
A montagem de Veja colocou Sininho caminhando tranquilamente diante de uma cena de destruição, como se ela estivesse na cena
Alguns questionamentos sobre as prisões de ativistas pela Polícia Civil do Rio de Janeiro: um misto de indignação e muitas dúvidas
por Kátia Gerab Baggio*, conforme informações disponíveis até 15.07.2014
Sempre me manifestei contra prisões arbitrárias, abusos e truculência das polícias e demais agentes do Estado.
Nos últimos dias, a Polícia Civil do Rio de Janeiro prendeu 17 adultos e “apreendeu” dois menores, num inquérito policial que acusa 26 pessoas.
Tudo leva a crer que foi mais uma ação arbitrária da polícia, como tantas que temos visto, não só durante a Copa, mas há anos.
Entretanto, sinceramente, os argumentos dos que criticaram as prisões, com veemência, não me convenceram completamente. E por quê?
Porque não tenho a certeza, a priori, de que todos são inocentes. Muitos podem ser inocentes. Mas todos são? Não sei, sinceramente. E, por isso, minha dificuldade para defendê-los com convicção.
Incitação à violência é crime. E temos visto, há meses, pelas redes sociais e em sites na internet, a incitação explícita à violência.
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Em páginas de grupos de extrema direita e em páginas de “black blocs”, as quais visitei, verifiquei a existência de explícita incitação à violência. E, nessas páginas, não encontrei apenas incitação à depredação de patrimônio, mas à violência contra pessoas. No caso dos “black blocs”, principalmente contra policiais. Eu vi isto, ninguém me contou.
Mas quero deixar bem claro aqui: a princípio, creio que as prisões foram mesmo arbitrárias e que merecem toda a nossa indignação. A Polícia Civil do RJ e o Judiciário terão que demonstrar, sem sombra de dúvidas, que não foram prisões arbitrárias. Isso, até agora, não foi feito.
Entretanto, algumas coisas me intrigam há meses e não quero pecar por omissão.
Depois da morte do cinegrafista Santiago Andrade, e da prisão dos dois jovens acusados de terem sido cúmplices na ação que provocou sua morte, a imprensa praticamente silenciou sobre o assunto.
Não soubemos mais nada sobre o andamento das investigações. Afinal: os dois jovens agiram sozinhos? Foi apenas uma inconsequência dos dois ou houve a cumplicidade de mais alguém? Foram eles que levaram o rojão ou alguém entregou o rojão a eles? Muitas dúvidas ficaram no ar.
Por que a imprensa, depois da forte indignação com a morte de Santiago, em fevereiro, abandonou completamente o assunto?
Cadê a imprensa investigativa para destrinchar o caso? Era para ter caído no esquecimento pela própria imprensa, na qual trabalhava Santiago?
Sobre Eliza Quadros Pinto Sanzi, conhecida como Sininho, que frequenta o noticiário há meses: o que sabemos sobre ela, além de ser uma “ativista” do “movimento” “Não vai ter Copa” e da “luta pela saúde e educação”?
A mesma Sininho protagonizou um vídeo, junto com o “Batman do Leblon” (aliás, há dois homens-morcego na “produção”) e outros jovens, que considero simplesmente constrangedor e patético: com uma adaptação da letra da musiquinha de fim-de-ano da TV Globo, mascarados de butique dançam e cantam “Hoje a rua é nossa…”, com uma estética de musical para adolescentes.
Que jovens, com formação política e histórica minimamente consistente, seriam protagonistas de um vídeo como este: com a Sininho, o Batman e “hippie chics”? Sininho (a fadinha de Peter Pan), no vídeo, dança com o Batman…
Sou de uma outra geração, mas me parece estranhíssimo isso. Rebeldes vestidos de Batman e Sininho?
Afinal: essa Sininho está a serviço de alguém? Ou não? Quem ela é? Quem são essas pessoas e o que querem, de fato?
Ou será ela simplesmente uma jovem (nem tanto, tem 28 anos!) inconformada, rebelde, mas meio ridícula (pois, para protagonizar um vídeo como este, só sendo um tanto quanto ridícula…)?
Apenas indagações.
Em artigo no Zero Hora (jornal conservador, eu sei; o artigo tem que ser lido com muitos filtros e enorme desconfiança) há algumas informações sobre a Sininho: garota de classe média, que estudou em boas escolas etc. etc.
