Marcelo Zero: Crise em Moçambique tem muito mais a ver com a direita que com o governo da Frelimo
Tempo de leitura: 3 minMoçambique
Por Marcelo Zero*
A crise atual em Moçambique, desencadeada pelo anúncio da eleição do candidato da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), Daniel Chapo, como presidente da República, já ocasionou dezenas de mortos.
Mas, ao contrário do divulgado, essa crise tem muito mais a ver com a direitista Renamo e outros partidos de direita que com o governo da Frelimo.
Como todos sabem, após sua independência, reconhecida imediatamente pelo governo militar brasileiro, Moçambique enfrentou uma terrível guerra civil, que opôs a direitista Renamo (Resistência Nacional de Moçambique), apoiada pelo então regime do apartheid da África do Sul e pelos EUA, ao governo socialista da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique).
Esse conflito se deu de 1977 até 1992, quando se assinou um acordo de paz, conhecido como “Acordo de Roma”.
Tal acordo de paz, apoiado pela maioria da comunidade internacional, conferiu prestígio internacional ao país.
A realização de eleições multipartidárias (1994, 1999, 2004, 2009,2014, 2019 e agora, em 2024) sempre de forma regular, democrática e pacífica, sem denúncias comprovadas de fraude; o pleno funcionamento, de forma ininterrupta, de seu poder Legislativo (a Assembleia da República) e a liberdade de expressão, religiosa e de associação, algo relativamente raro na África subsaariana, chegaram a situar Moçambique como modelo para países em situação pós-conflito.
Adicionalmente, em 6 agosto de 2019, foi assinado, em Maputo, o Acordo de Paz e Reconciliação.
O evento histórico foi apresentado como conclusão do processo de paz entre o governo moçambicano e a Renamo. O instrumento foi firmado pelo presidente de Moçambique, Felipe Nyusi, e pelo general Ossufo Momade, líder da Renamo.
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Contudo, há uma facção da Renamo, conhecida como “Junta Militar da Renamo,” liderada pelo general Mariano Nhongo, que nunca aceitou o processo de paz e que se recusa a entregar as armas remanescentes. Apesar de o general ter sido morto em 2022, a “Junta Militar” continua com suas atividades desestabilizantes.
Para complicar ainda mais a situação de segurança de Moçambique, a província de Cabo Delgado, situada no extremo norte do país, vem sofrendo, desde 2017, ataques sistemáticos do autodenominado “Al-Shabaab Moçambicano” (ASM), grupo terrorista islâmico, que, em poucos anos, se fortaleceu a ponto de ameaçar a estabilidade dessa região do país.
Estima-se que a instabilidade no norte de Moçambique tenha resultado, até o momento, em mais de 3.000 mortes e 800 mil deslocados internos.
Muito embora o controle do porto e a vila sede do distrito de Mocímboa da Praia tenha sido retomado pelo governo moçambicano, a situação de instabilidade persiste, agravada pela crise dos alimentos e dos seguidos ciclones tropicais.
Há muito em jogo em Moçambique, especialmente para os interesses brasileiros, já que o nosso país mantém profundos laços históricos e de cooperação com esse país estratégico da África Meridional.
Além de seu imenso potencial agrícola, Moçambique é um dos países com maior potencial energético da África. Possui grandes reservas estimadas de carvão (23 bilhões de toneladas) e de gás natural (127 bilhões de metros cúbicos comprovados), além de elevado potencial de geração de energias renováveis, como eólica (4.700 MW), solar (2.700 MW) e bioenergia (2.200 MW).
Em particular, a confirmação, em 2011, de vultosas reservas de gás natural na Bacia do Rovuma, no extremo norte do país, e o projeto de liquefação de gás deverão tornar Moçambique um dos maiores exportadores mundiais de gás natural. Especificamente, o terceiro maior exportador dessa commodity estratégica.
Nesse contexto, Moçambique tem se aproximado bastante da China, e já aderiu ao projeto do Cinturão e Rota da Seda. Há também interesse recíproco na participação do Brasil, na exploração do gás moçambicano.
Moçambique, da mesma forma, mantém boas relações com a Rússia.
Com efeito, Moçambique e Rússia realizaram, nos últimos anos, movimentos de reaproximação, que culminaram com a assinatura de importantes acordos, sobretudo em cooperação militar, tendo a Rússia oferecido treinamento de pessoal e equipamentos militares para o governo moçambicano.
No campo geopolítico, o governo de Moçambique inclina-se mais para o BRICS e é crítico à imposição de uma nova “guerra fria” ao Sul Global, embora procure manter boas relações com os EUA e UE.
