Marcelo Zero: Nova política industrial não é ‘jabuticaba’, e sim o futuro do Brasil e do mundo

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O presiswnte Lula durante reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), em 22/01/2024, no Palácio do Planalto. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Nova Política Industrial não é Jabuticaba

Por Marcelo Zero*

Parte considerável da nossa mídia e dos nossos comentaristas de economia parece viver numa bolha ideológica.

Uma bolha neoliberal que estacionou no espaço-tempo do Brasil dos idos das décadas 80 e 90 do século passado. Como Milei, aferrado em sua admiração a Thatcher e Menem, os elementos dessa bolha ainda não chegaram ao mundo do século 21.

Essa parece ser a única explicação plausível para as infundadas críticas ao plano da Nova Indústria Brasil (NIB), lançado recentemente pelo governo brasileiro.

Mal foi anunciado, o plano foi recebido com críticas negativas e vaticínios sombrios sobre seu inevitável fracasso.

Sequer foram feitas análises minimamente criteriosas. Simplesmente afirmaram, com base em pressupostos ideológicos arcaicos, que a Nova Indústria Brasil repete as mesmas fórmulas “que não funcionaram em governos passados”.

Ora, o plano da Nova Indústria Brasil se inspira nas novas políticas industriais que se já se espalharam por muitos países, nos últimos anos. Essas novas políticas industriais inspiram-se também, por sua vez, em muitas experiências históricas bem-sucedidas.

Antes de tudo, é preciso considerar que as políticas industriais são praticamente tão antigas quanto a própria indústria, mesmo em países considerados exemplos de liberalismo econômico.

Alexander Hamilton, primeiro Secretário do Tesouro dos EUA, logo advogou pela proteção da indústria do seu país, afirmando que os argumentos de Adam Smith a favor do comércio livre “embora teoricamente verdadeiros (geometrically true)’, eram ‘falsos, na prática’.

Tinha razão. Tem razão.

Da mesma forma que os EUA, França, Alemanha, Japão, Coreia do Sul, China etc., se industrializaram graças aos incentivos e à proteção do Estado, consubstanciados em sólidas e multidimensionais políticas industriais.

O Brasil também. O grande crescimento da economia e da indústria brasileiras entre os anos 30 e 80 do século passado foi pavimentado pela ação do Estado e por políticas industriais e de desenvolvimento. O BNDES, por exemplo, foi decisivo para tornar a Embraer uma empresa de grande sucesso internacional.

Naquele período, frise-se, o PIB per capita brasileiro cresceu ao ritmo de 3,7% ao ano, ficando apenas um pouco abaixo do Japão, cujo PIB per capita aumentou 3,8%.

Fomos campeões mundiais de crescimento, no período desenvolvimentista, hoje tão demonizado.

No início da década de 80 do século passado, a indústria brasileira produzia mais que a Coréia do Sul e a China, combinadas. Éramos responsáveis por pouco mais de 3% da produção industrial do mundo.

Entretanto, nos anos 90 e no início deste século, com o predomínio do paradigma neoliberal, essas políticas se retraíram e passaram ser demonizadas, especialmente em países em desenvolvimento, os quais, em razão das crises das dívidas, foram fortemente pressionados a adotarem medidas econômicas liberalizantes, como condição única e sine qua non para voltar a crescer. O Estado tornou-se vilão, como sustenta até hoje Milei.

Mas essas políticas neoliberais fracassaram no mundo inteiro e, nos últimos anos, as políticas industriais voltaram com tudo.

Além do fracasso do liberalismo econômico ideologizado e “falso, na prática”, como diria Hamilton, há outros fatores que explicam esse renovado e forte investimento em políticas industriais.

Em primeiro lugar, a grande crise mundial do liberalismo “financeirizado”, iniciada em 2008, combinada com os gargalos de oferta causados pela pandemia, desarranjou fortemente as cadeias produtivas globais, revelando grandes fragilidades em setores estratégicos, como o da saúde e o de chips e semicondutores.

Em segundo, há o desafio monumental das mudanças climáticas, as quais impõem investimentos maciços e urgentes em energias renováveis, transportes etc., e a migração acelerada para uma economia “descarbonizada”.

Em terceiro, a ascensão meteórica da China provocou grandes rivalidades econômicas com os EUA e Europa.

Tanto os EUA quanto a Europa estão, há muitos anos, preocupados com a crescente fragilidade de muitos de seus setores industriais. Há uma tendência de regionalização e de nacionalização de segmentos cruciais das cadeias de produção. Todos querem dominar esses setores estratégicos.

Hoje, a China produz 28,4% da produção industrial do mundo. Os EUA, antigos campeões absolutos, produzem “apenas” 16,6 %. A Alemanha produz 5,8%. O Brasil produz cerca de 1,3%.

