do resultado da eleição pode ser debitado a qualquer dossiê, existente ou imaginado?

Mas fatos são sempre fatos. E as versões, por mais insistentes que sejam, não os modificam. Ganha-se no grito, mas perde-se no voto. Lá na frente, os fatos terminarão por se impor.


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Comentários

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Neyde Helena Castro

Oi, Azenha, o Marcos Coimbra faz análises muito bem feitas, concordo com êle: "mas, fatos são sempre fatos…" Acredito no amadurecimento do povo brasileiro, voto desde 1960 (quando votei no Mal. Lott) e também acompanhei o processo da esquerda no Brasil e, hoje, posso repetir o que disse a minha candidata, Dilma Rousseff: " o Brasil mudou, eu mudei, mas não mudei de lado." Pensar em essa gente voltando para o Governo Federal é um tremendo retrocesso para o povo brasileiro. Essa gente está há 16 anos em São Paulo e, a crer nos próprios órgãos do pig, não têm muita coisa para mostrar, a não ser apropriações indébitas. O fhc que se acautele: qualquer dia o serrágio vai dizer que o Plano Real foi inspiração dele… hehehe

ruypenalva

Mas se fôssemos uma sociedade tão midiática, tão culturalmente elevada, para que precisaríamos da mídia? A mídia não é tudo, embora essa tentativa de fazer um Big Brother eleitoral possa influenciar alguns. Falta peito ao Lula, ao PT e a Dilma para denunciar, bater de frente com os grandes grupos de mídia brasileiros. A nós, soi disant esclarecidos, falta estômago para aguentar isso tudo. Quando a mulher de Serra diz que Dilma mata criancinhas fiquei me lembrando do tempo em que eu era menino e que se dizia que comunistas matavam e comiam criancinhas.

José Manoel

Azenha: a "limpa" se dará em duas etapas! A primeira, dia 3 de outubro. A segunda daqui a dois anos!!! Não vai sobrar pedra sobre pedra!!!!!

Nilson E da Silva

Faço das palavras do Marcos Coimbra as minhas!!!!
Não adianta "lá na frente os fatos vão se impor as versões".

ebrantino

O Coimbra sabe

dukrai

véi, o "Vampiro Brazileiro 2, o Retorno" ficou em último na bilheteria, vai perder até para "geraldinho opus dei e a gata do Vaticano" e o "Marx" Coimbra vem dizer que está bombando na crítica da Fôia, do gLobo e do bEstalhão.
eu já nem sei mais o que é realidade virtual. eiiiiiiii, alguém sabe se eu estou aqui?

Gerson

O que importa é la na frente, daqui um ano, ou no mais tardar na próxima eleição para prefeitos, quando terminar a faxina geral.

Aguardem.

carlos hely

Fera este marcos coimbra. Concordo com ele, o governo deixa a coisa correr lenta e não pede tempo e nem manda a justiça dar direito de resposta. O governo não pode ficar calado sendo lameado, pois se o governo dilma por qualquer coisa se sair mal ai o discurso dos opositores de hoje cairá como uma luva para. Parabéns Marcos!

Lucia Fernandes

Ganhar no grito, significa usar de recursos ilegais, dos quais Lula vem se servindo sem qualquer constrangimento.
Gostaria que os cidadãos pensassem um pouco "além do grito", que enxergassem além de um discurso chulo, demagógico, maniqueísta, que hoje resvala no vulgar, que lessem as sábias palavras de um ex-petista, Ferreira Gullar.
É extenso, por isso transcrevo parte dele:
" Dilma nada tem a mostrar, uma vez que sua candidatura é tão simplesmente uma invenção do presidente Lula, que a tirou da cartola, como ilusionista de circo que sabe muito bem enganar a plateia.
A possibilidade da eleição dela é bastante preocupante, porque seria a vitória da demagogia e da farsa sobre a competência e a dedicação à coisa pública.
O povo nem sempre acerta. Por duas vezes, o Brasil elegeu presidentes surgidos do nada ─ Jânio e Collor. O resultado foi desastroso. Acha que vale a pena correr de novo esse risco?"

    Alex Gonçalves

    Em janeiro de 2001 uma empresa de nome Decidir.com quebrou o sigilo bancário de 60 milhões, pasmem, 60 milhões de brasileiros. Entre seus sócios, estava Verônica Serra, filha do então ministro da saúde José Serra. Agora pergunto ao IG, ao Estadão, à Folha, à rede Globo e à nossa imprensa, isto é verdade? E sendo verdade, qual foi a repercussão disto? Quem foram os responsáveis? Como se deu o abafa na época?

    Heitor Rodrigues

    Comparar a história de Dilma com as de Jânio e Collor? É brincadeira, não?

    Zé Raineri

    Eleger a Dilma é amadurecer nossa tão combalida democracia. Numa democracia imatura as discussões se pautam por nomes, o personalismo impera. A campanha de José Serra é um bom exemplo disso, por se pautar apenas nas suas supostas qualidades pessoais. A democracia amadurece quando, em detrimento de nomes, são discutidos projetos de governo. E é essa pauta que a campanha de Dilma traz à discussão, apoiada no personalismo de Lula. E isso é um processo. Em 2014, provavelmente, a discussão da campanha eleitoral deverá ser muito mais pautada em projetos.

    E a sra dizer que Serra é competente, das duas uma: ou a sra não mora em São Paulo ou acredita muito no que lê em jornais e assiste na tv.

Jair de Souza

Eu não acho que eles vão ganhar no grito. A máfia midiática vai fazer o seu papel para tentar conseguir isso. Mas só terá sucesso se os que estamos do lado da grande maioria aceitarmos. A versão (ou versões) da máfia midiática pode até conquistar crações e mentes de grande parte da classe média alta e (logicamente) das oligarquias, mas só se imporá sobre as maiorias populares se houver muita apatia de nossa parte. Assim como eles não puderam impor sua versão sobre em quem votar nestas eleições, também podem ser derrotados na batalha referente à versões da vitória de Dilma. Aqui, como na Venezuela, na Boívia ou no Equador, as máfias midiáticas podem ser derrotadas em todos os níveis. Não estou afirmando que isto é tarefa fácil. Estou dizendo que é possível.

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