Em 25 de Agosto de 2023, o Presidente da República, Filipe Jacinto Nyusi, defendeu que a iniciativa de cooperação dos países que fazem parte dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, e África do Sul), com países não BRICS, como Moçambique, aliada à sua expansão, configura uma mais valia para a materialização das iniciativas africanas refletidas nas agendas 2063 para o desenvolvimento de África, em consonância com as agendas das comunidades regionais.
O governo da Frelimo, frise-se, não é hostil aos EUA, e a Exxon-Mobil já lidera um consórcio internacional para a exploração do gás natural moçambicano.
Contudo, seria de interesse do “Ocidente” que Moçambique tivesse um governo mais alinhado aos seus interesses e menos independente.
Os EUA estão muito preocupados com a crescente influência da China e da Rússia na África.
E, onde há fumaça, pode haver fogo.
*Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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Comentários
Zé Maria
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É Evidente que há Forças Políticas Externas, de Cunho Neoliberal,
interferindo atualmente em Moçambique para desestabilizar o País.
Parece até uma Reprise do que ocorreu, ao mesmo tempo, na Venezuela.
.
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ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS EM MOÇAMBIQUE 2024
Em 5 de maio de 2024, após uma reunião do seu Comité Central, a FRELIMO
nomeou Daniel Chapo, um professor de direito de 47 anos e antigo
governador da província de Inhambane, como seu candidato nas próximas
eleições para suceder ao presidente cessante Filipe Nyusi.
Chapo é o primeiro candidato presidencial da FRELIMO que nasceu
depois de Moçambique ter conquistado a independência em 1975.
Na mesma data, o Movimento Democrático de Moçambique (MDM) elegeu o
seu líder, Lutero Simango, para ser seu candidato nas eleições de outubro.
Outros candidatos incluem:
– Ossufo Momade, líder do partido RENAMO desde 2018, que perdeu as eleições presidenciais de 2019 para Nyusi; e
– Venâncio Mondlane, um banqueiro e engenheiro florestal que concorreu
como independente após se afastar da RENAMO na sequência de uma
candidatura mal-sucedida às eleições autárquicas de Maputo em 2023,
marcada por alegações de fraude eleitoral.
Mondlane foi apoiado pelo recém-criado Partido Otimista pelo
Desenvolvimento de Moçambique (Podemos), bem como a Aliança
Democrática, uma coligação de partidos da oposição que não obtiveram
registro para concorrer às eleições.
Mondlane foi registado como candidato presidencial do partido Podemos
para esta eleição. Também o presidente do partido, Albino Forquilha, disse
que admitia a possibilidade de Mondlane vir a ser o líder do partido no futuro.
O candidato da oposição, Venâncio Mondlane, declarou-se preventivamente vencedor. [SIC]
Em 16 de outubro, os relatórios preliminares mostravam Chapo na liderança.
Em 24 de outubro, o Conselho Nacional Elitoral (CNE) anunciou que
o Candidato da FRELIMO, Daniel Chapo, venceu a eleição com 71%
dos votos.
O CNE comunicou também que a FRELIMO venceu todas as eleições provinciais e conquistou 195 dos 250 assentos no parlamento,
com o Podemos a ganhar 31 assentos e a RENAMO a ganhar 20.
Imediatamente, o Podemos contestou os resultados, publicando sua
própria contagem paralela de seus observadores eleitorais, que mostrou que Mondlane venceu [SIC] com 53% dos votos e o partido conquistou
138 assentos. O Podemos forneceu cerca de 300 quilos de cédulas supostamente tabuladas para apoiar a contagem eleitoral.
Durante a contagem, no dia 11 de outubro, Venâncio Mondlane ameaçou lançar uma greve nacional, se a FRELIMO declarasse vitória.
No mesmo dia, observadores da União Europeia e do Parlamento Europeu exigiram que as autoridades eleitorais centrais divulgassem todos os detalhes da votação em todos os locais de votação. [SIC]
Apesar de disporem dos dados, as autoridades eleitorais centrais
recusaram-se a fazê-lo.
Os observadores da UE disseram mais tarde que houve “irregularidades
durante a contagem e alterações injustificadas dos resultados eleitorais
a nível de voto para a assembleia nacional e distritos”.
Mais tarde, Mondlane marcou o início da greve para 21 de outubro.
No dia 16 de outubro, quatro pessoas foram detidas, por arruaça, durante uma marcha liderada por Mondlane em Nampula.
Observadores do Instituto Republicano Internacional, sediado nos Estados Unidos da América (EUA), [SIC] também notaram casos de intimidação de
eleitores, compra de votos e aumento do número de eleitores em redutos
da FRELIMO.