Em breve, a China produzirá o dobro do que os EUA produzem, mais de cinco vezes o que a Alemanha produz e cerca de 25 vezes o que o Brasil consegue produzir.

Como bem assinalou Willy C. Shih, em artigo publicado na liberal Harvard Business Review, intitulado “A nova era da política industrial está aqui”, muitos países temem que suas tecnologias ou setores estratégicos estejam enfraquecendo, o que representa uma ameaça ao crescimento econômico, à segurança nacional e à capacidade de inovação.

Por isso, nesse artigo menciona-se que “governos de todo o mundo estão intervindo cada vez mais no setor privado por meio de políticas industriais projetadas para ajudar os setores domésticos a alcançar metas que os mercados sozinhos provavelmente não alcançarão.

Segundo o FMI, são mais de 2,5 mil medidas de política industrial já implementadas globalmente.

Portanto, o empenho nessas políticas é geral.

Nos EUA, em especial, esse empenho na nova industrialização é monumental.

Somando-se tudo, o esforço ascende a cerca de US$ 2 trilhões, nos próximos 10 anos, conforme estimativas recentes. No Reino Unido, o esforço é de US$ 1,7 trilhão. Na União Europeia, é de US$ 1,6 trilhão.

Algumas novas políticas industriais se concentram na criação de empregos; outras em influenciar o comércio internacional.

Exemplos notáveis no mundo todo incluem:

— o Acordo Verde Europeu, o Horizonte 2020 e o Fórum Estratégico para Projetos Importantes de Interesse Europeu Comum (IPCEI), na UE;

— a Lei de Investimento e Empregos em Infraestrutura (IIJA), a Lei de Redução da Inflação (IRA) e a Lei CHIPS and Science, nos Estados Unidos;

— o Made in China 2025 e a Belt and Road Initiative, na China, para dar citar somente alguns programas.

Tais políticas não se limitam a oferecer subsídios e empréstimos significativos, mas também estabelecem tarifas protetivas e regras de conteúdo doméstico, como as previstas no Crédito Fiscal Federal de Produção Industrial Avançada da Lei de Redução da Inflação nos EUA.

Programas específicos dessas políticas já apresentaram resultados importantes.

A Operação Warp Speed, por exemplo, foi muito bem-sucedida na aceleração dos testes clínicos e na introdução de novas tecnologias, como vacinas, diagnósticos e terapêuticas de RNA mensageiro, para combater a Covid-19.

A Autoridade de Pesquisa e Desenvolvimento Avançado Biomédico dos EUA (BARDA-entidade governamental) assumiu grandes riscos financeiros, algo que as multinacionais farmacêuticas não estavam dispostas a fazer, apostando em um portfólio de tecnologias inovadoras, incluindo aquelas que nunca haviam sido testadas.

Assim, temos hoje modernas vacinas baseadas em RNA mensageiro graças a essas políticas.

Pois bem, o Brasil, país que se desindustrializou bastante nas últimas décadas (caiu, como vimos, de ao redor 3% da produção industrial mundial para cerca de 1,3%), não pode ser exceção nessa tendência mundial inexorável.

Observe-se que a Nova Indústria Brasil está muito longe de ser mera repetição de políticas anteriores, como argumentam setores mal-informados.

O programa da Nova Indústria Brasil, conforme resume bem o Portal da Indústria, reúne as seguintes características:

1. Ele foi pensado para um cenário internacional completamente novo, em que a corrida pela transição ecológica e a transformação digital se impõem como condições necessárias para o crescimento e o desenvolvimento. A nova política colocará o país na fronteira tecnológica da Indústria 4.0.

2. Em sintonia com outras políticas industriais de países desenvolvidos, a Nova Indústria Brasil é organizada por missões, que buscam resolver desafios do país, num cenário mundial cada vez mais competitivo, com linhas horizontais de financiamento. Com o fortalecimento das nossas cadeias produtivas, seremos um país mais resiliente para enfrentar crises e turbulências internacionais.

3. Não será criado nenhum tributo adicional nem haverá aumento de impostos e tarifas existentes pagas pela população para financiar a nova política industrial. Os R$ 300 bilhões anunciados são quase integralmente de créditos para ações de promoção do desenvolvimento industrial – incluindo incentivos para inovação – e serão empregados ao longo de quatro anos.

4. Todo projeto financiado será acompanhado por um sistema de metas, métricas, monitoramento e sanções, quando não houver cumprimento do que foi acordado, incluindo devolução dos recursos.

Lula, Mercadante e Alckmin não estão “voltando para o passado”.

Aqueles que estão numa bolha arcaica são parte da nossa mídia e os ideólogos do rentismo e de um país eternamente preso a um modelo primário-exportador.

Nenhum país poderá ser realmente desenvolvido sem uma indústria competitiva, digital, moderna e sustentável. E nenhum país poderá alcançar esse objetivo sem políticas públicas e o apoio inteligente do Estado.