Pela matéria do ZH, parece-me que a tal Sininho, em termos de formação política, beira a nulidade. Talvez minha avaliação seja injusta, mas o vídeo me confirma isso. E essas pessoas estão nas ruas lutando “por um Brasil melhor”? Sinceramente, não consigo apostar nada nesse pessoal: Sininhos, Batmans…
Para terminar: imagino que muitas pessoas que não mostraram indignação, nas redes, contra essas prisões, compartilham das mesmas dúvidas que eu. Não são “ex-querdas”, como andei lendo no facebook…
E o que seriam a Sininho, o Batman do Leblon, os mascarados da zona sul e os “black blocs”? A “nova esquerda” que surgiu nas manifestações de junho de 2013? Sinceramente, dispenso. Com esse pessoal, não se chega a lugar algum que valha a pena. Só se chega à exacerbação tanto da ingenuidade política como da violência policial.
Merecem ser presos por serem ingênuos e despreparados politicamente? Não.
Mas vivemos em uma democracia em que a incitação à violência é crime. Por mais imperfeita que seja, vivemos, sim, em uma democracia.
Por enquanto, me restam a indignação e as dúvidas.
*Kátia Gerab Baggio é professora de História das Américas na Universidade Federal de Minas Gerais
PS do Viomundo: Ninguém pode ser preso por se vestir de Batman, caso contrário o Carnaval lotaria as prisões. Ninguém pode ser preso por protagonizar um vídeo ridículo. Caso contrário as emissoras de TV ficariam vazias. O Bush lançou a política do ataque preventivo. A polícia civil brasileira adotou a tática da prisão preventiva e do indiciamento por formação de quadrilha de pessoas que não se conhecem. Curiosamente as prisões preventivas aconteceram em sedes importantes da Copa: Fortaleza, Rio de Janeiro, São Paulo. Terá sido uma ação coordenada? Da FIFA, de secretários de segurança, do Ministério da Justiça?
Em Direito uma acusação deve ser específica: João das Couves incitou à violência. Com especificidade e provas. Não dá para ler o site da UFMG e deduzir, a partir de comentários potencialmente criminosos, que os professores da universidade merecem prisão preventiva para evitar futuros crimes. Se a Sininho for uma cabeça de vento idealista, de classe média, repito: isso ainda não é crime. Mas será, em breve, porque governos conservadores — de direita ou de esquerda — querem conservar e calar a voz de dissidentes. De cabeças de vento e de cabeças pensantes.
Nos Estados Unidos foi exatamente assim: houve uma ação de polícias locais, coordenada nacionalmente, contra o Occupy Wall Street, com a prisão de lideranças e o monitoramento de movimentos sociais. O objetivo era óbvio: desmobilizá-los e tirá-los das ruas. O Brasil é o país da modernização conservadora, de um consenso forjado nos bastidores, onde o papel do povo é na plateia. Na Venezuela era mais explícito: o pacto de Punto Fijo determinou o revezamento de partidos no poder. Deu no Caracazo, a grande revolta popular que eventualmente levou Hugo Chávez ao poder.
Milhões manifestaram insatisfação em 2013. Não eram todos “coxinhas”. O Congresso tomou medidas de fachada. Pouco mudou. Enquanto isso, tem gente mais tranquila agora que a Sininho, nossa bin Laden, foi presa. Isso no mesmo país em que a Operação Satiagraha, a do banqueiro bilionário, corre o risco de ser completamente anulada; em que a Operação Castelo de Areia, do caixa dois da empreiteira Camargo Correia, foi anulada por ser originária de uma denúncia anônima, embora as provas obtidas depois sejam robustas; em que o mensalão tucano não deu em nada; nem a sonegação da Globo, em termos criminais.
Ah, mas estamos salvos: Sininho foi presa, aparentemente pela presunção de que mataria um outro cinegrafista, sem que se tenha apurado responsabilidade dela, direta ou indireta, pela morte de Santiago Andrade. Conhecer um criminoso não faz de você um, certo? Ainda não.
Foi tudo baseado em presunção de culpa, quanto todos deveríamos ter a presunção da inocência.
Mas O Globo forneceu a “prova”:

PS da Kátia Gerab Baggio: Este texto foi enviado a Viomundo, para apreciação e possível publicação no blog, no início da madrugada de 15 de julho.
Portanto, antes de fatos e informações que vieram à tona a partir do último dia 15.
Sobre o P.S., reitero que não afirmei, em nenhum trecho do meu texto, que as prisões não são arbitrárias.
Apenas expressei dúvidas, em razão de muitas manifestações que li, no facebook e fora dele, de 12 (dia das prisões) a 14 de julho, em defesa dos presos, antes que fossem conhecidos detalhes da acusação.
Além disso, concordo que presunção de culpa não é justificativa para prisão preventiva. Como escrevi no texto: “A Polícia Civil do RJ e o Judiciário terão que demonstrar, sem sombra de dúvidas, que não foram prisões arbitrárias. Isso, até agora [14 de julho], não foi feito”. E, até hoje, 20 de julho, ainda não foi demonstrado.
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