Marcelo Zero: O Brasil escolhe o Brasil. O Brasil escolhe o mundo. Bullyng diplomático, não!

Tempo de leitura: 4 min
Presidente Lula discursa discurso no evento “Power Our Planet”, realizado em Paris, França, em 22/06/2023. Foto: Ricardo Stuckert/PR

O Brasil Escolhe o Brasil

Por Marcelo Zero*

No último dia 21, esteve na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados do Brasil uma delegação da Comissão de Relações Exteriores do Parlamento Europeu.

Na conversa que se seguiu, diversificada, um parlamentar estoniano, do grupo de direita “Identidade e Democracia”, afirmou, a respeito do conflito na Ucrânia e da geopolítica em geral, que o Brasil teria de decidir entre ficar do lado das “democracias”, isto é, o lado da Europa, dos EUA e aliados, ou do lado das “ditaduras”, a saber, Rússia, China e outros países.

Não haveria meio-termo e equidistância possíveis.

Outro parlamentar europeu afirmou que a China tende a “escravizar” outros países, por meio de empréstimos e dívidas.

Um parlamentar espanhol classificou o conflito da Ucrânia como uma “guerra imperialista” promovida unilateralmente pela Rússia, que, segundo ele, quer impor seu domínio autocrático em toda a Europa.

Essa visão simplória e maniqueísta do conflito na Ucrânia e da nova ordem mundial parece perpassar boa parte do espectro político europeu.

Mesmo parte da esquerda europeia parece ter aderido a essa visão “atlanticista” e paranoica da nova conformação geopolítica e geoeconômica mundial, a qual conduz, invariavelmente, à nova Guerra Fria, que antepõe, como disse o parlamentar estoniano, o “bem”, as democracias ocidentais, e o “mal”, as “autocracias”, como China, Rússia, etc.

Pois bem, ao contrário do que afirmou o parlamentar estoniano, o Brasil e outros países do chamado Sul Global não têm de escolher entre quaisquer dos lados identificados por esse novo maniqueísmo diplomático.

Entre EUA e Europa, de um lado, e China e Rússia, de outro, o Brasil escolhe o Brasil, país com interesses próprios e independentes, que deseja ter boas relações com todas as nações e que procura contribuir para a conformação de uma ordem mundial multipolar, multilateral e simétrica, capaz de dar soluções para os graves problemas do planeta, como o aquecimento global, a fome, a pobreza, as desigualdades e as guerras.

A maior parte dos países emergentes e em desenvolvimento do mundo concorda com essa posição brasileira e não tem motivos históricos para ser hostil, a priori, em relação à China, Rússia e outros países atualmente demonizados pela nova cruzada ocidental.

Não se deve esquecer que os países da América Latina, da África e de outras regiões do “Sul Global” não foram colonizados por Rússia ou China.

Foram colonizados, essencialmente, pela Europa, o que, em alguns casos, deixou cicatrizes difíceis de serem esquecidas.

Na África, continente que se livrou do colonialismo em tempos relativamente recentes, muitas vezes mediante guerras contra os colonizadores europeus, há alguma desconfiança em relação à Europa, mas não há suspeição relativamente à Rússia ou China.

Este último país, frise-se, está investindo na África 2,5 vezes mais que todo o Ocidente combinado, o que vem beneficiando muitas economias daquele continente. Por qual, motivo, então, a África teria de ser hostil à China? Ou a América Latina?

Em relação às “dívidas escravizantes”, a experiência negativa da maior parte dos países do mundo tem mais a ver com dívidas contraídas com o Ocidente.

Com o FMI, por exemplo, organismo controlado por EUA e Europa, que só desembolsava e desembolsa empréstimos mediante draconianas condicionalidades, impondo políticas econômicas ortodoxas e impopulares aos seus credores.

O Brasil, antes dos governos do PT, foi também uma vítima dessas dívidas. Ainda é fresca, na memória coletiva da América Latina, as “décadas perdidas” ocasionadas pelas “crises da dívida externa”. China e Rússia nunca nos constrangeram dessa forma.

Rússia e China também não interviram nos assuntos internos dos países da América Latina. Nesse aspecto, há uma desconfiança histórica, no que tange aos EUA. Motivos não faltam.