O resto é desvario ideológico de Conan, a alma canina que inspira Milei e, aparentemente, o CEO da Suzano, entre outros.

A Nova Indústria do Brasil não é uma jabuticaba obsoleta. É o futuro do Brasil e de todo o mundo.

*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais

Trump e Possíveis Mudanças na Política Externa do EUA

Por Marcelo Zero*

Trump, como se sabe, tem vários e diversificados processos na justiça.

Mas Biden também tem seus problemas. Problemas jurídicos e políticos acarretados pela política externa.

O presidente da Câmara, o republicano Mike Johnson, afirmou recentemente que o presidente Biden está envolvido em um “encobrimento contínuo” e “mentiu repetidamente” sobre seu envolvimento e conhecimento dos negócios de seu filho, Hunter Biden, na Ucrânia.

Mike Johnson também destacou que o inquérito de impeachment contra Biden continuará “metodicamente ” e sem um resultado “predeterminado”.

O inquérito é liderado pelo presidente do Comitê Judiciário da Câmara, Jim Jordan, pelo presidente do Comitê de Supervisão, James Comer, e pelo presidente do Comitê de Formas e Meios, Jason Smith.

O escopo do inquérito de impeachment abrange desde o período da vice-presidência de Biden até o presente, incluindo seu período fora do cargo.

“Temos um encobrimento contínuo de fatos importantes enquanto Joseph Biden estava sentado no Salão Oval”, disse Johnson. “Sabemos que ele olhou diretamente para a câmera e mentiu repetidamente, quero dizer, ele mentiu diretamente várias vezes sobre seu envolvimento e conhecimento dos negócios de seu filho na Ucrânia. Todos nós sabemos disso agora.”

Além de investigar os laços de Biden com os negócios supostamente escusos de sua família na Ucrânia, os republicanos da Câmara também estão investigando a suposta obstrução da investigação federal do Departamento de Justiça sobre Hunter Biden.

As alegações teriam partido de “denunciantes do IRS” (Receita Federal dos EUA), os quais teriam dito que a “política” influenciou e bloqueou as investigações dos fiscais norte-americanos.

Se essa investigação vai dar em alguma coisa, com novas evidências surgindo, é difícil de avaliar, mas é evidente que tende a enfraquecer uma candidatura que não está agradando boa parte do eleitorado dos EUA.

Enquanto Trump parece se fortalecer cada vez mais, com vitórias sucessivas nas primárias, a pré-candidatura Biden parece estar patinando perigosamente.

Pesquisa da Reuters, divulgada no dia 25/01, mostra que Trump estaria 6 pontos percentuais à frente de Biden, na corrida presidencial.

Embora seja muito cedo para se fazer previsões, a tendência atual é de fortalecimento de Trump e enfraquecimento de Biden.

Além dos preços, que estão bem acima dos valores pré-pandemia, apesar da queda da inflação, um dos problemas que afetam negativamente a imagem de Biden é justamente sua aparente falta de liderança e sua política externa.

Boa parte da opinião pública dos EUA não vê mais com bons olhos o envio de centenas de bilhões de dólares para financiar conflitos no exterior, como o da Ucrânia, enquanto os problemas internos se avolumam. Trump vem explorando bem essa fragilidade e essas contradições.

Ademais, o apoio de Biden às inomináveis ações do governo de extrema-direita de Israel na faixa de Gaza vem minando a sua popularidade entre os jovens progressistas (liberals).

Assim, Biden vem perdendo votos, mesmo entre apoiadores do Partido Democrata, por causa de uma política externa agressiva e belicista.

Trump promete revê-la. Já disse que acabaria com a guerra na Ucrânia no seu primeiro dia de governo, o que provocou a reação assustada de Zelensky.

Mesmo que não o faça, é possível prever que a atual ajuda norte-americana à Ucrânia diminua consideravelmente caso ele seja eleito, até mesmo porque Trump considera que a administração de Zelensky tem laços profundos com o Partido Democrata e a família Biden.

É bem verdade que a política externa dos EUA pouco muda com a alternância entre administrações do Partido Democrata e o Partido Republicano. Os interesses do chamado “establishment” dos EUA são muito poderosos.

Mas o antiglobalismo de Trump, seu ceticismo em relação à Otan e sua ênfase política no America First poderão acarretar um certo retraimento dos EUA no cenário mundial, especialmente no que tange ao apoio a conflitos pouco populares ou que provoquem muitos gastos.

Lembre-se que a decisão de retirar os EUA do Afeganistão, embora efetuada por Biden, deu-se ainda no governo Trump.

Os warmongers não parecem satisfeitos com tal perspectiva, que poderia se concretizar, caso Trump seja eleito. Veremos.

*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.

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