Em 14 de outubro, Lutero Simango e o Movimento Democrático de
Moçambique (MDM) anunciaram que rejeitariam qualquer contagem
oficial de votos devido a “muitas irregularidades e manipulações” e que
contestariam oficialmente a eleição no Tribunal.
Um dos principais problemas que o MDM teve com a eleição é que
um de seus eleitores foi preso sem acusação em uma seção eleitoral
em Ribáuè.
O MDM também anunciou que estava a realizar uma contagem paralela
de votos, que seria divulgada quando o resultado oficial fosse divulgado,
para efeito de comparação.
Em 16 de outubro, o Procurador-Geral de Moçambique convocou Venâncio
Mondlane por violação da Constituição moçambicana, argumentando que
o candidato do Podemos bemcomo seus apoiadores cometeram “infrações
eleitorais, crimes comuns e violações a normas ético-eleitorais”. [SIC]
Mondlane reivindicou a vitória, que o Procurador-Geral classificou
como “incitação à violência e à desordem pública”. [SIC]
Mondlane também publicou os ‘resultados’ da sua contagem paralela
de votos [SIC], que o Procurador-Geral classificou como “comportamento
que viola princípios e normas éticas e eleitorais”.
A polícia moçambicana informou que no dia das eleições ocorreram
38 casos de crimes eleitorais que resultaram na prisão de 37 indivíduos.
Também relatou 60 delitos eleitorais que resultaram em 39 detenções
no período de 24 de agosto a 6 de outubro.
No dia 18 de outubro, Elvino Dias, advogado do Podemos e um dos
assessores de Mondlane, foi morto a tiros no seu carro, juntamente
com o porta-voz do partido, Paulo Guambe, por atiradores não
identificados em Maputo.
Na época de sua morte, Dias estava se preparando para apresentar
um caso ao Tribunal Constitucional contestando o resultado.
Mondlane acusou as Forças de Segurança, enquanto a UE, a União
Africana, os EUA e Portugal condenaram os assassinatos.
Em 21 de outubro, a polícia disparou gás lacrimogêneo contra Mondlane
enquanto ele dava entrevistas no local dos assassinatos de Dias e Guambe.
Mondlane disse que a polícia tentou impedi-lo de sair para participar dos
protestos.
Também eclodiram protestos em Maputo, Beira, Nampula e na província
de Gaza (Sul de Moçambique) no mesmo dia, como parte da greve
convocada por Mondlane, resultando na prisão de seis pessoas e
ferimentos em 16 pessoas, incluindo dois jornalistas, segundo noticiado
por Agências Internacionais Ocidentais.
Em 23 de Outubro, os observadores da União Europeia divulgaram
uma declaração de que o governo realizou “alterações injustificadas”
e que os resultados das eleições foram manipulados a favor da FRELIMO,
enquanto o Departamento de Estado dos EUA exigiu uma investigação e rejeitou a violência política.
Em 25 de outubro, tumultos eclodiram em todo o país, depois que o CNE
anunciou que Chapo venceu a eleição presidencial e o governo fechou a
passagem de fronteira com a África do Sul em Ressano Garcia.
Barreiras improvisadas bloquearam as principais estradas em Maputo,
com os manifestantes alegando que “não têm nada a perder” devido à
péssima situação econômica do país desde que a petrolífera francesa
Total Energies atrasou a construção de uma usina de gás natural de
20 bilhões de dólares devido à insurgência em Cabo Delgado.
Mondlane declarou em uma transmissão ao vivo que os resultados eleitorais
de 71% para Chapo eram “totalmente absurdos” e que “A revolução chegou… Chegou a hora.”
Conforme notícias da Imprensa Internacional, as forças de segurança moçambicanas durante esses tumultos mataram pelo menos 11
manifestantes e usaram munição real e gás lacrimogêneo para dispersar
a multidão, o que foi recebido com fortes críticas da Human Rights Watch. Além disso, mais 50 pessoas ficaram feridas e mais de 400 manifestantes foram presos num período de dois dias, de 24 a 25 de outubro.
Em 27 de outubro, o Podemos apresentou formalmente um recurso
ao Conselho Constitucional contra os resultados eleitorais de 2024.
Em 28 de outubro, Mondlane apelou à formação de um “Governo de
Unidade Nacional” rival, constituído por todos os partidos da oposição,
para formar uma frente unida contra a FRELIMO.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Elei%C3%A7%C3%B5es_gerais_em_Mo%C3%A7ambique_em_2024#cite_note-41
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