Em estudo publicado na Harvard Review of Latin America, em 2005, menciona-se que, apenas entre 1898 e 1994, os EUA conseguiram êxito em mudar governos da região 41 vezes, o que dá uma média de uma mudança de governo a cada 28 meses. Ressalte-se que, nesse estudo publicado na Universidade de Harvard, não se analisa as possíveis intervenções recentes, como as ocorridas em Honduras (2009), Paraguai (2012) e Brasil (2016).

O recente apoio do governo Biden à democracia brasileira, muito bem-vindo, não invalida o fato de que a América Latina não tem razões para ter desconfianças em relação à Rússia ou China, nesse campo.

Ao pressionar o Brasil e os demais países do mundo a se alinhar a um dos polos dessa nova Guerra Fria, com argumentos maniqueístas e pueris, EUA e Europa cometem um grave erro de avaliação, que poderá produzir efeitos contrários aos pretendidos.

Com efeito, essa pressão belicista poderá ser interpretada como uma atitude arrogante e neocolonial.

Melhor seria investir em cooperação franca, sem condicionalidades geopolíticas, moralistas e maniqueístas, as quais colocariam obstáculos de monta à construção de uma ordem mundial pacífica, sustentável, multipolar e simétrica.

Colocariam obstáculos, em última instância, a um mundo efetivamente mais democrático e igualitário.

Melhor seria abrir as burras e pagar suas dívidas históricas, como a relativa ao meio ambiente.

Lula, agora em Paris, referindo-se à famosa e ofensiva side letter do assimétrico Acordo Mercosul-EU, deixou claro: parceiros estratégicos não devem ser ameaçados. Muito menos submetidos a regras de outros países, que nem eles mesmos conseguem cumprir.

Da mesma forma, parceiros estratégicos não devem ser pressionados a se posicionar contra seus próprios interesses e contra os interesses da maior parte dos países do mundo.

E “falsos amigos” são aqueles que impõem vassalagem para serem “amigos”. Viu, Liberátion?

A nova cruzada política-ideológica que EUA e Europa parecem querer impor ao mundo não interessa ao planeta. Nem ela, nem as posições protecionistas e as pretensões hegemônicas a ela associadas.

A maior parte dos países do mundo, como Brasil, quer paz e pão.

Quer ter a oportunidade de crescer, prosperar e de dar às suas populações o mesmo nível de bem-estar das populações europeias.

Os antigos colonizados querem ter tratamento igual aos dos antigos colonizadores. Querem respeito. Não se submeterão a bullyng diplomático, venha de onde vier.

O Brasil escolhe o Brasil. O Brasil escolhe o mundo. Só isso.

*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.

Leia também:

Gezilda Lima: Meu caro Presidente Lula, um esclarecimento sobre Rússia e Ucrânia

Marcelo Zero: O que aconteceu na Rússia?


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Comentários

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Zé Maria

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Acusado de Sabotagem contra a Economia,
Presidente do Banco Central, Campos Neto,
voltará ao Senado para dar Explicações sobre
Manutenção da Mais Alta Taxa de Juros do Mundo.

Na Última Reunião, COPOM insistiu em manter
a SELIC no Patamar Exorbitante de 13,75%.

O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto,
terá de se explicar mais uma vez no Senado sobre a manutenção
dos juros escorchantes de 13,75% que está sendo interpretado
como um boicote à economia, uma vez que inviabiliza investimentos
e a geração de empregos no país.

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) aprovou requerimento do líder
do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (AP), para que
Campos Neto explique a insistência do banco na manutenção da taxa.

O presidente do BC, que foi indicado no governo Bolsonaro, esteve na Casa
em abril, quando disse que a alta da taxa de juros era uma decisão técnica.

Diferente do primeiro comunicado, a ata da última reunião do Comitê de
Política Monetária (Copom) divulgada nesta terça-feira (27) admite redução
da taxa.

O presidente Lula já havia cobrado explicações do presidente do BC ao Senado.

“Apenas o juro precisa baixar, porque também não tem explicação.
O presidente do Banco Central precisa explicar, não a mim, porque eu
já sei o porquê ele não baixa, mas ao povo brasileiro e ao Senado,
por que ele não baixa [a Selic]”, disse o presidente.

“É inaceitável que Campos Neto continue sabotando o Brasil e o povo
brasileiro com a mais alta taxa de juros reais do mundo!
A quem interessa impedir o crescimento econômico do nosso país?”,
disparou Randolfe Rodrigues.

No requerimento, Randolfe diz que o “Brasil está estupefato” diante
da sétima vez consecutiva o Copom ter mantido a taxa de juros.

“O choque com a decisão do Copom é de fácil compreensão.
O Brasil passa por um claro processo de redução da inflação.
O IPCA dos últimos meses tem sido reiteradamente abaixo
das expectativas, e desacelerou para apenas 0,23% em maio”,
explicou o senador.

De acordo com ela, a projeção de IPCA para 2023 do Relatório Focus
— que o Banco Central afirma tanto levar em conta em suas decisões —
caiu de mais de 6% para pouco mais de 5% nas últimas semanas.

“Já a prévia do IGP-M trouxe a maior deflação da história:
6,7% negativo no acumulado em 12 meses.
E, talvez ainda mais importante, as expectativas de inflação para 2024
estão dentro do intervalo de flutuação da meta”, observou Randolfe.

Exoneração
Por comprovado e recorrente desempenho insuficiente, a senadora
Ana Paula Lobato (PSB-MA) pediu ao Conselho Monetário Nacional (CMN)
a exoneração de Neto do cargo de presidente do BC.

“Oficializamos pedido de exoneração do presidente do BC, devido
sua persistência em manter INJUSTIFICADAMENTE as taxas de juros,
comprometendo a economia do país.
É fundamental ajustar nossa política monetária.
Conto com o apoio dos colegas senadores.
Campos Neto sabota o Brasil”, escreveu a senadora no Twitter.

https://twitter.com/AnaPaulaLobato_/status/1672685679002677251

https://vermelho.org.br/2023/06/27/acusado-de-sabotagem-campos-neto-voltara-ao-senado-para-se-explicar/

Leia também:

“Ata do Copom revela que juros já poderiam ter baixado”

https://vermelho.org.br/2023/06/27/ata-revela-divisao-do-copom-em-dois-grupos/

Zé Maria

Para cada 1% da Taxa Básica de Juros (Selic), mantida por 12 meses,
equivale a R$ 38 Bilhões de Acréscimo à Dívida Pública por Ano.

Em Agosto de 2023, o Banco Central completará 1 (Um) Ano de
Manutenção da Selic em 13,75%, o que equivale a um Acréscimo
de R$ 522,5 Bilhões (Mais de R$ MEIO TRILHÃO) à Dívida Pública,
nos Últimos 12 Meses.

https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/historicotaxasjuros

abelardo

Parabéns Marcelo! Concordo plenamente e totalmente. Um texto exemplar, direto objetivo e muito lúcido. Vou guardá-lo em minha seleção das gratificantes matérias publicadas.Show!

Zé Maria

“JOANA MORTÁGUA: A ESQUERDA QUE RECEBEU LULA EM PORTUGAL”

Entrevista Concedida ao Programa Sub40 no Canal OperaMundi.

Íntegra: https://youtu.be/Z5XO64KQUao

Zé Maria

Vídeo: https://twitter.com/i/status/1672376849609924613

“O presidente @LulaOficial acerta ao afirmar que a ONU criou o Estado de ‘Israel’
e novamente expõe o descaso e cumplicidade da comunidade internacional sobre ocupação ilegal e o apartheid racista e supremacista promovido pela entidade sionista contra os Palestinos”

https://twitter.com/FepalB/status/1672376849609924613/mediaviewer

Sandra Rezende

Lula faz discurso perfeito, toca em causas sensíveis ao Brasil e ao mundo, foi ouvido e respeitado por líderes internacionais. ORGULHO é a palavra que define nosso sentimento pelo Presidente do Brasil.
#LulaEstadistaDoPlaneta
https://twitter.com/frenteampla13/status/1672868526560886791?s=46&t=AYRgV-ht05eQiS7QIkcP2Q
Vivi para ver Marco Antônio Villa dizer que sentiu orgulho ao ouvir o discurso do Presidente Lula.

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